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2 SOBRE O REGIME DE SIGNO ADOTADO

2.4 O Signo como Função Semiótica

A relação triádica proposta pela semiótica de Peirce não é uma simples relação entre três elementos de significação. Aqui a simultaneidade da relação entre os

Significado do Autor S1 S2 S3 Sn s1 s2 s3 sn s‟1 s‟2 s‟3 s‟n Cadeia s/S f (sn) = sn/Sn Cadeia S/s g (Sn) = Sn/sn‟ (g O f )(sn) = sn/sn‟ Significado do Leitor Tempo Cadeia Significante Tempo

três elementos é decisiva e leva a semiótica a pensar o signo como uma função integrada. A sedutora flexibilidade da estrutura de significação proposta por Peirce resulta da possibilidade de associar cada um dos três lugares do triângulo semiótico a elementos distintos de significação. O recurso gera uma imensa gama de signos e propriedades semióticas, que pretendemos correlacionar com as habilidades cognitivas descritas por Vygotsky.

Hoje compreendemos a disposição triádica da semiótica como um complexo de relações triádicas, que pode ser pensada de modos diferentes, dependendo do caráter dos elementos que estão compondo uma determinada estrutura de significação. Aqui desenvolveremos uma notação específica para cada modo ou tipo de composição semiótica, considerando os elementos postulados por Peirce. Contudo, já podemos adiantar a propriedade fundamental do signo semiótico: a semiose infinita. Em outras palavras, a significação é infinita. Mil vezes que se fale da mesma coisa ou objeto de pensamento, mil significações ocorrerão. Isto porque uma função só representa ou apresenta um objeto em apenas um aspecto ou qualidade e nunca poderá dizer todo o objeto ou descreve-lo funcionalmente de forma completa. A repetição e a descrição são frações que somadas nunca chegam a um número inteiro. Um signo e sua função operam em dimensões fracionárias e fracionadas. De fato,

“a semiótica é uma ciência que trata não só dos símbolos, mas de todas as espécies de signos, das relações triádicas autênticas, representações, de todas e quaisquer formas de linguagem. É a ciência da Terceiridade. A Semiótica é o estudo abstrato de todos os possíveis tipos de signo, seus modos de significação, de denotação e de informação, e o todo de seus comportamentos e

propriedades, na medida em que não são acidentais” (Bacha, 1998:45).

Notamos que a semiótica pode oferecer categorias de significação para a análise e descrição da cognição em cada fase ou etapa do desenvolvimento infantil. Para tanto, as funções semióticas estabelecem um território de significação, estruturado semioticamente, para a ação e o desempenho das habilidades cognitivas.

“Também quando pretende-se estudar a

classificação dos signos é indispensável entendê- los como uma correlação de variáveis. Esta perspectiva (da função sígnica) pode esclarecer estas classificações que seriam melhor chamadas de classificação da função sígnica.” (Epstein, 1991:47).

As semiologias de origem diádicas tendem a associar apenas duas variáveis ao signo e a sua função: o significante, situado no plano da expressão, e o significado, situado no plano do conteúdo. De fato, as semióticas de origem triádica, por sua vez, levam em conta também os objetos, ou o referente, daí a inclusão em seus dispositivos de significação de signos não arbitrários, não simbólicos, ou seja, motivados, como os índices e os ícones. O signo não é, então, um objeto com determinadas propriedades, mas uma relação ou, antes, uma função, já que tratamos de um tipo de relação com trânsito específico entre funtivos, ou elementos funcionais.

Para Peirce, os signos podem ser divididos de três formas, segundo três tricotomias:

I Quanto a sua natureza material própria, como se apresenta à realidade, sua constituição física; II Quanto a sua relação com o Referente (enquanto

objeto ou coisa);

III Quanto a sua relação com o Interpretante.

A primeira divisão, ou primeira tricotomia é aquela que considera o signo em si mesmo, independente de outra coisa. Assim, o signo pode ser um:

1. Qualisigno: o que se apresenta como mera qualidade: “Uma qualidade que é um signo. Não pode atuar como signo até que se corporifique; mas esta corporificação nada tem a ver com seu caráter como signo.” (Peirce, 1995:52).

2. Sinsigno: um existente concreto, “algo singular ou conjunto de singulares numa relação existencial com seu objeto” (Bacha, 1998:48); “... uma coisa ou evento existente e real que é um signo” (Peirce, 1995:52).

3. Legisigno: o que se apresenta como regra ou lei geral, governando a ocorrência de particulares, “... é uma lei que é um signo” (Peirce, 1995:52); “... todo Legisigno requer Sinsignos.” (Peirce, 1995:52).

A segunda tricotomia dos signos é a que será adotada na presente dissertação, considerando que as relações de significação que a criança desenvolve com o mundo parte, inicialmente, de construções objetais, como assinala Vygotsky ao longo da formação dos conceitos na criança. Assim, diante da segunda tricotomia de Peirce, estabeleceremos já a notação que utilizaremos no próximo capítulo para a descrição do desenvolvimento cognitivo. De

fato a segunda tricotomia se realiza na dependência da relação do signo com seu objeto, além de tratar-se da característica decisiva que diferencia a abordagem triádica de Peirce da diádica de Saussure. Sem esta tricotomia não haveria maiores razões para abandonar Saussure. E de acordo com a segunda tricotomia, um signo pode ser denominado:

1. Ícone: “o ícone não tem conexão dinâmica alguma com o objeto que representa: simplesmente acontece que suas qualidades se assemelham às do objeto e excitam sensações análogas na mente para a qual é uma semelhança.” (Peirce, 1995:73); “Qualquer coisa, seja uma qualidade, um existente individual ou uma lei, é Ícone de qualquer coisa, na medida em que for semelhante a essa coisa e utilizado como seu signo.” (Peirce, 1995:52); ou seja, “a única relação que ele pode ter com aquilo que o torna presente é de semelhança (Bacha, 1998:49).

2. Índice: “O índice está fisicamente conectado com seu objeto; formam, ambos, um par orgânico, porém a mente interpretante nada tem a ver com essa conexão, exceto pelo fato de registrá-la, depois de ser estabelecida.” (Peirce, 1995:73); “Psicologicamente, a ação dos índices depende de uma associação por contiguidade, e não uma associação por semelhança ou de operações intelectuais” (Peirce, 1995:76); “Os índices podem distinguir-se de outros signos, ou representações, por três traços característicos: primeiro, não têm nenhuma semelhança significante com seus objetos; segundo, referem-se a individuais, unidades singulares, coleções singulares de unidades ou a contínuos singulares;

terceiro, dirigem a atenção para seus objetos através de uma compulsão cega.” (Peirce, 1995:76); enfim, um índice é “Um signo, ou representação, que se refere a seu objeto não tanto em virtude de uma similaridade ou analogia qualquer com ele, nem pelo fato de estar associado a caracteres gerais que esse objeto acontece ter, mas sim por estar numa conexão dinâmica (espacial inclusive) tanto com o objeto individual, por um lado, quanto, por outro lado, com os sentidos ou a memória da pessoa a quem serve de signo.” (Peirce, 1995:74).

3. Símbolo: “O símbolo está conectado a seu objeto por força da idéia da mente-que-usa-o-símbolo, sem a qual essa conexão não existiria.” (Peirce, 1995:73); “Todas as palavras, frases, livros e outros signos convencionais são símbolos.” (Peirce, 1995:71); “Um símbolo genuíno é um símbolo que tem um significado geral.” (Peirce, 1995:71); “O símbolo é aplicável a tudo o que possa concretizar a idéia ligada à palavra; em si mesmo, não identifica essas coisas. Não nos mostra um pássaro, nem realiza diante de nossos olhos, uma doação ou um casamento, mas supõe que somos capazes de imaginar essas coisas, e a elas associar a palavra.” (Peirce, 1995:73).

Aqui Peirce engloba toda a semiologia em apenas uma das definições de signo simbólico. Neste ponto cabe uma ressalva de Netto (1996:59), afirmando que na semiologia de Saussure não é possível aplicar o conceito ou a palavra símbolo para designar o signo linguístico, porque de forma contrária a Peirce, para Saussure, o símbolo nunca era completamente arbitrário. O signo sim é imotivado,

arbitrário e convencionado. Mas observamos que o modelo de Saussure, ainda por conta de sua estrutura diádica tem

“(...) o inconveniente de permitir que o termo “objeto” aparecesse em lugar do termo “signo” – confusão evitada por Peirce uma vez que signo e objeto são duas entidades distintas – deve-se ressaltar que não há vestígio na doutrina de Saussure, de estudos mais aprofundados sobre a natureza do signo e do símbolo que pudessem tornar convincentes a descrição de ambos. Assim, diante da força da coerência interna da teoria de Peirce, torna-se mais adequado, senão imperioso, aceitar com Peirce que o signo linguístico é um signo do tipo simbólico exatamente porque é arbitrário.” (Netto, 1996:59).

E a terceira divisão, ou terceira tricotomia, considera o signo com relação a seu Interpretante. Aqui o signo pode ser um:

1. Rema: signo que funciona para seu interpretante