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Simulações para Modelagem de Progressões Harmônicas

Proposta de Solução

5.4 Simulações para Modelagem de Progressões Harmônicas

É uma discussão comum e antiga na musicologia se as regras de harmonia são expressões cul- turais e artísticas ou se podem ser reduzidas a propriedades acústicas dos acordes. As regras de harmonia não são definições matemáticas, mas permitem que músicos, musicólogos e mesmo não-músicos percebam a tônica de uma música, acompanhem um padrão rítmico e sigam a direcionalidade das frases musicais (Martens et al., 2005). Experimentos com ERP (Event- Related Potential) sugerem que músicos e não-músicos apresentam respostas eletrofisiológicas similares a mudanças sutis na função harmônica de um acorde alvo (Tillmann et al.,2000).

Esta estrutura musical é muitas vezes comparada a gramáticas com sintaxe própria, e há tra- balhos no sentido de formalizar esta sintaxe através do uso e gramáticas formais (Chemillier,

2004), para se gerar seqüências de acordes musicais. O cérebro humano é capaz de aprender estas regras e regularidades por simples exposição passiva, adquirindo o conhecimento implí- cito que influencia a percepção e a performance. Tillmann et al.(2000) propôs tentar aprender tais regularidades encontradas nas estruturas das músicas tonais ocidentais através do uso de mapas auto-organizáveis. Para o propósito de treinar a rede,Tillmann et al.(2000) decompôs os acordes em gradientes de freqüências (pitch-class). Muitos modelos de redes neurais utilizam gradientes para a percepção de música tonal, classificação de acordes, aprendizado de seqüên- cias de melodia, categorização entre outras, vejaTillmann et al.(2000) para mais detalhes.

As relações entre os acordes derivam de um conjunto de regras sintáticas que incluem aspec- tos tipológicos, como as diferentes estruturas de cada acorde, bem como aspectos morfológicos, como as resoluções e preparações, a força harmônica, etc. Se estas regras são fundamentadas em leis naturais ou meramente convenções é um tópico importante na musicologia desde a publicação do tratado de Rameau em 1722 (Rameau, 1971), em que este defende que as re- gras da progressão harmônica têm algum tipo de fundamentação física. Seguindo esta linha de raciocício,Schoenberg(1999) tenta explicar a natureza das inversões triádicas pela própria constituição das séries harmônicas no seu importante tratado de harmonia publicado no início do século XX.

puder ser reduzida a similaridades físicas entre os acordes, poder-se-ía conclamar que a música tonal é mais natural que quaisquer outros tipos de música, e empregar esse argumento para justi- ficar a ubiqüidade da música tonal na história da música (Rameau,1971). No final da década de 80, início da década de 90,Leman(1991) sugeriu que os Mapas Auto-organizáveis de Kohonen (SOM) simulavam categorizações tonotópicas cocleares (Leman, 1991,1990). Leman(1991) descobriu que redes SOM pareciam replicar as relações entre acordes previstas em estudos de harmonia, como por exemplo o extremamente conhecido Ciclo de Quintas (Figura (5.24)) que exprime as distâncias harmônicas entre os acordes maiores. Estes experimentos dão força à teoria da ontogênese da música tonal, i.e., a música tonal como fenômeno que surge do próprio aparato auditório, e não de expressões artísticas e culturais.

Figura 5.24 Ciclo de Quintas representando as distâncias entre os acordes maiores.

A Figura (5.25) mostra uma típica melodia acompanhada (ou monodia), para piano. Neste exemplo pode-se notar a ocorrência simultânea de duas estruturas: o pentagrama superior, executado pela mão direita apresenta a melodia (contínua seqüência de notas) e o inferior, executado pela mão esquerda, apresenta a harmonia em um ritmo padrão de valsa. É possível derivar a estrutura harmônica que está por trás desta seqüência de acordes:

Ab Db Bb Eb Eb7 Ab/Eb Eb7 Ab ou, em notação harmônica tradicional

I IV II V V7 I64 V7 I.

Esta estrutura harmônica possui um estilo padronizado, do modo como uma frase cadencial deve ter. Na primeira parte da frase, ou na sua parte antecedente, inicia-se um acorde de tônica, seguido por um subdominante e um supertônico, culminando no acorde de dominante. Na última parte, ou na sua parte conseqüente, há uma cadência perfeita (I64, V7, I). O antecedente estabelece a tonalidade quando apresenta os graus mais importantes: a tônica, o subdominante e o dominante; e o conseqüente confirma a tonalidade com a cadência. O fato importante é que nesta simples e paradigmática frase há uma inequívoca tonalidade estabelecida, produzida por

meio de padrões de seqüências de acordes.

Figura 5.25 Melodia típica (Schubert, Op.9a).

Inclusive, a perfeita progressão harmônica da monodia da Figura (5.25) é decorrência do fato de todos os acordes estarem em posição fundamental, i.e., com a tônica na posição mais grave do acorde. No entanto, cada tríade tonal pode ser apresentada em 3 posições: funda- mental, primeira inversão e segunda inversão. Nas inversões, ou a terça do acorde ou a quinta ocupam a posição mais grave, formando a primeira e a segunda inversões, respectivamente. Rameau foi o primeiro teórico a sustentar que as inversões não alteram a qualidade harmônica dos acordes (até o século XVIII duas inversões de um acorde eram consideradas dois acordes diferentes). Desde então, tal fato tem sido aceito generalizadamente, e um conjunto de regras foi sistematizada para o emprego de acordes invertidos em uma composição.

Para Schoenberg (Schoenberg,1999), as regras para inversões de acordes são uma questão de constituição acústica ao invés de convenções sociais e artísticas (hipótese de Schoenberg).

Oliveira et al.(2005) testou a hipótese de Schoenberg através de uma rede SOM que categorizou os acordes por suas propriedades acústicas (pitchs) e sugeriu que tal mapeamento não confirma a hipótese proposta. Porém uma limitação da rede SOM para esta análise é a de que a rede pode lidar apenas com os aspectos tipológicos da organização da harmonia. Para melhor investigar a hipótese de Schoenberg e o tratamento dos acordes na harmonia é preciso incluir aspectos morfológicos, e para isso se faz necessário utilizar uma rede capaz de tratar as transições dos acordes em um processo harmônico. O modelo STRAGEN é capaz de fornecer essa informação morfológica que faltava na análise das regras harmônicas.

Em conjunto com Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora (NICS/UNICAMP) fo- ram realizados três simulações do STRAGEN-OFF, com diferentes bases de dados de acordes. Os acordes foram representados por um vetor de dimensão D = 52 de pitch-classes sem redu- ção a oitavas, o que permite descrever os seis primeiros parciais harmônicos de cada nota dos acordes. Pitch-class é uma representação comum em teoria e psicologia da música (Tillmann et al., 2000; Bharucha, 1991; Griffith, 1999; Page, 1999), e é sobre ele que o argumento de Schoenberg é construído, portanto para verificar tal argumento é importante ser fiel à forma de representação por ele empregada.

As informações contidas na base são do tipo binárias, com valor 1 para sinalizar que o acorde representado pelo padrão possui a característica do parcial harmônico representado, e 0 se não possui. As 52 posições no padrão de entrada representam a distribuição dos parciais, conforme pode ser observado no exemplo do acorde Dó Maior na Tabela (5.12). Outros tipos de bases para representar o espectro harmônico foram analisadas e os resultados são semelhantes e condizentes com as análises de Schoenberg, razão pela qual se optou pela base binária que é de representação mais simples (Oliveira et al.,2005).

Tabela 5.12 Vetor representando a distribuição das parciais em pitch-classes para o acorde Dó maior.

c C# D d# e F f# g g# A A# B c c# d d# E f f# g G# a a# B c c#

1 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 1 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 1 1 0

d d# e f f# g g# a A# B c c# D d# e f f# G g# a a# b c c# d d#

1 0 1 0 0 1 1 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

A equipe do NICS/UNICAMP gerou três bases de acordes que foram utilizadas para os experimentos. A primeira B7, com L7 = 36 acordes, sendo 12 acordes maiores na posição fundamental, 12 acordes maiores em segunda inversão e mais 12 acordes em primeira inversão. A segunda base B8 inclui além dos acordes da primeira, também os 12 acordes menores e os 12 acordes diminuídos em cada inversão, resultando em uma base com L8= 108 acordes. E a terceira base B9composta de L9= 21 acordes da tonalidade do C maior na posição fundamental e nas inversões.

5.4.1 Configuração do STRAGEN

Com a definição da base de dados, o vetor de pesos do STRAGEN foi configurado para se adequar à sua dimensão:

wi= [wi1wi2 . . . wi52]T

As informações do vetor peso, neste caso, são homogêneas, não havendo necessidade de configurar grupos para criar diferentes critérios de vizinhança. Neste caso, o número de grupos homogêneos é m = 1, de modo que:

V1= [wi1wi2 . . . wi52]T

5.4.2 Resultados do STRAGEN

Para a primeira simulação, utilizou-se a base B7com L7= 36. Outros parâmetros mantiveram- se constantes, como nas simulações anteriores: taxa de aprendizado inicial foi de εb = 0, 2, o taxa final de aprendizado de αf = 0, 1, o número de candidatos do Balbuciamento Motor Q = 10, e o número estimado de disparos por nodo σf = 6. Para o critério de vizinhança, como o vetor pesos contém apenas um tipo de informação homogênea, foi utilizado o vetor completo Vη = [V1] = wi, de modo que a distância Euclidiana passa a ser computada para todo o vetor, como fazem as redes SOM tradicionais.

No primeiro experimento a base de dados foi apresentada à rede por 10 vezes (tmax= 360 = 10 · L) com 0, 1% de ruído nas amostras. O número de iterações para a fase de poda e para a validação foi de I = 360.

(a) (b)

Figura 5.26 Experimento 1: Transições de estado da base B7. (a) Antes da poda; (b) após a poda.

O mapa aprendido pode ser visto na Figura (5.26) (a), antes da fase de poda do STRAGEN- OFF e (b) após a poda realizada. O resultado foi o esperado de acordo com a perspectiva psicoacústica-computacional, e um Ciclo de Quintas aparentemente emergiu da organização

dos acordes no mapa gerado. O erro de validação do mapa aprendido foi de 0, 000215.

Foi solicitado ao STRAGEN que gerasse uma trajetória com acorde inicial C e acorde final E64. Como o conjunto de dados é relativamente pequeno, a trajetória pode ser acompanhada nas Figuras (5.26) e (5.27), acorde por acorde, no caminho harmônico gerado:

C C/E F A/C# A/E A E/G# E/B

Figura 5.27 Partitura do experimento 1, usando B7.

Apesar do mapa gerado ser coerente com agrupamentos de acordes na teoria acústico- musical, de acordo com a equipe do NICS/UNICAMP, e similar a resultados do modelo SOM (Oliveira et al.,2005), o experimento em si, i.e, a trajetória gerada não apresentou apelo musi- cal, provavelmente devido à limitação da base de entradas, de apenas 36 acordes maiores. Para superar esta limitação, um novo experimento foi solicitado ao STRAGEN, com uma base de dados mais completa.

O experimento 2 foi realizado com a base de dados B8de 108 acordes, conforme descrito na Seção 5.4. A quantidade de estados aprendidos torna inviável a representação gráfica do mapa topológico. O erro de validação do mapa aprendido no experimento 2 foi de 0, 000216. A trajetória requisitada ao STRAGEN conta com o ponto inicial, 5 pontos intermediários, e o ponto final: C −→ E64 −→ D#64 −→ C#6 −→ A6 −→ C# −→ C. A trajetória gerada pelo STRAGEN pode ser conferida em símbolos de acordes, em negrito os pontos inicial, final e intermediários:

[1]

C Eo D# D#6 D#64 D#m64 D#m6 D#m F# F#64 F#m64 F#m D D#o D#o6 D#o64 B G#m6 G#m E E6 E64

[2]

E6 E G#m G#m6 B D#o64 D#o6 D3o D F#m F#m64 F#m6 F# D#m D#m6 D#m64 D#64

[3]

D#m64 D#m6 D#m F# F#64 F#m64 F#m D D#o D#o6 D#o64 B G#m6 G#m G#m64 G#64 G# Fm C# C#6

C# Fm G# G#64 G#m64 G#m G#m6 B D#o64 D#o6 D#o D F#m A A64 A6

[5]

A64 A F#m D D#o D#o6 D#o64 B G#m6 G#m G#m64 G#64 G# Fm C# [6]

Fm G# G#64 G#m64 G#m G#m6 B D#o64 D#o6 D#o D F#m F#m64 F#64 F# D#m D#m6 D#m64 D#64 D#6 D# Eo C

Nesta trajetória, que também pode ser visualizada na partitura da Figura (5.28), não surgiu, à primeira vista, estruturas comuns de harmonia em nenhum dos trechos, como por exemplo frases do tipo I II V I que se poderia esperar caso se confirmasse a hipótese de Schoenberg. Apesar disso, não era incomum na idade média músicas com trechos retrógrados como os tre- chos que as partes [4] e [5] apresentam. Uma possibilidade para a não-corroboração da hipótese de Schoenberg talvez seja que no experimento 2, ao contrário do experimento 1, talvez se tenha dado muita liberdade ao modelo STRAGEN ao treinar uma base de dados tão completa.

Figura 5.28 Partitura do experimento 2, usando B8.

O experimento 3 foi concebido para testar trajetórias no espaço de estados caso se limite este espaço a apenas um conjunto de acordes de tonalidade C maior. O mapa topológico trei- nado pelo STRAGEN apresentou erro de validação de 0, 000217. A trajetória via-pontos do experimento 3 requisitada foi: C −→ Em64 −→ G6 −→ Am64 −→ C. A trajetória gerada pelo STRAGEN é mostrada abaixo tendo em negrito os pontos inicial, final e intermediários:

[1] C C6 C64 Em6 Em64 [2] Em6 Em G G6 [3] G Bd Bd6 Dm F

[4] Am Am64 [5] Am F [6] Dm Bd6 Bd G Em Em6 C64 C6 C

Esta trajetória também pode ser vista no mapa topológico mostrado na Figura (5.30) e na partitura correspondente, na Figura (5.29).

Figura 5.29 Partitura do experimento 3, usando B9.

Como era de se esperar, as trajetórias mínimas calculadas pela distância Euclidiana são as mesmas na ida e na volta. A parte [6] sintetiza as partes [3], [2] e [1], ao contrário, eliminando alguns acordes de inversão. Em uma análise comparativa dos três experimentos, pode-se con- cluir que dois padrões de conexões foram encontrados: (i) os acordes são seguidos por suas inversões; e (ii), os acordes são seguidos por relações de mediantes. Essas conclusões são coerentes com experimentos prévios feitos com redes SOM (Oliveira et al.,2005).

Uma análise musical e da hipótese de Schoenberg como resultado desses experimentos está fora do escopo deste trabalho. É importante, entretanto, notar que a rede STRAGEN pode e foi utilizada para a geração de trajetórias de estados no domínio deste problema, e se mos- trou adequada como ferramenta na área de musicologia experimental, nesse caso investigando progressões harmônicas com acordes invertidos.

Figura 5.30 Experimento 3: Transições de estado aprendidas pelo STRAGEN-OFF para base de 21 acordes.

5.5 Conclusões

Nesta capítulo foram apresentadas as simulações feitas com o STRAGEN para quatro domínios distintos nas seções: (5.1) manipulador robótico bidimensional, também referenciado como “pêndulo duplo”; (5.2) manipulador robótico PUMA-560, um robô industrial com 6 graus de liberdade trabalhando no espaço; (5.3) mão robótica Kanguera trabalhando no espaço, desen- volvida pela equipe de mecatrônica da EESC/USP; (5.4) análise de progressões harmônicas musicais, projeto e simulações realizados em colaboração com a equipe do NICS/UNICAMP. Para cada um dos domínios discutidos, a configuração do STRAGEN e os resultados obtidos são apresentados.Estes experimentos foram realizados para mostrar a diversidade de uso do STRAGEN e suas características, bem como a maneira pela qual o modelo cumpre os requisi- tos levantados nos capítulos anteriores.

No próximo capítulo estes requisitos serão considerados para as conclusões deste trabalho, e serão levantadas novas opções para trabalhos futuros.