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Setor automobilístico como reflexo do ciclo do capital da economia brasileira

2.4 SETOR AUTOMOBILÍSTICO NACIONAL COMO REFLEXO DE UM PADRÃO DE

2.4.3 Setor automobilístico como reflexo do ciclo do capital da economia brasileira

boa parte da meta de produção, chegou ao índice de nacionalização superior a 90%, os custos e preços de produção se mantiveram dentro do previsto, houve criação de estímulos para uma série de setores e constituiu fonte de arrecadação estatal via impostos sobre o consumo.

Segundo dados apresentados por Almeida (1972), a indústria automobilística representava 9% da renda gerada na indústria brasileira em 1971, sendo superada pelas indústrias químicas, de produtos alimentares e têxtil. Essa posição foi alcançada já em 1958. Quanto ao emprego industrial, o setor automobilístico correspondia a 4,1% em 1960, passando para 8% em 1968. Sendo, entretanto, a que mais absorveu o crescimento do trabalho industrial entre 1959 e aquele ano.

Em 1966, o valor da produção das montadoras de veículos já representavam mais de 3% do PIB, assim como 2% da Renda Interna. O pessoal empregado na produção de veículos e autopeças equivalia a 0,6% da população economicamente ativa (PEA). Quando se somam os empregos indiretos gerados pela indústria, no refinamento de petróleo, na venda e manutenção de carros, manutenção de rodovias e no transporte rodoviário, correspondiam a 3,5% da PEA (ALMEIDA, 1972).

Tão importante quanto a renda e os empregos gerados pela indústria automobilística, foi a repercussão favorável na formação de mão-de-obra, na difusão de novas tecnologias e na aplicação de métodos mais aperfeiçoados de produção.

Através de seus efeitos globais de linkage, a indústria contribuiu para o desenvolvimento do setor interno de bens de capital. Isso se traduz no fato de que, em seus primeiros anos, todas as máquinas e equipamentos que abasteciam a montagem das fábricas brasileiras eram importadas, em 1962, 53,4% do valor investido nessa indústria foi gasto em importação de máquinas e equipamentos. Essa proporção cai para uma média de 24% entre 1964-1968 (ALMEIDA, 1972).

No entanto, esses sucessos só são caracterizados assim por cumprirem os objetivos postos pelo estado e atingirem os anseios dos setores que fizeram suas vozes serem ouvidas por esse estado, podendo então desfrutar das vantagens trazidas por aquela indústria.

De outro ponto de vista, poderiam ser destacados o reforço da concentração de renda induzida por um modelo de desenvolvimento focado em um bem de consumo de luxo, as desvantagens para as classes que não acessam esse bem de consumo colhem de um sistema que privilegia o transporte individual, os maiores custos de transporte de cargas no longo prazo, os altos custos de divisas envolvidos na implantação da indústria, o número relativamente baixo de empregos gerados graças à alta composição orgânica do capital nessa indústria.

Perseguir objetivos como elevação do emprego, com a consequente diminuição do exército industrial de reserva e aumentos de salários e do valor da força de trabalho (expressa na ampliação dos bens de consumo que fazem parte de sua determinação), e promoção do transporte coletivo pressuporia outra coalizão política no poder, distante do amálgama entre uma burguesia agrária ainda muito influente e uma grande burguesia interna que esperava crescer nas franjas do capital multinacional e manter a força de trabalho sob controle.

Juscelino Kubitschek foi o último presidente a encarnar uma aliança de classes pelo desenvolvimento com apoio da classe trabalhadora. Seu governo lançou mão de um plano de crescimento acelerado fundado no investimento estatal na indústria de base e na entrada de capital estrangeiro para diminuir a disputa sobre a condução do desenvolvimento entre burguesia industrial e latifundiários e da promessa de melhoras nas condições empregatícias da classe média e dos trabalhadores. Os desenvolvimentos posteriores aprofundaram as contradições entre as classes, levando a uma solução de força que envolvia a aceitação da condição de sócio menor do capital estrangeiro em nome da preservação do sistema e dos privilégios das classes dominantes em relação à classe trabalhadora.

A indústria automobilística brasileira é fruto desses desenvolvimentos, tendo na sua estrutura de implantação e no modo de reprodução de seu ciclo do capital a marca do padrão de reprodução da economia brasileira como um todo, com sua profunda dependência de variáveis que fogem ao seu controle e com as disputas políticas internas entre as classes pela direção do estado, da direção do desenvolvimento nacional e, consequentemente, da distribuição da riqueza gerada.

No processo de financiamento dos investimentos no setor, o capital estrangeiro foi, desde o início, elegido como o único capaz de fazer frente às exigências de capital necessárias para produzir em um setor de alto conteúdo tecnológico. Sua penetração nessa fase acontece

principalmente através de investimentos diretos, adquirindo controle sobre unidades de produção em território nacional e direito sobre a mais-valia ali gerada. Os investimentos indiretos através de empréstimos estrangeiros foram essenciais para financiar boa parte dos investimentos, seja na implantação de montadoras, seja nos setores complementares.

A totalidade dos bens de capital utilizados, primeiramente, compôs-se de mercadorias importadas. O uso dessa tecnologia envolve o pagamento de royalties e licenciamentos pela empresas de capital nacional, levou também à adaptação do sistema produtivo nacional aos seus parâmetros, com consequências negativas sobre o nível de emprego gerado, dado volume enorme de investimentos realizados. Apesar desses fatores, destaca-se o efeito de aprendizado sobre o capital nacional, além da indução do setor de bens de capital nacional.

Na fase da produção, verificou-se que as empresas com controle do capital estrangeiro ou com acesso a seu financiamento e tecnologia foram as que puderam concentrar o mercado em suas mãos. Essa dinâmica já era esperada no setor de montagem, mas ocorreu também no setor de autopeças, quando, após um primeiro período, aconteceu a consolidação do setor com os capitais nacionais tendo que se associar a empresas estrangeiras para continuar nos ramos de fornecimento de maior composição orgânica do capital, que recebem transferências de valor via concorrência intrassetorial dos ramos menos produtivos. De resto, boa parte dos capitais de controle nacional passaram a se situar nos ramos altamente competitivos e de menores margens de lucro, ou seja, aqueles de peças facilmente reproduzíveis e de reposição. Consequência da especialização produtiva brasileira colonial e depois semi-colonial é a separação entre a estrutura produtiva e a estrutura de consumo da classe trabalhadora interna, dificultando a obtenção de mais-valia relativa e voltada para a produção de bens de consumo e matérias-primas para exportação, com a força de trabalho interna não tendo grande relevância na realização das mercadorias. Se tal quadro muda com a industrialização por substituição de importações a partir dos anos 1930, se desdobra a partir dos anos 1950 com a redefinição da estrutura produtiva em torno de um bem de consumo que não entrava na determinação do valor da força de trabalho, o que permitiu o reforço da superexploração do trabalho em nome da diminuição dos custos com mão-de-obra e da redistribuição da renda em favor das classes médias e capitalistas, dinamizadoras do novo padrão.

O desenvolvimento tardio do capitalismo brasileiro, construído sobre uma herança colonial de exploração intensiva do território e do trabalho internos, definiu uma estrutura deformada em relação aos países que desenvolveram o capitalismo pioneiramente e se expandiram de forma imperialista. Nos anos 1950, isso se traduzia na dependência para com as mercadorias-capital que eram produzidas nos países desenvolvidos e que já estavam obsoletos nestes, levando a transferências de valor relacionadas ao envio de lucros e pagamentos de rendas do capital. A dimensão insuficiente dos lucros que permaneciam na esfera interna levou ao direcionamento exportador da produção mais dinâmica interna já na década de 1970, antes mesmo que essa chegasse ao alcance da força de trabalho.

3 GLOBALIZAÇÃO E IMPERIALISMO: TRANSFORMAÇÕES PRODUTIVAS, FINANCEIRAS E A INTEGRAÇÃO BRASILEIRA À NOVA DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

3.1 CRISE DA ORDEM IMPERIALISTA DO PÓS-GUERRA E FINANCEIRIZAÇÃO