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A história social do trabalho sofreu algumas transformações nas primeiras décadas do século XXI, marcadas, sobretudo, pela ampliação de temas e problemas, além de novos métodos e abordagens34. É possível observar, nesse sentido, que as pesquisas na área têm se preocupado em localizar seu objeto para além do operariado fabril. Como destaca Cláudio Batalha, em artigo de 2006, “hoje, em tese, quase todos os seus praticantes estão de acordo que a redução da história do trabalho ao operariado fabril é inaceitável, que seria necessário incluir trabalhadores livres e não livres, urbanos e rurais, assalariados e autônomos, contratados e sazonais” 35.

Essa ampliação do objeto é, também, marcada pelo questionamento do trabalho como branco e masculino36. Nessa perspectiva, há um crescimento de pesquisas que buscam integrar as análises sobre as relações de gênero, raça e classe, especialmente observando o papel dos negros e das mulheres no processo de formação da classe trabalhadora.

A relação entre classe e raça na história do trabalho tem como marco o artigo de Silvia H. Lara, publicado em 199837, que questionava a exclusão dos negros, escravos ou libertos, das pesquisas dos historiadores do trabalho. A autora discorda, nesse texto, das ideias de “transição” e da “teoria da substituição” do trabalho escravo pelo do imigrante, propondo, em contrapartida, que a historiografia observasse as experiências compartilhadas pelos trabalhadores livres, escravos e libertos, antes e depois da abolição. Essa crítica foi reapresentada, alguns anos depois, por Álvaro Pereira do Nascimento38, chamando atenção para a ausência de análise sobre a cor e raça dos trabalhadores, especialmente nas pesquisas sobre o trabalho livre durante os primeiros anos da República.

Apesar de ser pertinente o balanço apresentado por Nascimento, não é possível ignorar que há um crescimento considerável de pesquisas na área de história social do trabalho que articulam trabalho escravo e trabalho livre, considerando as experiências dos trabalhadores escravizados como fundamentais para entender o processo de formação da classe trabalhadora no Brasil. Fabiane

34 SOUZA & SILVA, 2018, p. 9.

35 BATALHA, 2006, p. 89.

36 Em referência ao texto ROEDIGER, David. “E se o trabalho não fosse branco e masculino: recentrando a história da classe trabalhadora e estabelecendo novas bases para o debate sobre sindicatos e raça”. In: FORTES, Alexandre e outros (orgs.). Cruzando fronteiras: novos olhares sobre a história do trabalho. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2013, p. 29-59.

37 LARA, S. H. Escravidão, cidadania e história do trabalho no Brasil. Projeto História, São Paulo, n. 16, p. 25-38, fev. 1998.

38 NASCIMENTO, Á. P. “Trabalhadores negros e o “paradigma da ausência”: contribuições à História Social do Trabalho no Brasil”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 29, n. 59, p. 607 - 626, set.-dez. 2016.

Popinigis e Paulo Cruz Terra apresentaram uma pesquisa39 a partir das produções do Grupo de Trabalho Mundos do Trabalho, ligado à Associação Nacional de História, em que diagnosticam a diversificação de sujeitos e de abordagens sobre as formas de exploração do trabalho, envolvendo trabalhadores escravos, libertos e livres nas pesquisas dos historiadores ligados ao GTMT.

Os autores destacam, entretanto, que a despeito desse crescimento, existem algumas áreas que não recebem a mesma atenção, como “pesquisas sobre o impacto do racismo no mercado de trabalho e sobre as relações raciais na organização de partidos e sindicatos e nos movimentos sociais a partir de meados do século XX, temas e período para os quais essa abordagem tem sido pouco explorada”40. Observam, ainda, baixa incorporação das reflexões feministas e das perspectivas de gênero nas comunicações apresentadas pelos pesquisadores nos eventos e publicações do GT Mundos do Trabalho da ANPUH41. O crescimento do número de pesquisas sobre trabalho doméstico aparece como um dos espaços em que se avança na superação dessa insuficiência, uma vez que estes trabalhos atuam em espaço privilegiado para observar as relações de gênero, raça e classe de maneira integrada42.

As pesquisas sobre as mulheres trabalhadoras têm como marco, no Brasil, a tese de doutoramento da socióloga Heleieth Saffioti, chamada “A mulher na sociedade de classes”, publicada originalmente em 1969. Nesta primeira obra, Saffioti analisa sexo e raça como “mecanismos coadjutores da realização histórica do sistema capitalista de produção”43, questionando assim a ideia de que o desenvolvimento capitalista atuaria no sentido de superar as desigualdades baseadas nesses fatores. A autora desenvolve um debate importantíssimo sobre o trabalho realizado pelas mulheres no espaço familiar, de reprodução da força de trabalho, e também na indústria e serviços. A tese da socióloga Maria Valério Junho Pena, intitulada “Mulheres trabalhadoras: presença feminina na constituição do sistema fabril”, defendida em 1980, segue um caminho muito próximo ao de Saffioti, analisando a atuação das mulheres na formação do operariado paulista.

Na historiografia, a história das mulheres é pensada como objeto próprio a partir da década de 1970, mas a reflexão sobre as mulheres e o mundo do trabalho só passa a se desenvolver de maneira

39 POPINIGIS, F.; TERRA, P. C.. Classe, raça e história social do trabalho no Brasil (2001-2016). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 32, n. 66, p. 307-329, jan.-abr. 2019.

40 Ibidem, p. 319.

41 Ibidem, p. 320.

42 Ibidem, p. 319. Sobre este tema, ver SOUZA, F. F. & SILVA, M. H. (orgs.). Trabalho doméstico: sujeitos, experiências e lutas. Mundos do Trabalho, v. 10, n. 20, jul-dez 2018.

mais sistemática nas décadas seguintes44. Maciel Henrique da Silva apresenta um balanço sobre as mulheres na história social do trabalho, onde observa que os principais debates nesse campo se iniciaram na década de 1980, especialmente debatendo a incorporação ou exclusão da força de trabalho feminino. Em seguida outros temas como o cotidiano, os papéis informais, a prostituição, o comércio urbano e o trabalho doméstico passam a constituir objeto de diversas pesquisas. O autor identifica que a historiografia sobre o trabalho e o cotidiano feminino no Brasil é constituída por um vasto número de pesquisas locais e específicas em contraposição à ainda poucos estudos totalizantes, que proponham sínteses mais gerais sobre o tema45.

Em uma situação muito mais inicial estão as pesquisas, na história social do trabalho, que buscam observar as trabalhadoras lésbicas, gays, bissexuais e outros sujeitos que desviam da heterossexualidade compulsória46. Em relação às pessoas transexuais, travestis ou que questionam a correlação direta entre sexo e gênero nas suas construções enquanto sujeitos há ainda mais silêncios. A título de exemplo, apenas em 2018 o GTMT da ANPUH debateu o tema, na ocasião do V Seminário Internacional Mundos do Trabalho. O artigo apresentado naquele momento foi escrito pelo professor Benito Bisso Schmidt e intitula-se “Complexificando a interseccionalidade: perspectivas queer sobre o mundo do trabalho”. No texto, o autor denuncia que:

Nós, historiadores e historiadoras do trabalho, em geral não vimos homossexuais, lésbicas, pessoas trans e outros desviantes da heteronormatividade na classe operária, nem nos sindicatos. Alguns talvez tenham visto, mas preferiram desviar o olhar, por julgar esses seres ameaçadores, teórica e politicamente, caso resolvessem tomar o centro do campo de visão47.

Como caminho metodológico o autor defende que não é necessário descobrir novas fontes, mas sim realizar um “ajuste ótico” que permita aos historiadores observar a relação entre identidade sexual e mundo do trabalho. O objetivo desta proposição, nesse sentido, é:

Compreender, por um lado, como a heteronormatividade “age” sobre os sujeitos que compõem essa classe em diferentes momentos e lugares, estabelecendo hierarquias, conflitos e solidariedades, e, por outro, de que modo a LGBTQfobia se articula com as opressões de classe, raça-etnia, gênero, geração, pertencimento político, religioso, entre outras48.

44 SILVA, 2010, p. 84-88.

45 Ibidem, p. 92.

46 Utilizamos a expressão heterossexualidade compulsória a partir de RICH, A. Heterossexualidade compulsória e existência lésbica. Tradução: Carlos Guilherme do Valle. Bagoas. Natal, n. 05, p. 17-44, 2010.

47 SCHMIDT, 2018, p. 38.

A sexualidade é assim reivindicada como um domínio que também conforma as experiências dos trabalhadores e que deve ser analisada pela historiografia. Benito Schmidt faz uma provocação para que os historiadores observem de que maneira as suas pesquisas estabelecem quais são as experiências mais fundamentais na organização de relações entre os trabalhadores, na configuração de profissões entendidas socialmente como próprias para pessoas queer, e, ainda, na reprodução da heteronormatividade na militância sindical e política.

O movimento observado na historiografia de integrar às suas análises as relações de gênero, sexualidade e raça é um processo que não decorre apenas do desenvolvimento das pesquisas. Há uma significativa pressão social, especialmente a partir das lutas sociais dos movimentos negro, feminista e LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais)49 de que a academia observe seus temas e problemas.

No Brasil, as lutas pelo fim da ditadura militar constituem um marco neste processo de transformações políticas, sociais e também teóricas. Foi neste contexto que a Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES) foi fundada, em 1981. Com a promulgação da Constituição em 1988, que regulamentou o direito de sindicalização dos servidores públicos, a entidade passou a constituir-se enquanto Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN).

Além da organização dos professores e dos debates sobre educação, ciência e tecnologia, o Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior abriga uma série de discussões, entre as quais as questões de gênero, étnico-raciais e de diversidade sexual, objeto desta pesquisa. Data de 2000 a criação do Grupo de Trabalho Etnia, Gênero e Classe no interior do Sindicato, com a função de subsidiar a entidade sobre esses temas. Essa dissertação observa fundamentalmente este grupo de trabalho, posteriormente renomeado para Grupo de Trabalho Políticas de Classe para as questões Étnico-raciais, de Gênero e Diversidade Sexual - GTPCEGDS.

Neste capítulo, no entanto, buscamos compreender como o debate de gênero, raça e diversidade sexual foi conduzido pela entidade no período que antecedeu a criação do grupo de trabalho. Para tanto, estudamos o contexto de criação da ANDES e sua conversão em Sindicato Nacional, que foi marcado um por processo de reorganização sindical - movimento conhecido como “novo sindicalismo” - e também pela mobilização dos movimentos negros, feministas e de

49 A sigla para se referir à população LGBTI é constantemente atualizada. Vamos adotar LGBTI por ser a sigla que atualmente é utilizada por parcela significativa do movimento no Brasil. Nem sempre será possível utilizar os termos da época, tendo em vista as seguidas alterações, nesse sentido, correndo o risco de parecer um tanto anacrônico, utilizaremos preferencialmente a sigla atual: LGBTI.

homossexuais, entre outros não explorados neste texto.

Partimos de uma breve análise sobre cada processo de mobilização, em seguida tratamos do processo de organização do ANDES-SN e a sua relação com o sindicalismo no período. Por fim, exploramos os relatórios de Congressos e reuniões do Conselho Nacional do sindicato buscando identificar as características do debate sobre opressões de gênero, raça e sexualidade construído na entidade até a proposição do grupo de trabalho destinado ao tema.

1.1 – Redemocratização e lutas sociais

As lutas pela redemocratização, especialmente a partir do final da década de 1970, mobilizaram diversos setores da sociedade e marcaram um novo momento para a maioria dos movimentos sociais, sejam eles de estudantes, trabalhadores urbanos, camponeses, mulheres, negros e negras, LGBTI, ambientalistas, entre outros. Tal processo foi denominado pelas ciências sociais como emergência dos “novos movimentos sociais”, caracterizados, sobretudo, pela adoção de “uma política de identidades, a presença de utopias comunitárias, o uso de ação direta não convencional, a constituição de redes que entrecruzavam movimentos específicos, a emergência de uma série de novas questões no espaço público” 50, entre outros aspectos destacados na bibliografia sobre o tema. Algumas interpretações tendem a pensar os “novos movimentos sociais” como uma forma de superar as formas tradicionais de mobilização, como partidos e sindicatos51. No entanto, cabe observar que paralelamente aos “novos movimentos sociais” também se organizou o “novo sindicalismo” – assim denominado pelos seus protagonistas e também por parcela significativa das ciências sociais. Conforme destaca Leonilde Medeiros,

O que foi chamado entre nós de “novos movimentos sociais” (e que se constituíram em força condutora no processo de redemocratização do país) combinou com o aparecimento do que ficou conhecido como “novo sindicalismo” e com a constituição de experiências políticas inovadoras que se definiram como classistas, como é o caso da formação do Partido dos Trabalhadores, no início dos anos 198052.

Nesse sentido, para a autora, a questão que se apresenta não é a superação da centralidade do movimento operário, mas, especialmente no Brasil e na América Latina, o entrecruzamento de

50 MEDEIROS, 2012, p. 12.

51 Ibidem, p. 9.

demandas de setores da sociedade – como a luta pela terra e de reconhecimento de reivindicações étnicas, por exemplo – e lutas classistas. Os sindicatos, nessa perspectiva, não apenas conviveram com as demandas apresentadas pelos “novos movimentos sociais”, como também incorporaram muitas de suas pautas. Vamos analisar, nesse momento, os movimentos negro, feminista e LGBTI, para, ao final, observar as relações com o sindicalismo a partir dessa compreensão dos entrelaçamentos.

1.1.1 Movimento negro

Petrônio Domingues (2007) define o movimento negro como aquele no qual “a ‘raça’ é o fator determinante de organização dos negros em torno de um projeto comum de ação” 53. Nesse sentido, ao falar de movimento negro não estamos nos referindo a todas as ações políticas construídas por negros e negras e sim a uma forma específica. Buscando construir uma cronologia do movimento na República, Domingues propõe a definição de quatro fases, sendo a primeira de 1889 a 1937; a segunda de 1945 a 1964; a terceira de 1978 a 2000; e, por fim, a quarta a partir de 2000. O autor demonstra que desde o início da República a população negra engendrou múltiplas formas de protesto contra as desigualdades raciais. Não há um desenvolvimento linear nesses processos de luta. Em cada momento, estavam presentes diferentes compreensões sobre as causas do racismo, as formas de organização e as estratégias de mobilização.

A ditadura militar defendia a ideia falaciosa de que o Brasil vivia uma democracia racial, praticamente banindo a discussão pública sobre a questão racial. As iniciativas de militantes negros, além de deslegitimadas, estavam sob o risco constante da repressão. Isso não significa que nada foi feito, mas as ações foram bastante fragmentadas. A superação deste momento se deu com a organização do Movimento Negro Unificado (MNU54) em 1978.

Domingues identifica como influências no surgimento do MNU, por um lado, as lutas em defesa dos direitos civis dos negros estadunidenses e os movimentos de libertação dos países africanos. Por outro lado, internamente, a ação da Convergência Socialista - organização marxista, de orientação trotskista.

Havia, na Convergência Socialista, um grupo de militantes negros que entendia que a luta

53 DOMINGUES, 2007, p. 102.

54 O MNU surge como Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial (MUCDR). Com a definição de adotar e ressignificar o termo “negro”, passa a se chamar Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR) e, logo em seguida, o nome é simplificado para MNU.

anti-racista tinha que ser combinada com a luta revolucionária anticapitalista. Na concepção desses militantes, o capitalismo era o sistema que alimentava e se beneficiava do racismo; assim, só com a derrubada desse sistema e a consequente construção de uma sociedade igualitária era possível superar o racismo. A política que conjugava raça e classe atraiu aqueles ativistas que cumpriram um papel decisivo na fundação do Movimento Negro Unificado: Flávio Carrança, Hamilton Cardoso, Vanderlei José Maria, Milton Barbosa, Rafael Pinto, Jamu Minka e Neuza Pereira. Entre 1977 e 1979, a Convergência Socialista publicou um jornal chamado Versus, que destinava uma coluna, a “Afro-Latino América”, para o núcleo socialista negro escrever seus artigos conclamando à “guerra” revolucionária de combate ao racismo e ao capitalismo55.

Como veremos em seguida, os militantes da Convergência Socialista cumpriram um papel importante também no surgimento do movimento homossexual brasileiro. Cabe perceber que, ainda que em geral organizemos a história de cada movimento como uma parte, elas se relacionam intimamente.

O primeiro ato público organizado pelo MNU ocorreu em 7 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, em protesto contra a morte de Robson Silveira da Luz, trabalhador negro, torturado até a morte no 44º Distrito de Guaianases. O ato reuniu cerca de duas mil pessoas e recebeu diversas moções de apoio56. Além das ações de rua e o processo de organização do MNU, esse período também foi marcado pela reativação da imprensa negra57.

O movimento, nesta fase, desenvolveu uma compreensão da identidade negra valorizando o resgate das raízes ancestrais no padrão de beleza, na culinária, nas religiões. Na política, apesar de não ser o único posicionamento, prevaleceu no movimento a estratégia de “combinar a luta do negro com a de todos os oprimidos da sociedade”. Assim, no programa de ação do MNU, em 1982, foram apresentadas as seguintes reivindicações:

desmistificação da democracia racial brasileira; organização política da população negra; transformação do Movimento Negro em movimento de massas; formação de um amplo leque de alianças na luta contra o racismo e a exploração do trabalhador; organização para enfrentar a violência policial; organização nos sindicatos e partidos políticos; luta pela introdução da História da África e do Negro no Brasil nos currículos escolares, bem como a busca pelo apoio internacional contra o racismo no país58 (grifos nossos).

Apesar de construir um rico processo de organização, Domingues identifica que o MNU não

55 Ibidem, p. 112-113.

56 Ibidem, p. 113. Domingues faz referência ao recebimento de moções das seguintes associações negras cariocas: Escola de Samba Quilombo, Renascença Clube, Núcleo Negro Socialista, Centro de Estudos Brasil-África (CEBA) e o IPCN.

57 Domingues cita como principais jornais do período: “SINBA (1977), Africus (1982), Nizinga (1984), no Rio de Janeiro; Jornegro (1978),O Saci (1978), Abertura (1978), Vissungo (1979), em São Paulo; Pixaim (1979), em São José dos Campos/SP; Quilombo (1980), em Piracicaba/SP; Nêgo (1981), em Salvador/BA; Tição (1977), no Rio Grande do Sul, além da revista Ébano (1980), em São Paulo” (DOMINGUES, 2007, p. 114).

chegou a se constituir como um movimento social de massas, estando mais próximo da definição de movimento social de vanguarda.

Flávia Rios (2012) analisa o movimento negro de 1978 a 2010 tendo como principal guia os protestos públicos. A autora destaca o papel desempenhado pelos jovens universitários negros na sustentação teórica do movimento, articulando “o conceito de classe com a crítica social traduzida em termos raciais [...]. Não por acaso, estampado em quase todos os panfletos e manifestos políticos dessa época estava o jargão raça e classe” 59.

Depois do ato nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo em 1978, Flávia Rios identifica como segundo marco da luta antirracista as marchas do centenário da abolição (1988). Tratou-se de um momento em que o movimento negro cresceu em número de organizações e se diversificou, especialmente com a formação dos coletivos de mulheres negras e a inclusão de temas como gênero e sexualidade. As mobilizações desta vez foram construídas em diversas cidades do Brasil, questionando o discurso oficial sobre a “benevolência da princesa” e denunciando o dia 13 de maio como data de uma falsa abolição. É nesse momento que Zumbi cresce como símbolo da resistência negra e o 20 de novembro se consagra como principal data de luta do movimento negro.60

O terceiro marco do protesto negro contemporâneo, identificado por Rios, foi a Marcha do Tricentenário da Morte de Zumbi, realizada no dia 20 de novembro de 1995, em Brasília. A manifestação foi resultado do esforço de unificação de um movimento marcado pela proliferação de diversas organizações. Cerca de trinta mil pessoas participaram da marcha na Esplanada dos Ministérios, tendo como lema “contra o racismo, pela cidadania e pela vida”.

Essa manifestação nos interessa especialmente por ter uma presença representativa de sindicalistas, cerca de cinco mil, além do presidente da CUT. A presença e a colaboração do presidente da central na viabilização do ato foram expressas por Edson Cardoso, membro do MNU e integrante da comissão nacional da marcha:

Gostaríamos de fazer uma menção especial à participação de Vicente Paulo da Silva, Vicentinho, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que desde a aprovação da proposta da Marcha levada pelo Movimento Negro unificado (MNU) ao encontro de sindicalistas negros cutistas, realizado em maio de 1995, em Brasília, desempenhou importante papel na garantia da aliança, muitas vezes conturbada, entre o movimento negro e o movimento sindical, sem nenhuma dúvida uma das razões essenciais do êxito alcançado pela Marcha61.

59 RIOS, 2012, p. 46.

60 Ibidem, p. 51-55.

Vicentinho é um homem negro, nordestino, com uma larga história no movimento sindical, tendo papel destacado no sindicato dos metalúrgicos do ABC, na fundação da CUT e na redefinição de rumos da CUT na década de 199062. A participação não apenas dele, mas de milhares de

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