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1.1 Conceito de alfabetização

1.1.3 Sistema de escrita alfabética (SEA)

Trazemos por último a concepção de alfabetização baseada no SEA, embora ela tenha sido introduzida no Brasil ainda na década de 80 através da teoria construtivista, mesmo antes dos estudos sobre letramento. Isso porque acreditamos que é importante que, nos documentos destinados à superação de defasagens relacionadas à apropriação do sistema de escrita, essa concepção seja considerada.

O SEA vem sendo discutido por autores como Soares (2016) e Morais (2012) no sentido de melhor compreender que aspectos estão ligados à aprendizagem inicial da escrita. Ele se baseia nos estudos de Ferreiro e Teberosky sobre a psicogênese da escrita e vem ganhando bastante espaço em estudos acadêmicos e documentos federais sobre alfabetização (PERES, 2016; COSTA, 2017)

Soares (2016) afirma haver uma diferença entre um processo de aprendizagem da escrita e um processo de aprendizagem da fala, pois enquanto a fala é um processo natural, a escrita requer uma aprendizagem, já que se trata de “uma invenção cultural”. A autora explica que:

[...] aprender a escrita alfabética é, fundamentalmente, um processo de converter sons da fala em letras ou combinação de letras – escrita -, ou converter letras, ou combinação de letras, em sons da fala –

leitura. Essa “conversão” de sons em letras, de letras em sons, que é

a essência de uma escrita alfabética, é, (...), uma invenção cultural que tem sido caracterizada ora como a invenção de um código, ora como a invenção de um sistema de representação, ora ainda como a invenção de um sistema notacional”. (SOARES, 2016, p. 46, grifo da autora)

Dentre essas três noções, apenas a visão de escrita como código não é aceita pela autora, principalmente por ser associada a uma prática mecânica que não exige nenhuma reflexão sobre a língua por parte do aluno. Encontramos em Morais (2012) uma explicação sobre essa visão.

[...] a visão tradicional de alfabetização pressupõe que o aluno aprende repetindo e memorizando. Decorando a equivalência entre as formas gráficas (letras) e os sons que elas substituem (fonemas), os aprendizes viriam a ser capazes de “decodificar” ou “codificar” palavras. Daí, para serem capazes de “decodificar” e “codificar” frases e textos, teríamos apenas uma questão de treino, de prática repetitiva e acúmulo (das formas gráficas e dos seus respectivos sons). (MORAIS, 2012, p. 46, grifo do autor)

Soares (2016) explica o motivo pelo qual acredita que a visão do sistema de escrita alfabética associada a um código é imprópria.

[...] um código é, em seu sentido próprio, um sistema que substitui (como o código Morse, a escrita em Braille) ou esconde como códigos de guerra, criados para garantir a segurança de comunicações) os signos de um outro sistema já existente. (SOARES, 2016, p. 46, grifo da autora)

O SEA não tem nenhuma dessas duas funções, nem substituir, tampouco esconder. É, sim, um sistema criado para representar por escrito o que falamos. Sua visão como sistema de representação é mais pertinente.

É um sistema de representação porque, em seu processo de compreensão da língua escrita, que se inicia antes mesmo da instrução formal, a criança de certa forma “reconstrói” o processo de invenção da escrita como representação. (SOARES, 2016, p. 48, grifo da autora)

O modo como essa reconstrução acontece é bem explanada por Ferreiro (2011) ao explicar como o SEA é compreendido pelas crianças no início da sua escolarização.

[...] as dificuldades que as crianças enfrentam são dificuldades conceituais semelhantes às da construção do sistema e por isso pode-se dizer, [...], que a criança reinventa esses sistemas. Bem entendido: não se trata de que as crianças reinventem as letras nem os números, mas que, para poderem se servir desses elementos como elementos de um sistema, devem compreender seu processo de construção e suas regras de produção. (FERREIRO, 2011, p. 17)

Ainda segundo Ferreiro (2011), conceber a escrita alfabética como código ou sistema de representação não é uma simples mudança de termos. Ela traz mudanças significativas para a aprendizagem.

[...] se a escrita é concebida como um código de transcrição, sua aprendizagem é concebida como aquisição de uma técnica; se a escrita é concebida como um sistema de representação, sua aprendizagem se converte na apropriação de um novo objeto de conhecimento, ou seja, em uma aprendizagem conceitual. (FERREIRO, 2011, p. 19)

Segundo Morais (2012, p. 50), considerar seu aspecto conceitual significa compreender a “natureza profunda” da escrita. Assim, é possível entender que a aprendizagem inicial da escrita é bem mais complexa do que a aprendizagem de uma simples técnica. Além de ser concebida como um sistema de representação, a escrita também é vista como um sistema notacional.

A escrita é, para a criança, um sistema notacional porque, ao compreender o que a escrita representa (a cadeia sonora da fala, não seu conteúdo semântico), precisa também aprender a notação com que, arbitrária e convencionalmente, são representados os sons da fala (os grafemas e suas relações com os fonemas, bem como a posição desses elementos no sistema). (MORAIS, 2012, p. 49, grifo do autor)

Morais (2012) elenca propriedades relativas à notação que precisam ser reconstruídas e convenções que necessitam ser aprendidas no processo de apropriação do SEA.

1. Escreve-se com letras que não podem ser inventadas, que têm um repertório finito e que são diferentes de números e de outros símbolos;

2. As letras têm formatos fixos e pequenas variações produzem mudanças em sua identidade (p, q, b, d), embora uma letra assuma formatos variados (P, p, P, p);

3. A ordem das letras no interior da palavra não pode ser mudada;

4. Uma letra pode se repetir no interior de uma palavra e em diferentes palavras, ao mesmo tempo em que distintas palavras compartilham as mesmas letras;

5. Nem todas as letras podem ocupar certas posições no interior das palavras e nem todas as letras podem vir juntas de quaisquer outras;

6. As letras notam ou substituem a pauta sonora das palavras que pronunciamos e nunca levam em conta as características físicas ou funcionais dos referentes que substituem;

7. As letras notam segmentos sonoros menores que as sílabas orais que pronunciamos;

8. As letras têm valores sonoros fixos, apesar de muitas terem mais de um valor sonoro e certos sons poderem ser notados com mais de uma letra;

9. Além de letras, na escrita de palavras usam-se, também, algumas marcas (acentos) que podem modificar a tonicidade ou o som das letras ou sílabas onde aparecem;

10. As sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes e vogais (CV, CCV, CVV, CVC, V, VC, VCC, CCVCC...), mas a estrutura predominante no português é a sílaba CV (consoante-vogal), e todas as sílabas do português contêm, ao menos, uma vogal. (MORAIS, 2012, p. 51)

A partir da compreensão da escrita como sistema de representação e notação, é possível perceber que a apropriação do sistema de escrita alfabética é um processo evolutivo, que requer várias reflexões por parte da criança. Por isso, muitas vezes, é um processo duradouro, porém, como já se enfatizou anteriormente, é necessário que seja concluído.

Para que isso ocorra, Morais (2012, p. 126-127) desenvolve expectativas de aprendizagem para os três primeiros anos do ensino fundamental. Para o primeiro ano, cita a compreensão do funcionamento do SEA. No segundo ano, acredita que devem se consolidar as convenções grafema-fonema. Por fim, no terceiro ano, julga ser necessário o avanço no “domínio da norma ortográfica”, além da autonomia em ler com fluência e escrever pequenos textos. Dessa forma, a concretização da apropriação da escrita alfabética pelo aluno seria efetivada até o 3°ano do Ensino Fundamental.

Embora seja necessário levantarmos as concepções de alfabetização que mais tiveram espaço quando se trata da alfabetização no Brasil, não podemos deixar de mencionar que ela continua sendo um direito que não se garante a todos, principalmente às crianças que vêm das camadas menos favorecidas da nossa população. Por essa razão, a seguir, trataremos da alfabetização e sua relação com o Ensino na escola pública.