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Sistema de segurança interna e o direito à segurança

CAPÍTULO II: O QUADRO JURÍDICO DO SISTEMA DE SEGURANÇA INTERNA NACIONAL

2.2. Sistema de segurança interna e o direito à segurança

O objeto do presente estudo visa clarificar e definir os parâmetros balizadores da atuação policial no quotidiano tendo em conta que lhe compete assegurar, em permanência, os direitos fundamentais dos cidadãos. Nestas circunstâncias, o facto de se abordar a função da polícia, isso faz ressaltar de imediato o direito à segurança que deve ser garantido ao cidadão. A função da polícia é, portanto, em última instância tudo fazer para que o cidadão se sinta seguro. Por outras palavras, o direito do cidadão à segurança pode ser considerado globalmente o fim último da ação policial diária, o que define o seu modo de atuação.

O direito à Segurança deverá ser analisado e entendido como um bem de relevante importância pois o seu incumprimento traduz-se numa violação grave dos direitos fundamentais do homem podendo acarretar consequências catastróficas para a liberdade do cidadão. Aquilo a que se tem assistido nos últimos tempos permite reconhecer que o direito à segurança tem sido frequentemente violado com gravidade. Para o efeito, basta recordar-se no terror instalado nas populações como consequência dos ataques terroristas. Neste caso chega-se a consequências irreversíveis que podem culminar na violação do direito à vida. Para evitar tais acontecimentos é relevante encontrar novas formas de prevenção para que no futuro, cada vez mais, se possa evitar a violação dos direitos fundamentais.

Com efeito, o direito à segurança compagina-se ou pressupõe a existência do direito à liberdade e aquela deve ser preservada e respeitada por todos os profissionais no modus operandi diário. Neste plano, os polícias quando atuam em serviço deverão ter sempre presente ou em mente os dois direitos fundamentais referidos: direito à segurança e direito à liberdade. Liberdade e segurança são duas prerrogativas da cidadania que estão ligadas entre si, e que importa perceber até que ponto podem ser tratadas isoladamente e de que forma ou em que medida a segurança se reflete na liberdade e de igual forma verificar se entre elas existe uma relação de causalidade. O direito à liberdade e à segurança são bens que ajudam a compreender a problemática do estudo que é o sistema de segurança interna. Fazendo

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parte do aparelho do Estado, como considera Louis Althusser, as forças e serviços de segurança têm de pautar a sua atuação diária sob a dependência daqueles mesmos direitos constitucionais. A Constituição da República Portuguesa (CRP) enuncia e protege os direitos fundamentais e determina a garantia a que cada um deles é atribuído. Neste âmbito consagra, entre outros, o direito à dignidade da pessoa humana.

Portugal tendo em conta a sua posição no que respeita às suas relações internacionais, torna bem patente a intenção da ordem e paz internacional, concorrendo para tal a proteção do direito à segurança, tal como previsto no artigo 7.º (Constituição da República Portuguesa, 2005):

“ Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.”.

Como direito fundamental, a segurança tem de ser analisada em consonância com o ordenamento jurídico português, quer o constituinte, quer o ordinário, pelo que, quando, por exemplo, se pretenda implementar um sistema de videovigilância em locais de domínio público de utilização comum, não esteja a criar o gérmen corrosivo que possa vir a descredibilizar todo um sistema jurídico-político.

Tendo a polícia a missão de zelar pelo direito à segurança e luta contra o crime, terá sempre como princípio a prevenção enquanto auxiliar privilegiado na redução da criminalidade. A prática normal ou corrente de reagir pós-ato praticado traduz-se numa repressão ostensiva longe daquilo que se pretende com a atuação da polícia. Neste âmbito se pronuncia Germano Marques da Silva quando refere: “As polícias por natureza não têm que ter matérias de função criminal, a polícia é essencialmente preventiva”99.

A Constituição da República Portuguesa consagra como princípio fundamental do Estado de Direito a dignidade da pessoa humana ao lado da soberania popular.

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Como afirmam os professores Gomes Canotilho e Vital Moreira “a dignidade da pessoa humana fundamenta e confere unidade aos direitos fundamentais” (Moreira, 1993), obstando “a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional”, devendo conduzir todo o pensamento e estrutura do Estado à “rejeição de conceções transpessoalistas do Estado e Nação (“tudo pela Nação nada contra a Nação”, “tudo pelo Estado nada contra o Estado”), onde os fins do Estado adquirem substantividade da própria pessoa humana” (Moreira, 1993).

A Constituição proclama não só a dignidade da pessoa humana como “um valor autónomo e específico inerente aos homens em virtude da sua simples personalidade”, mas também uma República que se erige na conceptualização do homem como um sujeito de poderes e de relações de domínio e não como um mero objeto dos poderes do Estado.

A dignidade humana preconiza o respeito pelo direito à vida, artigo 24.º da CRP como direito prioritário e condição de todos os outros direitos das pessoas, cuja proteção deve ser absoluta, uma vez que a Constituição o erigiu a direito fundamental qualificado de tal modo que não pode ser afetado mesmo aquando dos Estados de Sítio ou de Emergência (artigo 19.º da CRP). A dignidade humana proclama o respeito pela integridade moral e física das pessoas no sentido de o ser humano “não ser agredido ou ofendido, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais”. São portanto, proibidas constitucionalmente as ofensas à integridade moral, direito este que é valido contra os demais cidadãos e, principalmente, contra o Estado, cujos planos de intervenção deve abranger o da legislação, o da manifestação criminal, o das instituições prisionais e o das medidas de polícia.

A dignidade da pessoa humana efetiva-se com reconhecimento dos direitos da personalidade consagrados no n.º 1 do artigo 26.º da CRP que estão “diretamente ao serviço da proteção da esfera nuclear das pessoas e da sua vida”. Continuando com Gomes Canotilho e Vital Moreira, há direitos de personalidade que, além de gozarem de proteção civil, gozam de proteção penal e constituem “igualmente limites de outros direitos fundamentais” (Moreira V. , 1993). Quem devassar a vida privada de outrem viola o direito fundamental da reserva da vida privada do ofendido, cujo direito é

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tutelado constitucional, civil e penalmente. Este direito é um limite ao direito de livre expressão e pensamento (artigo 37.º CRP). Por exemplo no direito à imagem, ao bom nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar, aos quais a lei ordinária deve proporcionar garantias efetivas contra a utilização abusiva ou contrária à dignidade humana das informações sobre os cidadãos e as suas famílias (n.º2 do artigo 26.º da CRP) Pode considerar-se estes direitos de personalidade como “corolários do princípio da dignidade humana” (Valente, 1999), cuja restrição não pode ser por motivos políticos e terá de obedecer aos pressupostos e requisitos dos números 2.º e 3.º do artigo 18.º da CRP.

As forças e serviços de segurança preconizam na sua atividade realizar a proclamação do direito à segurança, consagrado na Constituição como “garantia do exercício seguro e tranquilo dos direitos, liberto de ameaças ou agressões”. Ainda neste plano e prosseguindo a partilha da doutrina dos professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito à segurança na sua dimensão positiva traduz-se “ num direito positivo à proteção através de poderes públicos contra agressões ou ameaças de outrem”. A polícia poder-se-á enquadrar como um meio dos poderes públicos de garantir uma proteção eficaz dos outros direitos que estejam a ser ameaçados. Este sistema também pode funcionar como efetivação do direito à segurança numa dimensão negativa, “estritamente ligada ao direito à liberdade, traduzindo-se num direito subjetivo à segurança (direito de defesa perante agressões dos poderes públicos) ” (Canotilho & Moreira, 2014).

Portugal como Estado pertencente à União Europeia, e, tal como os outros Estados-Membros, preconiza o respeito pelos direitos fundamentais. Para que este objetivo se possa cumprir é fulcral a proteção do direito à segurança, pois só desta forma os Estados conseguem claramente manter a sua unidade e manter o equilíbrio das várias instituições, bem como, a proteção dos cidadãos na sua característica consentânea de cidadania.

Nos últimos tempos tem-se assistido a um aumento significativo do sentimento de insegurança o que é expresso pela população. Foi por isso necessário criar normas reguladoras dos vários fatores perturbadores do normal funcionamento da vida societária e das instituições. O sentimento de insegurança surge da realidade imposta

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pelo fenómeno criminógeno e mais concretamente, pelas consequências originadas pelo crime (Dias & Andrade, 1992).

É precisamente por causa do aumento da criminalidade grave e do sentimento de insegurança que surge a necessidade de reforçar o direito à segurança e tal intento só se consegue se se estabelecer novas estratégias securitárias para prevenir o criminoso de agir incontroladamente. Reforça-se a ideia que o exercício, garantia e proteção do direito à segurança interfere diretamente no sentimento de liberdade individual, aquém do que a realidade na prática impõe atualmente (Gonçalves, Alves, & Valente, 2001). Deseja-se, por isso, uma permanente proteção da liberdade, no efetivo respeito pelos direitos consagrados na constituição portuguesa e nos diplomas de direito internacional.

A Constituição da República de 1976 eleva esta necessidade coletiva a direito fundamental100, a que todas as pessoas têm direito e cuja proteção é da

responsabilidade das Forças de Segurança101. Pode-se afirmar que segurança é uma

garantia não só para a execução da liberdade, como também de todos os direitos da personalidade. A liberdade e a segurança andam sempre juntas, uma vez que a liberdade permite o controlo da arbitrariedade e, por sua vez, a segurança permite a realização da liberdade (Amaro, 2000).

100 Conforme decorre do n.º 1.º do art. 27.º da CRP.

101 As autoridades policiais, além de sujeitos de direitos, têm o dever acrescido de garantir o

cumprimento do direito à segurança, Por força do n.º 1.º do art. 272.º da CRP e n.º1 do Preâmbulo da

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