• Nenhum resultado encontrado

1.2 O cinema digital

1.2.1. Simulação e simulacro

Assim como dito anteriormente, por Manovich, a simulação dentro do cinema digital surge como uma das suas principais características. Desta forma, com a possibilidade de simulação, filmar torna-se apenas uma entre as várias possibilidades durante a construção de um filme.

Entretanto, antes de prosseguir com a reflexão, é necessário compreender o conceito de simulação, simulacro e suas relações com o real dentro do ambiente digital / virtual, principalmente no que diz respeito às produções de imagem, dentro dos meios de comunicação. Couchot (2003) afirma que a relação entre objeto, sujeito e a própria imagem é modificada a partir da simulação do real, se comparada às tecnologias analógicas.

Simulando o real a partir de definições de linguagens lógico-matemáticas, não somente sob os seus aspectos perceptíveis mas em estruturas e leis que o regem, o numérico introduz uma ruptura radical nos modos de figuração automáticos em relação aos modos existentes como a fotografia, o cinema e a videotelevisão. Capaz de interagir, muitas vezes imediatamente com o observador, como o teria feito o real – e a libertar-se dele –, provocando assim relações profundamente diferentes entre a imagem, o sujeito e o objeto. (COUCHOT, 2003, p. 19)

Já no que diz respeito a campo artístico, Couchot afirma que a simulação altera mais ainda a relação entre objeto, sujeito e imagem, uma vez que a arte absorveu a lógica de produção científica. Para produzir arte em ambientes digitais são utilizados programas que simulam as ferramentas e materiais. Por exemplo, um pintor, ao produzir uma pintura digital, pode escolher

a cor, espessura do pincel e estilo de pincelada sem precisar tocar em tintas ou telas de fato. Ele pode utilizar apenas um programa capaz de simular todos estes elementos da pintura8.

No domínio da arte, o numérico renova totalmente as ferramentas e os materiais que não são mais os do mundo real, mas aqueles da simulação: o artista não trabalha mais com a matéria nem com a energia, mas com programas, direta ou indiretamente. Ora, cada um destes programas só é concebível recorrendo-se a modelos de simulação que são todos produtos da ciência. A ciência então penetra sem rodeios no coração das ferramentas e materiais. Deste fato decorre uma experiência tecnestésica de uma complexidade sem precedentes. Não é somente num outro espaço e num outro tempo que o obreiro é mergulhado, mas é também uma outra concepção do mundo que desposa, sem querê-lo, imposta pela razão científica. (COUCHOT, 2003, p. 19)

Pensando sob tal perspectiva é possível chegar ao ponto principal sobre a simulação dentro dos ambientes digitais. Segundo Couchot, por não precisar de um tempo ou espaço determinado, a simulação ultrapassa a perspectiva do real por perder sua relação direta com ele. Isso permite repensar aqui, as possibilidades que o cinema em suporte digital traz de forma mais efetiva, para além da caracterização da montagem espacial. No filme em formato digital a ser analisado nessa pesquisa, há algumas possibilidades dessa simulação a serem verificadas, como a criação de cenários e situações que ultrapassam a perspectiva do real, pensando no ato de filmagem. Por exemplo, a feitura do elevador de vidro voando pela cidade, um rio com textura de chocolate derretido ou até mesmo esquilos que trabalham na fábrica. Tais elementos são vistos com grande potencial dentro desta perspectiva do que Couchot está destacando como simulação dentro dos ambientes digitais, por isso faz-se necessária esta discussão aqui, para que durante as análises isso possa ser mais bem visualizado.

Na simulação, o espaço não é nem o espaço físico onde se banham nossos corpos e circula nosso olhar, nem o espaço mental produzido pelo nosso cérebro. É um espaço sem lugar determinado, sem substrato material - fora do ruído eletrônico, este bem real, dos milhares de micropulsões que correm nos circuitos eletrônicos da máquina - ,um espaço sem topos, no qual todas as dimensões, todas as leis de associação, de deslocamentos, de translações, de projeções, todas as topologias, são teoricamente possíveis: é um espaço utópico. Nesse sentido, a imagem de síntese não possui mais nenhuma aderência ao real: ela se libera. Ela não é mais como a foto, o cinema, a televisão, nem mesmo a pintura, projetada sobre uma tela ou um quadro; ela é lançada

8É preciso lembrar aqui que muitos equipamentos de edição de vídeo e softwares de computação gráfica, sobretudo no cinema, foram desenvolvidos com grande colaboração de artistas, sobretudo artistas do vídeo. Então, isso não quer dizer que o artista deva se adaptar à técnica ou tecnologia, como se fosse algo externo a ele. Trata-se de uma relação recíproca, em que os softwares são feitos pelos artistas na tentativa de modificar suas ferramentas, conforme a necessidade, mas o artista também precisa compreender os processos maquínicos para poder tirar maior proveito deles. Ed Bennet, em seu artigo “Colaboração entre artistas e técnicos” (1997), explica sobre a importância dessa relação entre engenheiros e artistas na produção de arte que pressuponha saberes eletrônicos. No artigo ele cita sua experiência com Eduardo Kac, em 1989, quando desenvolveram juntos um aparelho sem fio, onde as pessoas pudessem enviar e receber imagens através da linha telefônica.

para fora do real, com força suficiente para se extirpar de sua atração e do campo da representação. (COUCHOT, 2003, p. 164)

Desta forma, o autor sugere que há uma problemática ao se tratar da “realidade virtual”. Primeiramente, porque se a simulação ocorre na ordem do virtual / digital, ela não mantém qualquer relação direta com a realidade e também pelo fato de que, a simulação, diferente do simulacro que tenta de alguma forma imitar o real, não tem a pretensão igualmente de produzir o falso, em contraposição ao real.

A realidade virtual seria assim um estado paroxístico do simulacro. Apesar dos dois termos possuírem a mesma raiz (simulare: imitar, fingir), a simulação (numérica) não busca nem imitar nem fingir o real, com a vontade secreta de nos extraviar. Ela busca, em contrapartida, substituí-lo por um modelo lógico-matemático que não seja uma imagem enganadora como o simulacro, mas uma interpretação formalizada da realidade ditada pelas leis da racionalidade científica. [...] Mas não poderíamos dizer que a simulação visa produzir o falso. Ela também não produz o verdadeiro. A simulação é a filha do pensamento cibernético. (COUCHOT, 2003, p. 175 e 176)

Documentos relacionados