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Sistema de comparticipações

2 ACESSO AOS MEDICAMENTOS EM PORTUGAL

2.2 Preços e Financiamento Público dos Medicamentos

2.2.2 Sistema de comparticipações

De acordo com o regime de comparticipação de medicamentos em vigor, o SNS financia uma percentagem do preço de venda ao público do medicamento. O valor remanescente é assegurado pelo utente sob a forma de co-pagamento no momento da aquisição.

O sistema de comparticipação em Portugal é baseado essencialmente nas características do medicamento, mas também existe, em determinados casos, uma comparticipação por doença (ex. Paramiloidose) ou uma comparticipação associada à condição económica do utente, como se explicitará de seguida.

A comparticipação dos medicamentos pelo Estado está, desde 198418, associada à necessidade

terapêutica da classe onde o medicamento se insere com o “objectivo de atingir uma maior racionalidade e justiça na aplicação dos meios financeiros ao fixá-la com base na prioridade terapêutica dos medicamentos”. Os quatro escalões, criados em 1984, correspondiam às seguintes categorias: i) medicamentos imprescindíveis para situações bem definidas, com carácter de gravidade extrema e com consequência sociais graves (comparticipados a 100%); ii) medicamentos imprescindíveis necessários ao tratamento de doenças graves e de tratamento prolongado, implicando um esforço financeiro considerável da parte do doente (comparticipados a 80%); iii) medicamentos de interesse confirmado que não integravam os outros escalões (comparticipados a 50%) e iv) medicamentos com interesse terapêutico mas não imprescindíveis (comparticipados a 35%). Desde essa altura foram efectuadas várias revisões aos critérios e escalões de comparticipação15,19,20,21,22,23, tendo a alteração mais significativa ocorrido em 1992. Na prática, as alterações visaram o controlo do peso elevado da despesa pública com medicamentos no total de despesas em saúde e reflectiram-se numa alteração dos escalões de comparticipação, com a progressiva diminuição do nível de comparticipação do Estado (Tabela 2.1). Em 2013 mantém-se em vigor quatro escalões (A - 90%; B - 69%, C - 37% e D - 15%) embora com uma redução dos níveis de comparticipação24, quando se compara com os escalões em vigor em 1992.

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Tabela 2.1 - Alterações aos escalões do regime normal de comparticipações (desde 1992)

Escalão Definição 1992 2000 2005 2007 2010

A Substâncias imprescindíveis à vida 100% 100% 95% 95% 90%

B

Fármacos necessários ao tratamento de doenças graves e de tratamento prolongado

70% 70% 70% 69% 69%

C Fármacos com valor terapêutico

confirmado mas não prioritários. 40% 40% 40% 37% 37%

D Novos produtos cuja mais-valia

terapêutica ainda está em avaliação 20% 20% 15% 15%

Ainda no que concerne ao sistema de comparticipação foi implementado, no final de 2002, o sistema de preços de referência (SPR)25, o qual estabelece um valor máximo a ser comparticipado pelo Estado para um conjunto de medicamentos com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas, forma farmacêutica, dosagem e via de administração, no qual se inclua pelo menos um medicamento genérico existente no mercado. O valor máximo da comparticipação a pagar pelo SNS obtém-se aplicando a taxa de comparticipação (conforme o regime aplicável) ao preço de referência previamente definido para cada medicamento. Com o SPR, o Estado fixa um nível de subsidiação pública para determinado grupo de medicamentos. No entanto, para o utente os encargos podem aumentar caso o preço do medicamento seja superior ao preço de referência sobre o qual incide a comparticipação. Deste modo, a implementação do SPR pretende promover uma maior sensibilização de prescritores e utentes ao preço do medicamento. Contudo, pressupõe que os utentes estejam em posse da informação necessária para reconhecer a equivalência entre medicamentos do mesmo grupo homogéneo e que esse entendimento esteja também presente no momento em que o médico lhes prescreve o medicamento. Caso isso não aconteça e o prescritor opte por um medicamento cujo preço é superior ao preço de referência, o encargo do utente pode passar a ser substancialmente superior. Tal facto é particularmente preocupante se afectar os grupos com menor nível de educação ou rendimento. Reconhecendo as maiores dificuldades de adaptação à mudança no regime de comparticipação dos utentes mais idosos e com menores condições socioeconómicas, no momento da implementação do SPR foi introduzida uma majoração de 25% sobre o preço de referência para os utentes do regime especial. Embora o nível de majoração tenha sido reduzido em 200626, manteve-se a sua

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2.2.2.1 Regimes Especiais de Comparticipação

Com o objectivo de promover a equidade no acesso aos medicamentos no SNS foram também implementados regimes especiais de comparticipação (REC) destinados aos grupos mais vulneráveis. Em 1992, foi introduzido um REC que tem em consideração o nível socioeconómico e que se traduz na comparticipação adicional de 15% (sendo de 5% no escalão máximo de comparticipação) para os indivíduos cujo rendimento total anual não exceda 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida20. Segundo os dados do Ministério do Trabalho e

Segurança Social27 este grupo da população engloba 1,48 milhões de indivíduos. No que concerne ao consumo de medicamentos, este REC abrange cerca de 33% das receitas prescritas aos utentes do SNS e representa, aproximadamente, 42% dos encargos do SNS com medicamentos2.

Já em 2009 foi introduzida a comparticipação a 100% de todos os medicamentos genéricos aos beneficiários do REC. O Decreto-Lei28 que sustentou esta medida referia que a situação do país, em 2009, impunha que fossem “adoptadas medidas que apoiem as famílias e, em particular, os mais idosos”. Ou seja, foi uma medida destinada a apoiar os grupos mais vulneráveis de modo a facilitar o acesso destes grupos aos medicamentos. Porém, à excepção desta legislação, que foi revogada em 2010, não existem isenções na aquisição de medicamentos com origem no nível socioeconómico.

No entanto, para atenuar o peso do financiamento privado na aquisição dos medicamentos em grupos que, devido às características da doença, estavam mais vulneráveis foram também implementados regimes especiais de comparticipação para determinados fármacos considerados imprescindíveis à vida29, como as insulinas ou os imunomoduladores, os quais são

totalmente financiados pelo SNS. Adicionalmente foram introduzidos REC para indivíduos com determinadas patologias como a paramiloidose, fibrose quística ou drepanocitose, os quais têm todos os medicamentos comparticipados na sua totalidade. Mas, segundo dados da Estatística do Medicamento2, apenas 0,5% das receitas prescritas a utentes do SNS eram relativas a doentes com paramiloidose ou outras patologias que beneficiam de regime de isenção.

Como se pode observar na Tabela 2.2, a despesa média a PVP e os encargos do SNS por receita foram superiores nos utentes abrangidos por regimes especiais, o que reflecte as necessidades acrescidas destes segmentos da população.

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Tabela 2.2 - Despesa média por receita médica

Regime Normal REC associado ao rendimento Doentes Paramiloidose e Outros Doenças Profissionais Despesa a PVP 29,30 33,47 36,43 42,64 Despesa do SNS 16,65 24,50 36,41 42,63

Despesa dos Utentes 12,65 8,97 0,02 0,01

Fonte: Estatística do Medicamento 2011, INFARMED, I.P.

Contudo, comparativamente a outros países europeus, o esquema de protecção aos grupos vulneráveis parece ser mais limitado30, pois não existe um limite máximo às despesas com

medicamentos nem um esquema de isenções para os indivíduos com rendimentos inferiores ou com um número elevado de co-morbilidades.

Apesar das alterações aos preços e sistema de comparticipação, a despesa pública com medicamentos apresentou praticamente um aumento contínuo nas duas últimas décadas. Excepcionam-se os anos de 2003, 2006 e 2007, que apresentaram decréscimos na despesa, em parte devido às reduções administrativas de preços e à redução dos escalões de comparticipação no final de 2005. Em 2009 e 2010, a despesa pública aumentou consideravelmente em consequência da comparticipação a 100% de todos os medicamentos genéricos aos beneficiários do regime especial de comparticipação mas a partir de 2011 a despesa do SNS voltou a apresentar uma tendência de decréscimo. É de referir que os dados disponíveis para 2013 indicam que se trata de uma descida sustentada31.

Gráfico 2.4 - Evolução da despesa do SNS e do utente com MSRM (2000-2012)

Fonte de Dados: INFARMED, I.P.

Introdução SPR

Alteração dos escalões de comparticipação

Comparticipação a 100% dos MG no REC

Alteração à formação do preço de referência

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Quanto à despesa suportada pelos utentes verificou-se, até 2008, um aumento contínuo mas a partir desse ano ocorreram algumas oscilações decorrentes de alterações legislativas e de reduções de preços. Salienta-se que em 2009 e 2010 observou-se um decréscimo nos encargos decorrente da comparticipação a 100% de todos os medicamentos genéricos. Em 2012 ocorreu novamente uma descida dos encargos dos utentes mas, neste caso, mais associada às reduções de preços dos medicamentos pois não existiu um aumento no nível de subsidiação pública dos medicamentos e a evolução das embalagens dispensadas também foi positiva31.

Embora externo ao sistema de comparticipação de medicamentos, mas para atenuar as situações de não aquisição dos medicamentos pelos mais idosos e carenciados, foi instituído o regime de benefícios adicionais de saúde para os beneficiários do complemento solidário do idoso. Com o Decreto-Lei n.º 252/2007, de 5 de Julho, passou a existir um complemento social para idosos abaixo do limiar da pobreza (com recursos inferiores a 362 euros mensais), no valor de 50% da parte não comparticipada pelo Estado no preço dos medicamentos, subsídio que acresce à pensão a receber no mês seguinte.

Apesar da existência destes regimes especiais e da despesa pública com medicamentos ter aumentado (Gráfico 2.4) verifica-se que a contribuição do utente está actualmente próxima dos 40% da despesa total com medicamentos (Gráfico 2.5). Este valor foi realçado no estudo da Comissão Europeia5, que identifica Portugal como um dos países onde a percentagem da despesa privada no total da despesa com medicamentos é das mais elevadas. Este dado é preocupante em termos de equidade no acesso pois a despesa privada apresenta um carácter regressivo, ou seja, os indivíduos dedicam menores fatias do seu rendimento às despesas com medicamentos à medida que o rendimento aumenta, conforme consta do relatório sobre “A Sustentabilidade Financeira do Serviço Nacional de Saúde”6.

Gráfico 2.5 - Evolução da percentagem da despesa pública e privada nos utentes do SNS (1994-2012)

Fonte: INFARMED, I.P. 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

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