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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA THAÍS TEREZINHA PAZ

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

THAÍS TEREZINHA PAZ

Questões étnico-raciais, de gênero e diversidade sexual no meio sindical: uma análise do GTPCEGDS – ANDES-SN

NITERÓI 2021

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THAÍS TEREZINHA PAZ

Questões étnico-raciais, de gênero e diversidade sexual no meio sindical: uma análise do GTPCEGDS – ANDES-SN

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em História do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Cruz Terra

NITERÓI 2021

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Thaís Terezinha Paz

Questões étnico-raciais, de gênero e diversidade sexual no meio sindical: uma análise do GTPCEGDS – ANDES-SN

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em História do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Paulo Cruz Terra

Aprovada em: ___/___/____

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Cruz Terra - Orientador

________________________________________________________ Profª. Drª. Caroline de Araújo Lima

________________________________________________________ Profª. Drª. Kênia Aparecida Miranda

NITERÓI 2021

(5)

Este trabalho é dedicado às pessoas comprometidas com a construção de um mundo sem relações de exploração e opressão.

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AGRADECIMENTOS

Esta dissertação foi escrita em um momento muito singular. Uma pandemia ceifa a vida de milhares de brasileiros combinada com uma política genocida, de fome, destruição de direitos, perseguições, ameaças e impropérios tão vis que se tornou difícil sobreviver. Em meio às necessárias medidas de isolamento social, que felizmente pude cumprir, a escrita foi mais solitária do que gostaria. Ainda assim, só foi possível concluir esse texto com a ajuda de diversas pessoas que gostaria de agradecer profundamente.

Agradeço ao Coletivo LGBT Sem Terra por ser o espaço de onde partem questões, reflexões e sínteses que me motivam a estudar, a procurar entender a complexidade das formas de exploração, opressão e dominação a que somos expostos. Obrigada pelo acolhimento e pela capacidade de nos fazer esperançar que uma nova realidade é possível.

Agradeço aos meus colegas de trabalho, servidores do Instituto de História, Aline, Bianca, Franciellen, Luana, Natan, Pablo, Thaís Barros e Thiago. Ainda no início do mestrado, quando nossas relações de trabalho sofreram mudanças significativas, só pude seguir estudando porque estivemos juntos para enfrentar o que estava ao nosso alcance. Agradeço também ao SINTUFF pelo apoio naquele momento.

Às pesquisadoras e aos pesquisadores do Observatório da História da Classe Trabalhadora pela acolhida nas reuniões que participei. As leituras e discussões que tive acesso com vocês foram fundamentais para o desenvolvimento dessa pesquisa.

Aos professores do PPGH-UFF, especialmente àqueles que pude participar das aulas: Virgínia Fontes, Tatiana Poggi, Demian Mello, Marcelo Badaró Mattos, Flávia Fernandes de Souza e Laura Maciel.

Ao meu orientador, Paulo Cruz Terra, o meu mais profundo agradecimento. Nos momentos mais difíceis, Paulo foi acolhedor, me deu segurança e demonstrou constante disponibilidade. Obrigada pela gentileza com que conduziu nossa relação, pela liberdade e pelos apontamentos. Obrigada por me apresentar o objeto desta pesquisa e por me fazer confiar que seria capaz de desenvolver esse trabalho.

Agradeço aos professores que contribuíram nas entrevistas: Júlio Ricardo Quevedo dos Santos, Dan Gabriel D'Onofre Cordeiro, Adriana Hessel Dalagassa, Caroline de Araújo Lima, Jacqueline Rodrigues de Lima, Ana Cláudia Cruz da Silva, Sérgio Ricardo Aboud Dutra, Rosineide Cristina de Freitas, Zuleide Fernandes de Queiroz, Cláudia Alves Durans, Laura Regina Câmara

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Maurício da Fonseca, Eblin Farage, Gelta Terezinha Xavier e Sonia Lucio R. de Lima. Obrigada pela disponibilidade e confiança.

Ao Centro de Documentação do ANDES-SN, especialmente à Roseni Ximenes de Castro pelo atendimento e envio de fontes valiosas para o desenvolvimento da pesquisa.

À Caroline de Araújo Lima, Kênia Miranda e Marcelo Badaró Mattos pelas contribuições e disponibilidade nas bancas de qualificação e defesa.

Aos meus pais, minhas irmãs e sobrinhos. Mesmo à distância e sem saber ao certo sobre o que trata essa dissertação, vocês me motivaram a conquistar esse título de mestre para a nossa família. Vou ser a primeira, mas tenho certeza que logo não serei a única. Obrigada por me ensinarem sobre a importância do estudo, da militância, da luta, do amor.

Por fim, obrigada à Mariana. Minha esposa, minha companheira de vida, meu amor. Obrigada pelo suporte emocional, pela ajuda com as reflexões, por estar ao meu lado nos momentos mais difíceis. Obrigada pelos sorrisos, pelo aconchego, por construir comigo e com a Flora (por enquanto) a melhor família que poderíamos.

(8)

Nós vos pedimos com insistência Nunca digam - isso é natural Diante dos acontecimentos de cada dia Numa época em que reina a confusão Em que corre o sangue Em que ordena-se a desordem Em que o arbítrio tem força de lei Em que a humanidade se desumaniza Não digam, nunca - isso é natural. Bertolt Brecht

(9)

RESUMO

Essa dissertação possui como tema a política de combate às opressões de raça, gênero e sexualidade do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN). Examinamos, sobretudo, a contribuição do Grupo de Trabalho Políticas de Classe para Questões Étnico-raciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS), inicialmente intitulado de Grupo de Trabalho Etnia, Gênero e Classe (GTEGC), na condução dessa discussão no sindicato. Nos referenciamos no debate desenvolvido pelo feminismo marxista, especialmente pela Teoria da Reprodução Social, que compreende o capitalismo como uma ordem social complexa, em que gênero, sexualidade e raça constituem relações integradas ao seu processo de reprodução. As principais fontes deste estudo são os relatórios dos Congressos do sindicato, materiais produzidos pelo ANDES-SN e entrevistas realizadas com integrantes do sindicato. Identificamos uma mudança significativa na compreensão do ANDES-SN em relação ao combate às opressões no decorrer da sua história. Nas duas primeiras décadas do sindicato docente, o tema esteve praticamente ausente das suas deliberações, a despeito da intensa mobilização dos movimentos negros, de mulheres e LGBTI na sociedade brasileira. A partir dos anos 2000, o debate se faz presente, e aumenta significativamente com a discussão sobre as cotas étnico-raciais. Já na última década, observamos a diversificação de temas tratados pelo grupo de trabalho, a construção de políticas concretas de combate às opressões no interior do sindicato e também proposições para as universidades e para a sociedade brasileira como um todo.

Palavras-chave: GTPCEGDS; ANDES-SN; gênero; raça; sexualidade; sindicalismo.

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RESUMEN

Esta disertación tiene como tema la política de combate a las opresiones de raza, género y sexualidad del Sindicato Nacional de Docentes de Instituciones de Educación Superior (ANDES-SN). Sobre todo, examinamos la contribución del Grupo de Trabajo Políticas de Clase para Asuntos Étnico- Raciales, Género y Diversidad Sexual (GTPCEGDS), inicialmente denominado Grupo de Trabajo Etnia, Género y Clase (GTEGC), en la conducción de esta discusión en el sindicato. Nos localizamos en el debate desarrollado por el feminismo marxista, especialmente por la Teoría de la Reproducción Social, que caracteriza el capitalismo como un orden social complejo, en que género, sexualidad y raza constituyen relaciones integradas a su proceso de reproducción. Las principales fuentes de este estudio son los informes de los Congresos del Sindicato, materiales elaborados por ANDES-SN y entrevistas realizadas con miembros del sindicato. Identificamos un cambio significativo en la comprensión del ANDES-SN en relación a la lucha contra las opresiones en el transcurso de su historia. En las dos primeras décadas del sindicato docente, el tema estuvo prácticamente ausente de sus deliberaciones, a pesar de la intensa movilización de los movimientos negros, de mujeres y LGBTI en la sociedad brasileña. Desde la década de 2000 en adelante, el debate ha estado presente y se ha incrementado significativamente con la discusión de las cuotas étnico-raciales. En la última década, observamos la diversificación de temas tratados por el grupo de trabajo, la construcción de políticas concretas para combatir la opresión dentro del sindicato y también propuestas para las universidades y para la sociedad brasileña en su conjunto.

Palabras llave: GTPCEGDS; ANDES-SN; género; raza; sexualidad; sindicalismo.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AD - Associação Docente;

ADUA - Associação dos Docentes da Universidade Federal do Amazonas; ADUEPB - Associação dos Docentes da Universidade Estadual da Paraíba;

ADUFERPE - Associação dos Docentes da Universidade Federal Rural de Pernambuco; ADUFF - Associação dos Docentes da UFF;

ADUFG - Sindicato dos Docentes das Universidades Federais de Goiás;

ADUFMAT - Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso; ADUFOP - Associação dos Docentes da Universidade Federal de Ouro Preto;

ADUFPB-JP - Associação dos Docentes da Universidade Federal da Paraíba – Seção João Pessoa; ADUNEB - Associação dos Docentes da Universidade do Estado da Bahia;

ADUNIRIO - Associação dos Docentes da Universidade do Rio de Janeiro; ADUR-RJ - Associação dos Docentes da Universidade Rural do Rio de Janeiro; ADUSP - Associação de Docentes da Universidade de São Paulo;

ALB - Coletivo ANDES de Luta pela Base;

ANDES - Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior; ANDES-AD - ANDES Autônoma e Democrática (corrente sindical);

ANDES-SN - Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior; ANEL - Assembleia Nacional de Estudantes Livre;

ANPED - Associação Nacional de Pesquisa em Educação;

ANPOCS - Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ciências Sociais; ANPOLL - Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Letras e Linguística; ANPUH - Associação Nacional de História;

APESJF - Associação dos Professores de Ensino Superior de Juiz de Fora; APRUMA - Associação de Professores da Universidade Federal do Maranhão; APUB - Associação dos Professores Universitários da Bahia;

APUBH - Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte e Montes Claros; APUFSC - Associação dos Professores da Universidade Federal de Santa Catarina;

ASDUERJ - Associação de Docentes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; CAEL - Coletivo ANDES em Luta;

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CEFET - Centro Federal de Educação Tecnológica; CGT - Confederação Geral dos Trabalhadores; CNDM - Conselho Nacional de Direitos da Mulher;

CNESF - Coordenação Nacional de Entidades de Servidores Federais; CNG - Conselho Nacional de Greve;

CNMT-CUT - Comissão Nacional sobre a Mulher Trabalhadora da Central Única dos Trabalhadores; CONAD - Conselho do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior; CONCUT - Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores;

CONLUTAS - Coordenação Nacional de Lutas; CS - Convergência Socialista;

CSP-Conlutas - Central Sindical Popular; CUT - Central Única dos Trabalhadores;

EGHO - Encontro de Grupos Homossexuais Organizados;

ENAD - Encontro Nacional de Associações de Docentes Universitários; FHC - Fernando Henrique Cardoso;

FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação;

GTEDEO - Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação;

GTEGC - Grupo de Trabalho Etnia, Gênero e Classe;

GTHMD - Grupo de Trabalho História do Movimento Docente; GTMT - Grupo de Trabalho Mundos do Trabalho;

GTPCEGDS - Grupo de Trabalho Políticas de Classe para Questões Étnico-raciais, de Gênero e Diversidade Sexual;

GTPE - Grupo de Trabalho de Política Educacional;

GTPFS - Grupo de Trabalho de Política e Formação Sindical;

GTSSA - Grupo de Trabalho de Seguridade Social e Assuntos de Aposentadoria; IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;

IES - Instituições de Ensino Superior;

IFES - Instituições Federais de Ensino Superior;

INSPIR - Instituto Interamericano para a Igualdade Racial; IPES - Instituições Privadas de Ensino Superior;

LGBTI - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais;

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MD - Movimento Docente;

MHB - Movimento Homossexual Brasileiro; MML - Movimento Mulheres em Luta; MNU - Movimento Negro Unifiucado;

MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; MTL - Movimento Terra, Trabalho e Liberdade;

MTST - Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; NEAB - Núcleo de Estudos Afro-brasileiros;

NTIC - Novas Tecnologias de Informação e Comunicação; ONG - Organização não-governamental;

ONU - Organização das Nações Unidas;

OSMSP - Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo; PCB - Partido Comunista Brasileiro;

PCdoB - Partido Comunista do Brasil; PCO - Partido da Causa Operária; PDT - Partido Democrático Trabalhista; PLC - Projeto de Lei da Câmara;

PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro; PNDH - Programa Nacional de Direitos Humanos;

PROIFES - Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico;

PROUNI - Programa Universidade Para Todos; PSB - Partido Socialista Brasileiro;

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira; PSOL - Partido Socialismo e Liberdade;

PSTU - Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado; PT - Partido dos Trabalhadores;

REUNI - Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais; SEDUFSM - Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Santa Maria;

SINDIUVA - Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual Vale do Acaraú; SINDUEPA - Sindicato dos Docentes da Universidade do Estado do Pará;

SINDUNIFESSPA - Sindicato dos Docentes da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará;

(14)

SINDURCA - Sindicato dos e das Docentes da Universidade Regional do Cariri; SINPRO - Sindicato dos Professores;

SNDH - Secretaria Nacional dos Direitos Humanos; SPBC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência; TA - Texto de Apoio;

TR - Texto de Resolução;

UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro; UFF - Universidade Federal Fluminense;

UFG - Universidade Federal de Goiás; UFMA - Universidade Federal do Maranhão; UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais; UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto; UFPel - Universidade Federal de Pelotas; UFPR - Universidade Federal do Paraná;

UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; UFSM - Universidade Federal de Santa Maria;

UHB - União dos Homossexuais Brasileiros; UNE - União Nacional dos Estudantes; UNEB - Universidade do Estado da Bahia; UnB - Universidade de Brasília;

URCA - Universidade Regional do Cariri; USP - Universidade de São Paulo;

(15)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 16

CAPÍTULO 1: SINDICATOS, RAÇA, GÊNERO E SEXUALIDADE 25

1.1 – Redemocratização e lutas sociais 29

1.1.1 Movimento negro 30

1.1.2 - Movimento feminista 34

1.1.3 Movimento Homossexual 37

1.1.4 Reorganização sindical 41

1.2 - O surgimento da ANDES e a relação o sindicalismo do período 44

1.3 - Raça, gênero e sexualidade no ANDES-SN (1981-1999) 57

1.4 - Sindicalismo, raça, gênero e sexualidade 62

CAPÍTULO 2: CRIAÇÃO DO GRUPO DE TRABALHO ETNIA, GÊNERO E CLASSE E

DEBATE SOBRE AS COTAS ÉTNICO-RACIAIS NAS UNIVERSIDADES 68

2.1 – Criação do Grupo de Trabalho Etnia, Gênero e Classe 74

2.3 - O ANDES-SN e as cotas étnico-raciais nas universidades 87 2.3.1 - O início da discussão sobre reserva de vagas e primeiros argumentos 90

2.3.2 - Deliberação contrária à política de cotas 107

2.2.3 - A mudança de posicionamento do ANDES-SN e a deliberação favorável às cotas 115 CAPÍTULO III - “GT LETRINHAS?” A CONSTITUIÇÃO DO GTPCEGDS E AMPLIAÇÃO

DAS PAUTAS. 120

3.1 A constituição do GTPCEGDS e a ampliação das pautas 121

3.2 - O grupo de trabalho integrado: opção pela interseccionalidade? 132

3.3 O papel do ANDES-SN no combate às opressões 138

3.3.1 O combate às opressões no interior do sindicato 139

3.3.2 O combate às opressões como pauta política do sindicato (para fora) 160

CONCLUSÃO 166

4 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 172

ANEXO 1 - Resoluções dos Congressos do ANDES-SN sobre raça, etnia, gênero e sexualidade 177

(16)

INTRODUÇÃO

Em 2016, logo após a eleição de Donald Trump nos EUA, o cientista político e professor da Universidade de Columbia, Mark Lilla, publicou um artigo1 bastante polêmico no jornal The New York Times em que defendia que a forma como o Partido Democrata focou em políticas identitárias havia sido uma das principais razões para a perda das eleições por Hillary Clinton. A repercussão do debate, do qual o artigo é apenas um exemplo, reflete um debate que há décadas ocupa as organizações políticas. A relação entre “luta de classes e opressões”; “lutas gerais e lutas específicas”;

“pautas econômicas e pautas identitárias”; “maiorias e minorias”, entre outras denominações, também teve destaque nas eleições brasileiras de 20182.

Tais temas são frequentemente associados ao movimento negro, feminista ou LGBTI, mas certamente não são questões que podem ser restritas a estas organizações. Especialmente porque há, nas últimas décadas, o surgimento de diversos setoriais e/ou coletivos internos aos partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos, centrais sindicais que se destinam a organizar uma política de gênero, sexualidade e raça a partir das suas organizações. Nosso objeto é o Grupo de Trabalho Políticas de Classe para Questões Étnico-raciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN). Este GT foi criado como deliberação do 19º Congresso do ANDES-SN, em 2000, inicialmente sendo chamado de Grupo de Trabalho Etnia, Gênero e Classe (GTEGC).

Na teoria social é possível identificar diversas abordagens sobre as conexões entre classe, raça, gênero e sexualidade. Nesta pesquisa partimos do campo marxista, especialmente das reflexões realizadas por um conjunto de intelectuais em torno de uma teoria unitária, para a qual as opressões de gênero e raça não constituem sistemas autônomos, devendo ser observadas de maneira integrada ao processo de reprodução capitalista. Para isso, “insistem na necessidade de considerar o capitalismo não como um conjunto de leis puramente econômicas, mas antes como uma complexa e articulada ordem social, uma ordem que tem seu núcleo constituído de relações de exploração, dominação e alienação”3.

Cinzia Arruzza destaca três teses sobre as formas de pensar a articulação entre opressão de

1 Artigo original: https://www.nytimes.com/2016/11/20/opinion/sunday/the-end-of-identity-liberalism.html. Acesso em 22 de novembro de 2019. Entrevista da Folha de São Paulo com Mark Lilla: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/03/esquerda-deve-tirar-foco-da-pauta-identitaria-para-ser-eleitadiz- mark-lilla.shtml. Acesso em 22 de novembro de 2019.

2 Para uma análise da eleição de Bolsonaro em 2018 ver MATTOS, 2020. 3 ARRUZZA, 2015, p. 38.

(17)

gênero e capitalismo que nos ajudam a delimitar as principais posições sobre a questão. A primeira tese é chamada pela autora de “Teoria dos sistemas duplos ou triplos”, em que:

Gênero e relações sexuais constituem um sistema autônomo que se combina ao capitalismo e remodela as relações de classe, enquanto é, ao mesmo tempo, modificado pelo capitalismo em um processo de interação recíproca. A versão mais atualizada desta teoria inclui as relações raciais, também consideradas como um sistema de relações sociais autônomas interconectadas com as relações de gênero e classe4.

Arruzza identifica três problemas nesta teoria. O primeiro é que a definição de patriarcado como sistema de exploração implica na existência de uma classe expropriadora e uma classe expropriada, podendo, em uma das possíveis interpretações, definir homens e mulheres como duas classes antagônicas e irreconciliáveis. A autora não nega que os homens tiram proveito do trabalho não remunerado das mulheres, mas discorda que haja apropriação de excedente nessa relação que possa caracterizar um antagonismo de classe5. O segundo problema identificado na teoria dos sistemas duplos ou triplos é a identificação da força motriz de reprodução de cada sistema. Sendo o patriarcado um sistema independente, as razões para sua reprodução devem ser localizadas no interior de suas relações e não em processos externos6, como o processo de reprodução das relações capitalistas, por exemplo. O terceiro problema é identificar o princípio organizativo e a lógica da aliança entre patriarcado, relações raciais e capitalismo quando se reconhece que conformariam “três sistemas independentes, que se interseccionam e se reforçam reciprocamente”7. Para Arruzza, essa afirmação constrói uma imagem descritiva, mas não consegue explicar a lógica dessa relação. Para ela, isso se dá porque é a forma de explicação mais imediata e intuitiva, descrevendo “a realidade tal qual esta se manifesta”8.

A segunda tese analisada é chamada de “Capitalismo Indiferente”. Nela, a opressão de gênero seria apenas algo remanescente de antigos modos de produção. Assim,

O capitalismo é em si indiferente às relações de gênero e pode superá-las de tal forma que o patriarcado como sistema seja dissolvido em países capitalistas avançados, na medida em que as relações familiares sejam reestruturadas de formas bastante radicais. Em suma, o capitalismo tem uma relação essencialmente oportunista com a desigualdade de gênero: usa o que acha benéfico das relações de gênero existentes, e destrói o que se torna um obstáculo9.

4 Ibidem, p. 37. 5 Ibidem, p. 40-42. 6 Ibidem, p. 42. 7 Ibidem, p. 44. 8 Ibidem. 9 Ibidem, p. 37.

(18)

Para exemplificar essa tese, Arruzza parte de um artigo escrito por Ellen Meiksins Wood em 1995, em que a autora defende que o capitalismo não estaria “estruturalmente disposto a criar desigualdades de gênero e apresentaria ainda uma tendência natural em questionar estas diferenças e diluir identidades raciais e de gênero”. Tal compreensão está fundamentada em uma separação entre

“estruturação lógica do capital e suas dimensões históricas”10.

Quando analisamos a história concreta, o argumento de Wood não se sustenta, pois, “uma formação social capitalista desprovida de opressão de gênero (em suas várias formas) jamais existiu”, ademais, as conquistas obtidas pelas mulheres não derivam naturalmente do desenvolvimento capitalista, tendo sido fruto das lutas sociais de massa das mulheres, assim como são as conquistas obtidas pela classe trabalhadora como um todo11. Ainda, ao observar as formações sociais concretas e suas histórias específicas é possível observar a “presença constante e penetrante da opressão de gênero”, de modo que ela se mostra não apenas funcional, mas uma consequência do funcionamento concreto do capitalismo12.

A divisão entre estrutura lógica do capital e sua dimensão histórica observa o processo de extração da mais-valia a partir de um nível elevado de abstração, e, apesar deste ser um momento central para a compreensão do capitalismo, não explica o conjunto das relações sociais. Na metáfora utilizada por Arruzza, seria “como tentar explicar a anatomia do corpo humano pelo funcionamento do coração”13. É a partir dessa leitura fragmentada que podemos também localizar o erro de teóricos marxistas que insistem na hierarquia entre exploração (principal) e opressão (secundária)14. As sociedades capitalistas são complexas e contraditórias, nas palavras da autora:

O capitalismo não é um Moloch, um Deus escondido, um marionetista ou uma máquina: é uma totalidade viva de relações sociais. Nela, encontramos relações de poder conectadas a gênero, orientação sexual, raça, nacionalidade, e religião, e todas estão a serviço da acumulação de capital e sua reprodução, ainda que frequentemente de formas variadas, imprevisíveis e contraditórias15.

A terceira tese, da qual Cinzia Arruzza é signatária, é a “Teoria Unitária”, segundo a qual “nos países capitalistas não existe mais um sistema patriarcal que seja autônomo do capitalismo. Relações

10 Ibidem, p. 49. 11 Ibidem, p. 50. 12 Ibidem, p. 51. 13 Ibidem, p. 48. 14 Ibidem, p. 52. 15 Ibidem, p. 48.

(19)

patriarcais continuam a existir, mas não são parte de um sistema separado”16. Isso significa que apesar das relações patriarcais de gênero antecederem o capitalismo, elas passaram a desenvolver um novo papel com o advento deste modo de produção. O processo de expropriação da terra e dos meios de produção e subsistência de grandes porções da população destituiu o papel de unidade de produção da família patriarcal17. Ao mesmo tempo, confinou as tarefas de reprodução da força de trabalho às famílias e especialmente ao trabalho não pago desempenhado, sobretudo, pelas mulheres. E aqui cabe observar o conceito de reprodução social, que possui centralidade dentro da teoria unitária.

O termo reprodução social, na tradição marxista, normalmente indica o processo de reprodução de uma sociedade em sua totalidade, como já mencionado. Na tradição marxista feminista, entretanto, reprodução social significa algo mais preciso: a manutenção e reprodução da vida, em nível diário e geracional. Neste contexto, reprodução social designa a forma na qual o trabalho físico, emocional e mental necessário para a produção da população é socialmente organizado: por exemplo, preparo da comida, educação dos jovens, cuidado dos idosos e doentes, assim como as questões domésticas e todo caminho até as questões de sexualidade18.

As feministas marxistas questionam, através desta compreensão de reprodução social, como a força de trabalho - a “mercadoria especial'' na produção de valor - é ela mesma produzida. Demonstram que a reprodução social não é algo acessório, desempenhando papel crucial na sociedade de classes, além de, ao ser mantida no âmbito da família, possibilitar a produção e reprodução da força de trabalho a um custo bem baixo para o capital19. Nesse sentido, a “produção de bens e serviços e a produção da vida fazem parte de um processo integrado”20 que demandam “lutas políticas em ambas as esferas e a necessidade de unificá-las”21.

Para Arruzza, a esfera da reprodução social “é também determinante na formação da subjetividade e, portanto, das relações de poder”. Nesse sentido, não mantém apenas relações contingentes com as relações de produção. O objetivo da “teoria unitária”, dessa forma, envolve

“interpretar as relações de poder baseadas no gênero ou orientação sexual como momentos concretos daquela totalidade articulada, complexa e contraditória que é o capitalismo contemporâneo”22.

Em relação aos estudos sobre raça e racismo, partimos da compreensão de Silvio Almeida de

16 Ibidem, p. 37 - 38. 17 Ibidem, p. 46. 18 Ibidem, p. 55.

19 BHATTACHARYA, 2019, p. 103.

20 LUXTON apud. BHATTACHARYA, 2019, p. 103. 21 Ibidem, p. 110.

22 ARRUZZA, 2015, p. 56-57.

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que o racismo é estrutural, ou seja, “integra a organização econômica e política da sociedade”. Assim, para o autor:

O racismo é a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade. O racismo fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para as formas de desigualdade e violência que moldam a vida social contemporânea. [...] As expressões do racismo no cotidiano, seja nas relações interpessoais, seja na dinâmica das instituições, são manifestações de algo mais profundo, que se desenvolve nas entranhas políticas e econômicas da sociedade23.

Em relação às formas de integração do racismo ao conjunto das relações capitalistas, Abigail B. Bakan cita que, além dos amplamente conhecidos impactos da opressão racial em baixar salários, moldar exércitos de reserva, dividir mercados de trabalho e enevoar as distinções de classe, o racismo também oferece sistematização a aspectos da alienação, tendo sido “integrado no processo da hegemonia capitalista para parecer senso comum”24. A autora defende, assim, que os conceitos de exploração, alienação e opressão no marxismo permitem uma reflexão significativa sobre como as

“sociedades capitalistas realmente existentes produzem e reproduzem relações sociais com uma variedade de formas de diferença construídas socialmente, politicamente e economicamente e uma variedade de formas de racismo”25.

Cabe apresentar rapidamente um entendimento sobre tais categorias, sobretudo o conceito de opressão já que ele é amplamente utilizado nesta dissertação. Conforme Bakan, “exploração se refere a relações sociais que se desenvolvem e são reproduzidas no processo de extração econômica de excedente”, alienação, por sua vez, “se refere ao distanciamento geral dos seres humanos daquilo que faz deles de fato humanos”26. A categoria de opressão “inclui tanto elementos ideológicos quanto materiais”, é historicamente específica, não estando sujeita às leis de movimentos gerais. Em Marx, a opressão é descrita de duas maneiras: “(i) opressão de classe, e (ii) a opressão específica de setores das classes”27, chamadas por Bakan de opressões específicas. Para a autora:

O que pode ser chamado de opressão específica divide a classe trabalhadora ou qualquer outra classe oprimida contra ela mesma e por sua vez obscurece as diferenças de classe ao criar novas linhas de demarcação que são usadas como formas de subordinação. [...] Tendências contraditórias básicas com relação a opressão, então, são encontradas dentro do capitalismo. O capitalismo tende tanto a dividir os trabalhadores nas bases das opressões

23 ALMEIDA, 2018, p. 16. 24 BAKAN, 2016, p. 57. 25 Ibidem, p. 48-49. 26 Ibidem, p. 70. 27 Ibidem, p. 62.

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específicas dentro da classe quanto, ao mesmo tempo, pressioná-los em uma experiência comum de opressão enquanto classe, onde seus interesses são compartilhados. Os trabalhadores são divididos por opressões específicas, mas essa divisão também serve para esconder, ou reificar, a realidade vivida de cada indivíduo, intensificando a alienação, mas também a representando de forma aparentemente racional28.

Exploração, opressão e alienação atuam de maneira articulada na totalidade social. Chamar atenção para a complexidade dessas relações é uma maneira de enfrentar uma leitura economicista da teoria marxista que “reduz todo sofrimento humano a um tipo específico de diferença baseado em relações sociais definidas por processos de exploração”29.

Os debates sobre as relações de gênero, sexualidade e raça, especialmente quando observadas de maneira integrada à ordem social, impactam os estudos sobre a classe trabalhadora30. Sobre isso, Marcelo Badaró Mattos alerta que as relações entre gênero e classe - compreendemos que cabe aqui também as relações de raça e classe - “foram muitas vezes negligenciadas ou secundarizadas pelas análises marxistas, assim como pelas organizações socialistas, contribuindo para o predomínio de um divórcio entre a maioria das análises sociais e perspectivas de luta de marxistas e feministas”31. Essa afirmação não faz com que o autor desconsidere o potencial tanto das análises marxistas em compreender essas relações quanto das organizações socialistas em intervir nas questões apontadas. É a partir desse quadro mais geral que esta pesquisa foi organizada. Buscamos analisar como o ANDES-SN articula as categorias de classe, gênero, raça, etnia e diversidade sexual através do GTPCEGDS. Para tanto, examinamos as deliberações do sindicato sobre o tema, o processo de constituição do grupo de trabalho, as proposições do GT para o movimento docente, as políticas de combate às opressões propostas pelo ANDES-SN para as universidades e para a sociedade brasileira, buscando apreender as sínteses políticas desse processo.

Sobre o recorte temporal, decidimos analisar os relatórios dos Congressos desde a fundação do ANDES-SN, ainda como Associação, em 1981. Observamos, assim, o debate sobre gênero, raça, etnia e sexualidade durante toda a trajetória do sindicato (1981 a 2019). No entanto, com a criação do grupo de trabalho etnia, gênero e classe, em 2000, as fontes e o debate interno no sindicato crescem, fazendo com que a pesquisa se concentre muito mais depois deste marco temporal. A definição de seguir até 2019 se deu a partir da intenção de integrar a recente deliberação de paridade de gênero na diretoria do sindicato, tomada no 38º Congresso, realizado em Belém entre 28 de janeiro e 02 de

28 Ibidem. 29 Ibidem, p. 49.

30 Sobre isso ver MATTOS, 2019, p. 58-70. 31 MATTOS, 2019, p. 58.

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fevereiro de 2019.

Analisamos um amplo acervo de fontes. O primeiro conjunto documental é composto pelos relatórios dos Congressos do sindicato nacional. Os Congressos são a instância deliberativa máxima do ANDES-SN, realizados anualmente. Na preparação para estes eventos, as seções sindicais, os grupos de trabalho, os coletivos ou professores individualmente podem propor textos de apoio (TA) ou textos resolução (TR) que são debatidos durante o Congresso, sendo que, ao final, as propostas de deliberação são votadas pelos delegados. Através da análise dos relatórios foi possível contrastar as questões que chegam como propostas, os debates desenvolvidos e o encaminhamento dos temas com aprovação ou rejeição da entidade. Buscamos observar o teor das resoluções apresentadas sobre etnia, raça, gênero e sexualidade e os impactos dessas deliberações na política sindical. Outros relatórios analisados foram referentes às reuniões do Conselho do sindicato (CONAD) e de seminários realizados sobre os temas desta pesquisa. A maioria destes documentos estão disponíveis para acesso no site da entidade e outros foram disponibilizados pelo Centro de Documentação do ANDES-SN.

Um segundo conjunto de fontes são as publicações do GTPCEGDS, especialmente as cartilhas e os vídeo-documentários “Narrativas Docentes”. As três cartilhas produzidas pelo grupo constituem as principais sínteses dos debates desenvolvidos. A primeira, publicada em 2016, faz um histórico do movimento feminista, negro, indígena e LGBTI e, em um segundo momento, apresenta as características de cada opressão e como combatê-la. A segunda cartilha, publicada em 2017, mantém uma estrutura similar à primeira cartilha, mas acrescenta o debate sobre assédio moral e sexual. A terceira cartilha é destinada ao combate ao racismo e foi lançada em agosto de 2019 durante o II Seminário Integrado do GTPCEGDS. Nesta cartilha é debatido o racismo estrutural, o feminismo negro, a política de ações afirmativas e um balanço da pauta antirracista no ANDES-SN.

Sob coordenação do GTPCEGDS foram produzidos três vídeo-documentários intitulados

“Narrativas Docentes”. São eles: Narrativas Docentes: Memória e Resistência Negra, Narrativas Docentes: Memória e Resistência LGBT e Narrativas Docentes: Luta das Mulheres. Os dois primeiros foram filmados durante a realização do I Seminário Integrado do GTPCEGDS em 2017, na UFPel. Já o último documentário foi lançado recentemente32, sendo gravado em diversos espaços. Os vídeos estão disponíveis no canal do YouTube do ANDES-SN. Neles foram entrevistados docentes que compartilharam suas experiências pessoais e de militância como negros e negras, LGBTI e mulheres.

A análise dos documentários, bem como o reconhecimento de que o GTPCEGDS não é algo

32 Postado no canal do YouTube do ANDES-SN em 09 de abril de 2021.

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físico e institucional, mas sim um conjunto de sujeitos que se organizam, mobilizam, articulam, debatem e enfrentam contradições, nos faz chegar a outro conjunto de fontes: a história oral. Iniciamos buscando o GT da ADUFF, pela proximidade e também por ter observado que esta é uma Seção Sindical que tem uma atuação de longa data na construção do GTPCEGDS nacional. Em agosto de 2019 participei do II Seminário Integrado do GTPCEGDS realizado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, onde foi possível conhecer as coordenadoras do grupo de trabalho, realizar algumas entrevistas e estabelecer contatos com outros docentes que foram entrevistados em 2020 e 2021. Entrevistei quatorze docentes. Como primeiro critério de seleção de entrevistados definimos a participação direta no GTPCEGDS e a garantia de diversidade dos temas abarcados pelo grupo de trabalho. Os docentes entrevistados foram: 1) Júlio Ricardo Quevedo dos Santos, do departamento de história da UFSM; 2) Dan Gabriel D'Onofre Cordeiro, do departamento de economia doméstica e hotelaria da UFRRJ; 3) Adriana Hessel Dalagassa, do departamento de terapia ocupacional da UFPR, coordenadora do GTPCEGDS (gestão 2018-2020); 4) Caroline de Araújo Lima, do departamento de ciências humanas e tecnologias da UNEB, coordenadora do GTPCEGDS (gestão 2018-2020); 5) Jacqueline Rodrigues de Lima, da faculdade de enfermagem da UFG, coordenadora do GTPCEGDS (gestão 2018-2020); 6) Ana Cláudia Cruz da Silva, do departamento de antropologia da UFF; 7) Sérgio Ricardo Aboud Dutra, do departamento de educação física da UFF; 8) Rosineide Cristina de Freitas, professora do Colégio de Aplicação da UERJ; 9) Zuleide Fernandes de Queiroz, do departamento de educação da URCA; 10) Cláudia Alves Durans, do departamento de serviço social da UFMA; 11) Laura Regina Câmara Maurício da Fonseca, do departamento de serviço social da UFSM. Após o exame de qualificação, identificamos a necessidade de ampliar o escopo de entrevistas para compreender a organização das correntes internas no ANDES-SN. Assim, entrevistamos docentes que não atuam diretamente no GTPCEGDS, mas que contribuíram para sanar lacunas gerais da pesquisa. Foram elas: 12) Eblin Farage, do departamento de serviço social da UFF; 13) Gelta Terezinha Xavier, da faculdade de educação da UFF; 14) Sonia Lucio R. de Lima, docente aposentada do departamento de serviço social da UFF.

Ainda sobre as fontes, o ANDES-SN organiza semestralmente a publicação da Revista Universidade e Sociedade em que são divulgados textos temáticos enviados por professores da base do sindicato. Selecionamos cinco edições que se referem especificamente a esses temas. São elas: Revista nº 29 (2003) – Minorias sociais e luta de classes no Brasil; Revista nº 46 (2010) – Política de Cotas na Universidade: acesso, permanência e democratização; Revista nº 58 (2016) - Mulheres em movimento nas lutas sociais e sindicais; Revista nº 62 (2018) - 130 Anos da Abolição da Escravidão

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no Brasil: a resistência do povo negro e a luta por reparações; Revista nº 64 (2019) – Transformações no mundo do trabalho e opressões de gênero.

Estruturamos a dissertação em três capítulos. O primeiro objetiva compreender a relação entre o sindicalismo e o movimento negro, feminista e homossexual33 no contexto de criação da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior e da sua reformulação como sindicato nacional até o momento de criação do Grupo de Trabalho Etnia, Gênero e Classe - GTEGC, em 2000. Partimos de uma breve análise da integração das relações de raça, gênero e sexualidade como temas da história social do trabalho. Em seguida, analisamos a reorganização das lutas sociais no contexto da redemocratização brasileira, especialmente a partir dos movimentos negro, feminista, homossexual e sindical. Observamos o processo de organização do ANDES-SN e a sua relação com o sindicalismo do período. Por fim, analisamos as deliberações sobre gênero, raça, etnia e sexualidade do ANDES- SN até o momento imediatamente anterior à criação do GTEGC.

No segundo capítulo, analisamos o processo de criação do GTEGC e os debates desenvolvidos pelo ANDES-SN em torno do posicionamento do sindicato sobre as cotas com critério étnico-racial para ingresso nas universidades. Em meio a esta discussão, observamos como o GTEGC se estruturou e contribuiu na mudança de posicionamento da entidade sobre a questão, inicialmente contrária e depois favorável à adoção de políticas de reserva de vagas para estudantes negros e indígenas.

No terceiro capítulo observamos o percurso do grupo de trabalho de 2010 a 2019. Analisamos o processo de alteração de nome de GTEGC para GTPCEGDS e as formas de atuação do grupo de trabalho para atender todos os temas sob os quais tem responsabilidade. Neste aspecto buscamos chamar atenção para as tensões existentes em relação ao caráter do grupo de trabalho que reúne diversas formas de opressão. Em seguida, analisamos o duplo caráter desempenhado pelo ANDES- SN no combate às opressões, a saber, no interior da própria estrutura sindical e na proposição de políticas de combate às desigualdades de gênero, sexualidade, raça e classe para o conjunto da sociedade brasileira.

33 No contexto da redemocratização o atual movimento LGBTI se apresentava como movimento homossexual, por isso o uso deste termo.

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CAPÍTULO 1: SINDICATOS, RAÇA, GÊNERO E SEXUALIDADE

A história social do trabalho sofreu algumas transformações nas primeiras décadas do século XXI, marcadas, sobretudo, pela ampliação de temas e problemas, além de novos métodos e abordagens34. É possível observar, nesse sentido, que as pesquisas na área têm se preocupado em localizar seu objeto para além do operariado fabril. Como destaca Cláudio Batalha, em artigo de 2006,

“hoje, em tese, quase todos os seus praticantes estão de acordo que a redução da história do trabalho ao operariado fabril é inaceitável, que seria necessário incluir trabalhadores livres e não livres, urbanos e rurais, assalariados e autônomos, contratados e sazonais” 35.

Essa ampliação do objeto é, também, marcada pelo questionamento do trabalho como branco e masculino36. Nessa perspectiva, há um crescimento de pesquisas que buscam integrar as análises sobre as relações de gênero, raça e classe, especialmente observando o papel dos negros e das mulheres no processo de formação da classe trabalhadora.

A relação entre classe e raça na história do trabalho tem como marco o artigo de Silvia H. Lara, publicado em 199837, que questionava a exclusão dos negros, escravos ou libertos, das pesquisas dos historiadores do trabalho. A autora discorda, nesse texto, das ideias de “transição” e da “teoria da substituição” do trabalho escravo pelo do imigrante, propondo, em contrapartida, que a historiografia observasse as experiências compartilhadas pelos trabalhadores livres, escravos e libertos, antes e depois da abolição. Essa crítica foi reapresentada, alguns anos depois, por Álvaro Pereira do Nascimento38, chamando atenção para a ausência de análise sobre a cor e raça dos trabalhadores, especialmente nas pesquisas sobre o trabalho livre durante os primeiros anos da República.

Apesar de ser pertinente o balanço apresentado por Nascimento, não é possível ignorar que há um crescimento considerável de pesquisas na área de história social do trabalho que articulam trabalho escravo e trabalho livre, considerando as experiências dos trabalhadores escravizados como fundamentais para entender o processo de formação da classe trabalhadora no Brasil. Fabiane

34 SOUZA & SILVA, 2018, p. 9. 35 BATALHA, 2006, p. 89.

36 Em referência ao texto ROEDIGER, David. “E se o trabalho não fosse branco e masculino: recentrando a história da classe trabalhadora e estabelecendo novas bases para o debate sobre sindicatos e raça”. In: FORTES, Alexandre e outros (orgs.). Cruzando fronteiras: novos olhares sobre a história do trabalho. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2013, p. 29-59.

37 LARA, S. H. Escravidão, cidadania e história do trabalho no Brasil. Projeto História, São Paulo, n. 16, p. 25-38, fev. 1998.

38 NASCIMENTO, Á. P. “Trabalhadores negros e o “paradigma da ausência”: contribuições à História Social do Trabalho no Brasil”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 29, n. 59, p. 607 - 626, set.-dez. 2016.

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Popinigis e Paulo Cruz Terra apresentaram uma pesquisa39 a partir das produções do Grupo de Trabalho Mundos do Trabalho, ligado à Associação Nacional de História, em que diagnosticam a diversificação de sujeitos e de abordagens sobre as formas de exploração do trabalho, envolvendo trabalhadores escravos, libertos e livres nas pesquisas dos historiadores ligados ao GTMT.

Os autores destacam, entretanto, que a despeito desse crescimento, existem algumas áreas que não recebem a mesma atenção, como “pesquisas sobre o impacto do racismo no mercado de trabalho e sobre as relações raciais na organização de partidos e sindicatos e nos movimentos sociais a partir de meados do século XX, temas e período para os quais essa abordagem tem sido pouco explorada”40. Observam, ainda, baixa incorporação das reflexões feministas e das perspectivas de gênero nas comunicações apresentadas pelos pesquisadores nos eventos e publicações do GT Mundos do Trabalho da ANPUH41. O crescimento do número de pesquisas sobre trabalho doméstico aparece como um dos espaços em que se avança na superação dessa insuficiência, uma vez que estes trabalhos atuam em espaço privilegiado para observar as relações de gênero, raça e classe de maneira integrada42.

As pesquisas sobre as mulheres trabalhadoras têm como marco, no Brasil, a tese de doutoramento da socióloga Heleieth Saffioti, chamada “A mulher na sociedade de classes”, publicada originalmente em 1969. Nesta primeira obra, Saffioti analisa sexo e raça como “mecanismos coadjutores da realização histórica do sistema capitalista de produção”43, questionando assim a ideia de que o desenvolvimento capitalista atuaria no sentido de superar as desigualdades baseadas nesses fatores. A autora desenvolve um debate importantíssimo sobre o trabalho realizado pelas mulheres no espaço familiar, de reprodução da força de trabalho, e também na indústria e serviços. A tese da socióloga Maria Valério Junho Pena, intitulada “Mulheres trabalhadoras: presença feminina na constituição do sistema fabril”, defendida em 1980, segue um caminho muito próximo ao de Saffioti, analisando a atuação das mulheres na formação do operariado paulista.

Na historiografia, a história das mulheres é pensada como objeto próprio a partir da década de 1970, mas a reflexão sobre as mulheres e o mundo do trabalho só passa a se desenvolver de maneira

39 POPINIGIS, F.; TERRA, P. C.. Classe, raça e história social do trabalho no Brasil (2001-2016). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 32, n. 66, p. 307-329, jan.-abr. 2019.

40 Ibidem, p. 319. 41 Ibidem, p. 320.

42 Ibidem, p. 319. Sobre este tema, ver SOUZA, F. F. & SILVA, M. H. (orgs.). Trabalho doméstico: sujeitos, experiências e lutas. Mundos do Trabalho, v. 10, n. 20, jul-dez 2018.

43 SAFFIOTI, 2013, P. 59.

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mais sistemática nas décadas seguintes44. Maciel Henrique da Silva apresenta um balanço sobre as mulheres na história social do trabalho, onde observa que os principais debates nesse campo se iniciaram na década de 1980, especialmente debatendo a incorporação ou exclusão da força de trabalho feminino. Em seguida outros temas como o cotidiano, os papéis informais, a prostituição, o comércio urbano e o trabalho doméstico passam a constituir objeto de diversas pesquisas. O autor identifica que a historiografia sobre o trabalho e o cotidiano feminino no Brasil é constituída por um vasto número de pesquisas locais e específicas em contraposição à ainda poucos estudos totalizantes, que proponham sínteses mais gerais sobre o tema45.

Em uma situação muito mais inicial estão as pesquisas, na história social do trabalho, que buscam observar as trabalhadoras lésbicas, gays, bissexuais e outros sujeitos que desviam da heterossexualidade compulsória46. Em relação às pessoas transexuais, travestis ou que questionam a correlação direta entre sexo e gênero nas suas construções enquanto sujeitos há ainda mais silêncios. A título de exemplo, apenas em 2018 o GTMT da ANPUH debateu o tema, na ocasião do V Seminário Internacional Mundos do Trabalho. O artigo apresentado naquele momento foi escrito pelo professor Benito Bisso Schmidt e intitula-se “Complexificando a interseccionalidade: perspectivas queer sobre o mundo do trabalho”. No texto, o autor denuncia que:

Nós, historiadores e historiadoras do trabalho, em geral não vimos homossexuais, lésbicas, pessoas trans e outros desviantes da heteronormatividade na classe operária, nem nos sindicatos. Alguns talvez tenham visto, mas preferiram desviar o olhar, por julgar esses seres ameaçadores, teórica e politicamente, caso resolvessem tomar o centro do campo de visão47.

Como caminho metodológico o autor defende que não é necessário descobrir novas fontes, mas sim realizar um “ajuste ótico” que permita aos historiadores observar a relação entre identidade sexual e mundo do trabalho. O objetivo desta proposição, nesse sentido, é:

Compreender, por um lado, como a heteronormatividade “age” sobre os sujeitos que compõem essa classe em diferentes momentos e lugares, estabelecendo hierarquias, conflitos e solidariedades, e, por outro, de que modo a LGBTQfobia se articula com as opressões de classe, raça-etnia, gênero, geração, pertencimento político, religioso, entre outras48.

44 SILVA, 2010, p. 84-88. 45 Ibidem, p. 92.

46 Utilizamos a expressão heterossexualidade compulsória a partir de RICH, A. Heterossexualidade compulsória e existência lésbica. Tradução: Carlos Guilherme do Valle. Bagoas. Natal, n. 05, p. 17-44, 2010.

47 SCHMIDT, 2018, p. 38. 48 Ibidem.

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A sexualidade é assim reivindicada como um domínio que também conforma as experiências dos trabalhadores e que deve ser analisada pela historiografia. Benito Schmidt faz uma provocação para que os historiadores observem de que maneira as suas pesquisas estabelecem quais são as experiências mais fundamentais na organização de relações entre os trabalhadores, na configuração de profissões entendidas socialmente como próprias para pessoas queer, e, ainda, na reprodução da heteronormatividade na militância sindical e política.

O movimento observado na historiografia de integrar às suas análises as relações de gênero, sexualidade e raça é um processo que não decorre apenas do desenvolvimento das pesquisas. Há uma significativa pressão social, especialmente a partir das lutas sociais dos movimentos negro, feminista e LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais)49 de que a academia observe seus temas e problemas.

No Brasil, as lutas pelo fim da ditadura militar constituem um marco neste processo de transformações políticas, sociais e também teóricas. Foi neste contexto que a Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES) foi fundada, em 1981. Com a promulgação da Constituição em 1988, que regulamentou o direito de sindicalização dos servidores públicos, a entidade passou a constituir-se enquanto Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN).

Além da organização dos professores e dos debates sobre educação, ciência e tecnologia, o Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior abriga uma série de discussões, entre as quais as questões de gênero, étnico-raciais e de diversidade sexual, objeto desta pesquisa. Data de 2000 a criação do Grupo de Trabalho Etnia, Gênero e Classe no interior do Sindicato, com a função de subsidiar a entidade sobre esses temas. Essa dissertação observa fundamentalmente este grupo de trabalho, posteriormente renomeado para Grupo de Trabalho Políticas de Classe para as questões Étnico-raciais, de Gênero e Diversidade Sexual - GTPCEGDS.

Neste capítulo, no entanto, buscamos compreender como o debate de gênero, raça e diversidade sexual foi conduzido pela entidade no período que antecedeu a criação do grupo de trabalho. Para tanto, estudamos o contexto de criação da ANDES e sua conversão em Sindicato Nacional, que foi marcado um por processo de reorganização sindical - movimento conhecido como

“novo sindicalismo” - e também pela mobilização dos movimentos negros, feministas e de

49 A sigla para se referir à população LGBTI é constantemente atualizada. Vamos adotar LGBTI por ser a sigla que atualmente é utilizada por parcela significativa do movimento no Brasil. Nem sempre será possível utilizar os termos da época, tendo em vista as seguidas alterações, nesse sentido, correndo o risco de parecer um tanto anacrônico, utilizaremos preferencialmente a sigla atual: LGBTI.

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homossexuais, entre outros não explorados neste texto.

Partimos de uma breve análise sobre cada processo de mobilização, em seguida tratamos do processo de organização do ANDES-SN e a sua relação com o sindicalismo no período. Por fim, exploramos os relatórios de Congressos e reuniões do Conselho Nacional do sindicato buscando identificar as características do debate sobre opressões de gênero, raça e sexualidade construído na entidade até a proposição do grupo de trabalho destinado ao tema.

1.1 – Redemocratização e lutas sociais

As lutas pela redemocratização, especialmente a partir do final da década de 1970, mobilizaram diversos setores da sociedade e marcaram um novo momento para a maioria dos movimentos sociais, sejam eles de estudantes, trabalhadores urbanos, camponeses, mulheres, negros e negras, LGBTI, ambientalistas, entre outros. Tal processo foi denominado pelas ciências sociais como emergência dos “novos movimentos sociais”, caracterizados, sobretudo, pela adoção de “uma política de identidades, a presença de utopias comunitárias, o uso de ação direta não convencional, a constituição de redes que entrecruzavam movimentos específicos, a emergência de uma série de novas questões no espaço público” 50, entre outros aspectos destacados na bibliografia sobre o tema. Algumas interpretações tendem a pensar os “novos movimentos sociais” como uma forma de superar as formas tradicionais de mobilização, como partidos e sindicatos51. No entanto, cabe observar que paralelamente aos “novos movimentos sociais” também se organizou o “novo sindicalismo” – assim denominado pelos seus protagonistas e também por parcela significativa das ciências sociais. Conforme destaca Leonilde Medeiros,

O que foi chamado entre nós de “novos movimentos sociais” (e que se constituíram em força condutora no processo de redemocratização do país) combinou com o aparecimento do que ficou conhecido como “novo sindicalismo” e com a constituição de experiências políticas inovadoras que se definiram como classistas, como é o caso da formação do Partido dos Trabalhadores, no início dos anos 198052.

Nesse sentido, para a autora, a questão que se apresenta não é a superação da centralidade do movimento operário, mas, especialmente no Brasil e na América Latina, o entrecruzamento de

50 MEDEIROS, 2012, p. 12. 51 Ibidem, p. 9.

52 Ibidem, p. 12.

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demandas de setores da sociedade – como a luta pela terra e de reconhecimento de reivindicações étnicas, por exemplo – e lutas classistas. Os sindicatos, nessa perspectiva, não apenas conviveram com as demandas apresentadas pelos “novos movimentos sociais”, como também incorporaram muitas de suas pautas. Vamos analisar, nesse momento, os movimentos negro, feminista e LGBTI, para, ao final, observar as relações com o sindicalismo a partir dessa compreensão dos entrelaçamentos.

1.1.1 Movimento negro

Petrônio Domingues (2007) define o movimento negro como aquele no qual “a ‘raça’ é o fator determinante de organização dos negros em torno de um projeto comum de ação” 53. Nesse sentido, ao falar de movimento negro não estamos nos referindo a todas as ações políticas construídas por negros e negras e sim a uma forma específica. Buscando construir uma cronologia do movimento na República, Domingues propõe a definição de quatro fases, sendo a primeira de 1889 a 1937; a segunda de 1945 a 1964; a terceira de 1978 a 2000; e, por fim, a quarta a partir de 2000. O autor demonstra que desde o início da República a população negra engendrou múltiplas formas de protesto contra as desigualdades raciais. Não há um desenvolvimento linear nesses processos de luta. Em cada momento, estavam presentes diferentes compreensões sobre as causas do racismo, as formas de organização e as estratégias de mobilização.

A ditadura militar defendia a ideia falaciosa de que o Brasil vivia uma democracia racial, praticamente banindo a discussão pública sobre a questão racial. As iniciativas de militantes negros, além de deslegitimadas, estavam sob o risco constante da repressão. Isso não significa que nada foi feito, mas as ações foram bastante fragmentadas. A superação deste momento se deu com a organização do Movimento Negro Unificado (MNU54) em 1978.

Domingues identifica como influências no surgimento do MNU, por um lado, as lutas em defesa dos direitos civis dos negros estadunidenses e os movimentos de libertação dos países africanos. Por outro lado, internamente, a ação da Convergência Socialista - organização marxista, de orientação trotskista.

Havia, na Convergência Socialista, um grupo de militantes negros que entendia que a luta

53 DOMINGUES, 2007, p. 102.

54 O MNU surge como Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial (MUCDR). Com a definição de adotar e ressignificar o termo “negro”, passa a se chamar Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR) e, logo em seguida, o nome é simplificado para MNU.

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anti-racista tinha que ser combinada com a luta revolucionária anticapitalista. Na concepção desses militantes, o capitalismo era o sistema que alimentava e se beneficiava do racismo; assim, só com a derrubada desse sistema e a consequente construção de uma sociedade igualitária era possível superar o racismo. A política que conjugava raça e classe atraiu aqueles ativistas que cumpriram um papel decisivo na fundação do Movimento Negro Unificado: Flávio Carrança, Hamilton Cardoso, Vanderlei José Maria, Milton Barbosa, Rafael Pinto, Jamu Minka e Neuza Pereira. Entre 1977 e 1979, a Convergência Socialista publicou um jornal chamado Versus, que destinava uma coluna, a “Afro-Latino América”, para o núcleo socialista negro escrever seus artigos conclamando à “guerra” revolucionária de combate ao racismo e ao capitalismo55.

Como veremos em seguida, os militantes da Convergência Socialista cumpriram um papel importante também no surgimento do movimento homossexual brasileiro. Cabe perceber que, ainda que em geral organizemos a história de cada movimento como uma parte, elas se relacionam intimamente.

O primeiro ato público organizado pelo MNU ocorreu em 7 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, em protesto contra a morte de Robson Silveira da Luz, trabalhador negro, torturado até a morte no 44º Distrito de Guaianases. O ato reuniu cerca de duas mil pessoas e recebeu diversas moções de apoio56. Além das ações de rua e o processo de organização do MNU, esse período também foi marcado pela reativação da imprensa negra57.

O movimento, nesta fase, desenvolveu uma compreensão da identidade negra valorizando o resgate das raízes ancestrais no padrão de beleza, na culinária, nas religiões. Na política, apesar de não ser o único posicionamento, prevaleceu no movimento a estratégia de “combinar a luta do negro com a de todos os oprimidos da sociedade”. Assim, no programa de ação do MNU, em 1982, foram apresentadas as seguintes reivindicações:

desmistificação da democracia racial brasileira; organização política da população negra; transformação do Movimento Negro em movimento de massas; formação de um amplo leque de alianças na luta contra o racismo e a exploração do trabalhador; organização para enfrentar a violência policial; organização nos sindicatos e partidos políticos; luta pela introdução da História da África e do Negro no Brasil nos currículos escolares, bem como a busca pelo apoio internacional contra o racismo no país58 (grifos nossos).

Apesar de construir um rico processo de organização, Domingues identifica que o MNU não

55 Ibidem, p. 112-113.

56 Ibidem, p. 113. Domingues faz referência ao recebimento de moções das seguintes associações negras cariocas: Escola de Samba Quilombo, Renascença Clube, Núcleo Negro Socialista, Centro de Estudos Brasil-África (CEBA) e o IPCN. 57 Domingues cita como principais jornais do período: “SINBA (1977), Africus (1982), Nizinga (1984), no Rio de Janeiro; Jornegro (1978),O Saci (1978), Abertura (1978), Vissungo (1979), em São Paulo; Pixaim (1979), em São José dos Campos/SP; Quilombo (1980), em Piracicaba/SP; Nêgo (1981), em Salvador/BA; Tição (1977), no Rio Grande do Sul, além da revista Ébano (1980), em São Paulo” (DOMINGUES, 2007, p. 114).

58 Ibidem, p. 114.

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chegou a se constituir como um movimento social de massas, estando mais próximo da definição de movimento social de vanguarda.

Flávia Rios (2012) analisa o movimento negro de 1978 a 2010 tendo como principal guia os protestos públicos. A autora destaca o papel desempenhado pelos jovens universitários negros na sustentação teórica do movimento, articulando “o conceito de classe com a crítica social traduzida em termos raciais [...]. Não por acaso, estampado em quase todos os panfletos e manifestos políticos dessa época estava o jargão raça e classe” 59.

Depois do ato nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo em 1978, Flávia Rios identifica como segundo marco da luta antirracista as marchas do centenário da abolição (1988). Tratou-se de um momento em que o movimento negro cresceu em número de organizações e se diversificou, especialmente com a formação dos coletivos de mulheres negras e a inclusão de temas como gênero e sexualidade. As mobilizações desta vez foram construídas em diversas cidades do Brasil, questionando o discurso oficial sobre a “benevolência da princesa” e denunciando o dia 13 de maio como data de uma falsa abolição. É nesse momento que Zumbi cresce como símbolo da resistência negra e o 20 de novembro se consagra como principal data de luta do movimento negro.60

O terceiro marco do protesto negro contemporâneo, identificado por Rios, foi a Marcha do Tricentenário da Morte de Zumbi, realizada no dia 20 de novembro de 1995, em Brasília. A manifestação foi resultado do esforço de unificação de um movimento marcado pela proliferação de diversas organizações. Cerca de trinta mil pessoas participaram da marcha na Esplanada dos Ministérios, tendo como lema “contra o racismo, pela cidadania e pela vida”.

Essa manifestação nos interessa especialmente por ter uma presença representativa de sindicalistas, cerca de cinco mil, além do presidente da CUT. A presença e a colaboração do presidente da central na viabilização do ato foram expressas por Edson Cardoso, membro do MNU e integrante da comissão nacional da marcha:

Gostaríamos de fazer uma menção especial à participação de Vicente Paulo da Silva, Vicentinho, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que desde a aprovação da proposta da Marcha levada pelo Movimento Negro unificado (MNU) ao encontro de sindicalistas negros cutistas, realizado em maio de 1995, em Brasília, desempenhou importante papel na garantia da aliança, muitas vezes conturbada, entre o movimento negro e o movimento sindical, sem nenhuma dúvida uma das razões essenciais do êxito alcançado pela Marcha61.

59 RIOS, 2012, p. 46. 60 Ibidem, p. 51-55.

61 Discurso extraído do documentário Zumbi dos Palmares e citado por RIOS, 2012, p. 57.

Referências

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