• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2. MÉTODO

3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

3.2 Os núcleos de significação e sentido: o sofrimento psíquico de estudantes

3.2.2 Os sintomas de sofrimento psíquico

O segundo núcleo de significação se ocupa em discutir os sintomas de sofrimento psíquico identificados nos sujeitos desta pesquisa. O sofrimento psíquico é aqui entendido como sendo

3

60 um conjunto de condições psicológicas, desencadeadas por situações reais, simbólicas ou imaginárias, que geram mal estar. Suas expressões mais comuns e frequentes são os sintomas de ordem emocional e relacional. Logo, na tentativa de entender as manifestações de sofrimento psíquico é necessário descrever alguns dos principais sintomas relatados pelos sujeitos.

Uma estudante assim relata seu sofrimento frente às exigências acadêmicas:

A primeira coisa que me vem a cabeça é o medo de falar em público. Pra mim é sofrimento mesmo. Assim oh, eu não tenho vontade de comer, assim, eu não consigo dormir, aquela preocupação. Fico naquela ansiedade que não consigo ter uma rotina normal, comum, sabe. Eu não consigo sair quando eu tenho alguma coisa referente a apresentar trabalho, avaliação ou ter que me expressar em público; então na universidade quando eu tenho que fazer isso eu não tenho uma noite regular de sono, porque fico muito preocupada... Só de pensar nisso eu fico tensa, me da vontade de chorar, de sair correndo, de não vir pra aula, de inventar que to doente, assim é muita coisa. Isso é muito forte pra mim realmente é um sofrimento (Luisa). Esta fala remete à presença de um sofrimento psíquico intenso no cotidiano escolar. Para Freud (1930), o sofrimento acompanha o sujeito desde seu nascimento e estará presente em toda a trajetória da existência, perpassando as varias dimensões da vida. Em cada fase da história subjetiva, entretanto, apresentará características distintas e apropriadas ao momento que o sujeito está vivendo. A par disso, a outra entrevistada assim complementa:

Sentia um aperto no peito, eu achava que não ia dar conta, me dava um nervosismo, ficava triste, angustiada, e aperto, aperto e aperto, e parece que alguma coisa dentro de mim repetia: ‘você não vai dar conta, você não vai dar conta’, isso era o tempo todo. As vezes eu não dormia, aí eu ia pra prova sem dormir, cansada, sem conseguir relaxar, chorando. Mas com o tempo eu consegui passar por isso. Mas na época era muito ruim... Ficava angustiada, nervosa, chata, irritada, brigava com todo mundo... (Ana Maria).

De acordo com Freud (1925), o sintoma aponta a presença de um processo patológico e é um sinal substitutivo de uma satisfação pulsional que permanece latente, sendo então uma conseqüência do processo de recalque. Para a psicanálise, o sintoma não aponta necessariamente para uma doença, no sentido de mal biológico, mas está relacionada com algo que é próprio da subjetividade, logo, é da ordem do simbólico.

O fato dos sintomas apresentados pelos sujeitos participantes dessa pesquisa, tais como cefaléia, dor estomacal, insônia, tremor, agitação, antecipação de preocupação, isolamento, irritabilidade, sudorese e compulsão ou abstinência alimentar não apontarem para uma doença localizada não significa negar que esses sintomas afetam o real do corpo, que

61 sofre e amarga suas dores. Então, pode não haver uma condição orgânica que justifique determinados sintomas, com inscrição corporal, mas, sim, uma condição subjetiva, psíquica, que as determina. Pode-se perceber com suficiente clareza essas características no relato a seguir:

Eu fico com sensação de pressão baixa, minha cabeça fica doendo, eu não sinto fome, tenho dor no estômago, frio na barriga, as mãos geladas, tanto não gosto de pegar na mão de ninguém por que fica muito gelada. E, fora a vontade que às vezes eu tenho de fugir (Luisa).

Mesmo que o relato da estudante seja de sofrimento intenso, esta não passa ao ato, ou seja, mesmo que tenha vontade de fugir e que a sensação seja de total desconforto, enfrenta a situação, segundo ela, motivada pelo compromisso com os colegas de grupo ou pela nota, ou seja, sustentada pelos ideais do Eu. Por outro lado, mesmo que não faça a passagem ao ato, cria um quadro psicossomático que deve ser considerado como sintomático.

Há um paradoxo no sintoma, já apontado, que é necessário considerar. Freud (1925)

afirma que ao mesmo tempo em que o sintoma é uma atividade de gozo pulsional é também causador de desprazer, ou seja, de sofrimento. Pode-se concluir que o sintoma só se instala porque, de alguma forma, predominantemente de modo inconsciente, traz algum benefício ao sujeito. Porém, aquilo que se pretendia como prazer, em função da compulsão à repetição, (gozo do sintoma), torna-se manifestação de desprazer.

Assim, a estudante sente-se presa aos sintomas e seus benefícios secundários:

Acho que eu queria, mas ao mesmo tempo não queria que as pessoas ficassem com pena de mim. Então chorava, mas eu não queria chorar, e ficava com raiva porque chorava. Às vezes queria mostrar que era forte, mas não conseguia. Às vezes eu me perguntava: ‘criatura por que cê tá chorando pelo amor de Deus’! Só que algumas pessoas tinham pena realmente e isso me deixava mais brava comigo ainda. Tipo: eu não preciso que os outros tenham pena de mim! Aí eu sentava na frente, ganhava mais atenção e ficava com vergonha disso. Mas no fundo eu queria era atenção, queria que as pessoas olhassem pra mim. Mas na faculdade isso era humilhante sabe, eu queria sair disso e dizia pra mim mesma ‘A.M. você não é mais criança hello, cresce menina’. Eu queria ser forte ter minhas opiniões, então comecei a ver que ninguém me escutava, me considerava, foi ai que pensei: gente eu preciso crescer, as pessoas ainda me tratam como criança, eu já estudo, trabalho, penso e tal, mas todo mundo acha que ainda sou uma menina, eu queria que todo mundo visse que era forte, que tinha uma opinião por isso procurei ajuda sabe? (Ana Maria). O território do narcisismo, de acordo com Gobbi (2008), limita e confirma o campo do infantil e da fantasia de plenitude, peculiar aos bebês e à primeira infância. Mas, a psicanálise revela também que aquilo que é da ordem do infantil permanece funcional dentro do sujeito,

62 em todas as fases do desenvolvimento. De forma que, como já consideramos anteriormente, o narcisismo faz parte da história psíquica tanto passada quanto presente. Por outro lado, o modelo do narcisismo primário, ligado ao Eu ideal, pode escravizar, aprisionando o sujeito na fantasia infantil, fazendo com que fique impossibilitado de tomar a direção de sua própria vida, de ter autonomia. Assim, Ana Maria, embora queira ser reconhecida como adulta comporta-se como criança, cuja demanda de reconhecimento do Outro não cessa de não se inscrever, como algo que, do Real tenta se inscrever simbolicamente, sob a forma sintomática de demanda de amor e reconhecimento.

Documentos relacionados