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Sinistralidade rodoviária: um problema maior de saúde pública

A sinistralidade rodoviária é um flagelo dos tempos modernos, com enormes consequências ao nível social e económico, uma fatalidade que afecta todos os países do mundo e um problema transversal a todas as camadas sociais.

Segundo a OMS, diariamente, em todo o mundo, cerca de 16 000 pessoas morrem em consequência de diferentes tipos de lesões, as quais representam 12% do peso global das doenças, sendo esta a terceira mais importante causa de mortalidade geral e a principal causa de morte da população com menos de 40 anos.

Dentro da categoria das lesões, as decorrentes dos acidentes nas estradas ocupam, ao nível mundial, o primeiro lugar, representando no universo das mortes por ferimentos, cerca de 23%.

Figura 1.1. – Mortalidade por ferimentos segundo a causa, Região Mundo, 2002

Fonte: WHO Global Burden of Disease project, 2002, in Peden (2004)

Ainda que as estimativas do número anual mundial de mortes nas estradas variem em consequência de limitações relacionadas com a recolha e análise de dados, problemas de subnotificação e dificuldades de uniformização e interpretação, e como tal o número exacto de acidentes e vítimas nunca venha a ser conhecido, estima-se que até 1997 o número total acumulado de mortos em todo o mundo, tenha sido de cerca de 25 milhões.

A OMS indica um valor (provavelmente subestimado uma vez que se baseia em dados de 1998) de cerca de 1,2 milhões de mortos por ano, o que representa

um valor da ordem das 3242 vidas perdidas por dia à volta do mundo, em consequência de acidentes rodoviários.

Em 2002, os acidentes estradais foram considerados a décima primeira

causa de morte no mundo (décima nos homens e décima-oitava nas mulheres).

Neste mesmo ano, de todas as mortes que atingiram as crianças de idade compreendida entre os 5 e os 14 anos e nos jovens dos 15 aos 19 anos, as devidas a acidente rodoviário ocupavam o segundo lugar, e no grupo dos adultos com 30 a 44 anos o terceiro. Se considerarmos o grande grupo de adultos em idade activa em potência (faixa etária dos 15-44 anos) o valor dos óbitos rodoviários mundiais nesta categoria ascende a mais de 50% do seu total. (OMS, 2004)

Figura 1.2. – Ordenação das principais causas de morte no mundo por grupo de idade, 2002

Do ponto de vista da distribuição do problema em função do nível de desenvolvimento das diferentes regiões do globo, a OMS estima que cerca de 85% do total mundial de mortes na estrada, 90% dos Anos de Vida Ajustados por Incapacidade, ou Disability-Adjusted Years Lost (DALY)11 e 96% do total de crianças mortas, ocorram em países de baixos e médios recursos, nos quais habita 81% da população do mundo e onde se encontra apenas 21% do parque automóvel do globo. Ressalta desta avaliação, que apenas cerca de 10% do total de mortes mundiais devidas a acidentes rodoviários ocorre nos países mais desenvolvidos do planeta.

Em 2002, a taxa de mortalidade rodoviária mundial foi de 19,0 óbitos por 100 000 habitantes. Nesse mesmo ano o continente Africano apresentava o rácio mais elevado com um valor de 28,3, seguido do Médio Oriente com 26,4. As regiões do globo com menor mortalidade rodoviária são as correspondentes aos países de maiores recursos do continente Europeu, onde se verificaram nesse mesmo ano taxas de mortalidade rodoviária de 11,0 óbitos por 100 000 habitantes.

Figura 1.3. – Taxas de mortalidade rodoviária (100.000 habitantes), Região Mundo, 2002

Fonte: WHO Global Burden of Disease project, 2002, in Peden (2004)

Focalizando-nos agora nos utentes das vias, sabe-se que, por um lado, nos países menos desenvolvidos (regiões de África, Ásia, América Latina e Caraíbas), a maioria das mortes ocorridas em consequência de acidentes rodoviários se verifica entre os peões, passageiros, ciclistas e motociclistas, e por outro, nos países mais desenvolvidos e com maior nível de rendimentos, são os condutores e os ocupantes dos carros os mais atingidos. No entanto, avaliando as respectivas taxas de mortalidade por referência à totalidade dos utentes do sistema rodoviário, essas diferenças regionais tendem a esbater-se, sendo possível concluir que, por quase todo o mundo, o risco de morrer num acidente rodoviário é muito mais elevado para

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os utentes mais vulneráveis (peões, ciclistas e motociclistas) do que para os ocupantes dos automóveis. (Peden, 2004)

Apesar da sua magnitude, o número de mortes em acidentes rodoviários representa apenas a "ponta do iceberg" do real desperdício de vida humana e recursos sócio-económicos inerentes ao total de vítimas das estradas. De acordo com estimativas da OMS (subvalorizadas em consequência da insuficiência e deficiência dos dados fornecidos por muitos dos países) no mundo inteiro, entre 20

e 50 milhões de pessoas por ano ficam feridas em resultado de acidentes nas

estradas. Em muitos dos países menos desenvolvidos a carga de lesões relacionadas com o tráfego é tal, que chega a representar entre 30% e 86% de todas as admissões hospitalares por acidente. (Ibidis)

Consciente que as perdas em saúde não se medem apenas em número de mortos e feridos, e atenta a sua própria definição de saúde como um estado de completo bem-estar físico, social e mental, e não apenas enquanto ausência de doenças ou enfermidades, a OMS tem vindo a desenvolver medidas de avaliação da saúde tendentes a capturar elementos fundamentais da qualidade de vida, que não estão presentes nas métricas tradicionais de avaliação da longevidade como são a esperança de vida ou as taxas de mortalidade. Incluída num projecto conhecido como Global Burden of Disease Project (GBD), o qual tem como finalidade a análise dos principais problemas de saúde mundiais e seus impactos sobre a população, foi criada uma nova medida de avaliação da saúde da população, denominada Anos de Vida Ajustados por Incapacidade, ou Disability- Adjusted Years Lost (DALY), a qual combina informação referente ao número de anos potenciais de vida perdidos prematuramente, com as perdas de saúde por incapacidade. Esta medida permite quantificar o custo de cada problema de saúde em termos de quantidade e qualidade de saúde perdidos em função de determinada causa. (OMS, 2004 e Mollá, 2008)

De acordo com as conclusões do referido estudo, os acidentes rodoviários eram, em 1990, a nona causa mais importante de perdas de saúde a nível

mundial, estimando-se que em 2020 ascenda ao terceiro lugar da tabela,

posicionando-se imediatamente atrás da depressão clínica e das doenças do coração e à frente das infecções respiratórias, tuberculose, guerras e até da sida e constituindo-se como a causa que mais lugares avançará em termos relativos (Figura 1.4.).

Figura 1.4. – Ordenação dos DALY para as 10 principais causas – evolução 1990/2020

Fonte: WHO Global Burden of Disease project, 2002, in Peden (2004)

Segundo previsões da mesma fonte para o período 2000 - 2020, enquanto nos países mais desenvolvidos se assistirá a uma diminuição da mortalidade rodoviária na ordem dos cerca de 30%, nos países de baixos e médios recursos prevê-se uma enorme escalada da sinistralidade rodoviária, em função da crescente massificação da utilização de veículos motorizados e provável défice de políticas eficazes de segurança rodoviária.

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