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3. Impactos da crise no Brasil

3.2. Sistema Financeiro

O sistema financeiro brasileiro é bastante sólido e não foi afetado pela crise da mesma forma vista nos países desenvolvidos. Os bancos que atuam no país não se

engajaram nas atividades do sistema conhecido como “originar e distribuir” (do inglês

orginate-and-distribute) e não investiram nos derivativos ligados ao mercado subprime (KREGEL, 2009). De acordo com Carvalho (2009), a principal causa dessa solidez é a manutenção da política de juros altos que, na prática, representa transferência de recursos do Tesouro para os credores do Estado.

Kregel (2009) ressalta que nos mercados financeiros dos países desenvolvidos havia uma discrepância entre a baixa rentabilidade de bancos comerciais e aquela observada nos bancos de investimento. Além disso, vigoravam taxas de juros domésticas baixas e até mesmo negativas, assim mantidas em função de crises anteriores. Em conjunto, estas foram as principais razões para a expansão da securitização no mercado de crédito e dos derivativos ancorados em créditos securitizados.

No caso do sistema bancário do Brasil as altas taxas de juros praticadas internamente garantiram alta rentabilidade aos bancos sem que eles tivessem que incorrer em atividades de risco exacerbado15. Isso também permitiu que os bancos ampliassem a oferta de crédito de maneira lenta e seletiva. Dessa forma, como é possível observar na Tabela 1, os bancos brasileiros puderam manter taxas elevadas de

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Paula e Sobreira (2010) discutem o comportamento do sistema bancários brasileiro durante a crise. Para os autores, a reestruturação do sistema bancário nacional pós-Plano Real, o desenvolvimento de um sólido sistema de regulação providencial, assim como a forma de manejo da dívida pública frente às crises externas foram condições importantes para o que o sistema bancário evitasse a crise sistêmica que se colocava como uma possibilidade.

rentabilidade - mesmo no contexto da crise - superiores às observadas nos países desenvolvidos e em outros países emergentes.

Tabela 1 – Bank Return on Equity (em porcentagem)

Fonte: FMI, Global Financial Stability Report, Abril 2009, Tabela 27.

O forte crescimento da economia nacional, que se acelerou em 2007, impulsionou a demanda de crédito das empresas e, pelo lado da oferta, estimulou a ampliação das linhas de crédito para estas, principalmente na modalidade de capital de giro.

Assim, no contexto de elevação do custo de captação das empresas nos mercados de capitais internacional e doméstico, alguns bancos passaram a oferecer empréstimos vinculados às operações com derivativos de dólar em condições de custo mais favoráveis. Nessas operações de crédito, os bancos ofereciam recursos às empresas com dupla indexação: taxas entre 50% e 75% dos juros do Depósito Interfinanceiro (CDI) e variação cambial a partir de

uma cotação predeterminada. (FREITAS, 2009 – p. 131)

É importante notar que a taxa de câmbio estava em trajetória de apreciação desde 2003, o que criava dificuldades para as empresas exportadoras. Várias firmas passaram a realizar operações de hedge, prevenindo-se de futuras depreciações do dólar16. Além disso, os bancos que haviam lucrado apostando contra o real na crise cambial de 1999, reverteram sua estratégia, acreditando na hipótese de descolamento da economia brasileira e na consequente continuidade da tendência de apreciação cambial (KREGEL, 2009).

De acordo com Freitas (2009), a relativa estabilidade da taxa de câmbio levou bancos e empresas a subestimar o risco de operações com derivativos cambiais, que foram oferecidas indistintamente às empresas exportadoras e não exportadoras de diversos portes, construtoras e, até aos bancos de médio porte. Contudo, com o acirramento da crise em 2008, o movimento de fuga de capitais provocou rápida

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De acordo com Oreiro e Basilio (2010), as firmas exportadoras utilizavam derivativos de câmbio para recuperarem financeiramente as perdas operacionais.

País 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Último Brasil 21,1 22,1 29,5 27,3 28,9 20,4 Outubro Rússia 17,8 20,3 24,2 26,3 22,7 12,1 Setembro China - 13,7 15,1 14,8 19,9 - Junho Índia 18,8 20,8 13,3 12,7 13,2 12,5 Março Japão -2,7 4,1 11,3 8,5 6,1 3,0 Setembro EUA 15,0 13,2 12,7 12,3 7,8 3,3 Setembro

depreciação cambial17, dificultando sobremaneira o pagamento de vários contratos corporativos. Kregel (2009) afirma que, em 2008, a exposição a esse tipo de derivativo era estimada em torno de R$ 49 a R$ 74 bilhões.

Para Oreiro e Basilio (2010 – p. 245):

It is important to emphasize that the substantial depreciation of the nominal exchange rate after the bankruptcy of Lehman Brothers was not the result of capital flight or the reduction of international credit lines for Brazilian firms, but the consequence of an increase in the precautionary demand for foreign currency in order to face the debt commitments of exchange-rate derivatives.

Os autores argumentam que, em setembro de 2008, de acordo com dados do BC, a entrada líquida de recursos no Brasil foi da ordem de US$ 2 bilhões e foi observada forte depreciação do real. Dado isso, a explicação seria que a pressão altista do dólar foi provocada pelo aumento da demanda de residentes no mercado a vista de divisas.

Grandes empresas como Sadia, Aracruz e Votorantim declaram fortes perdas relacionadas a derivativos cambiais (KREGEL, 2009). Somado a isso, o acirramento da crise provocou a quase paralisia das linhas externas de crédito para o comércio, comprometendo as renovações dos Adiantamentos de Contrato de Câmbio (ACC) e provocando a redução dos prazos. Aliados a esses acontecimentos, as perdas com derivativos de dólar desencadearam o crescimento da aversão ao risco e da preferência pela liquidez dos bancos.

O mercado interbancário doméstico foi comprometido, pois, os bancos desconheciam a exposição dos demais participantes aos derivativos cambiais. Dessa

forma, ocorreu o chamado “empoçamento de liquidez” com redução da oferta de crédito

para empresas e pessoas físicas e fuga para títulos públicos, movimento favorecido pela elevação da meta da SELIC em setembro de 2008 (FREITAS, 2009).

Os maiores prejudicados por esse processo foram os bancos de pequeno e médio porte. Essas instituições já apresentavam maiores dificuldades de captação em função de mudanças recentes ligadas à tentativa do Banco Central de desacelerar o crédito e conter a inflação18. Dessa forma, suas principais fontes de captação eram o mercado externo e

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O real se depreciou 22,7% entre 15 de setembro e 15 de outubro de 2008 (FREITAS, 2009).

18“A primeira delas foi a instituição, no mês de janeiro, de recolhimento compulsório sobre os depósitos

bancários das empresas de leasing, que captavam recursos para os seus controladores bancários mediante a emissão de debêntures. Esse compulsório resultou na retração das emissões de debêntures pelas empresas de leasing e no acirramento da concorrência entre os bancos grandes para a captação de recursos mediante certificados de depósito bancário (CDB), o que se traduziu na elevação dos juros oferecidos aos clientes e no oferecimento de liquidez diária para os depósitos até dois anos após o prazo inicial de dois a três meses. O aumento dos juros dos CDB pressionou para cima as taxas de juros dos instrumentos de dívida direta emitidas pelas empresas não financeiras no mercado de capitais, como as

Certificados de Depósito Bancário (CDB) - emitidos a custos altos em função da disputa por recursos (FREITAS, 2009). Esse primeiro canal, de acordo com Mesquita e Torós (2010) foi largamente utilizado pelos bancos de pequeno e médio porte no contexto de alta liquidez internacional19.

Assim, com a redução dos fluxos de capital para as economias emergentes e com o aumento da aversão ao risco, as instituições de médio e pequeno porte, dependentes do mercado interbancário, incorreram em sérios problemas de liquidez (FREITAS, 2009). Além disso, como afirma Mesquita e Torós (2010), ao contrário dos bancos maiores, cujas captações ocorrem principalmente via depósitos a vista e de forma pulverizada, essas instituições captam via CDB e possuem uma base de depositantes mais concentrada. Com o aumento da percepção de risco, vários depositantes transferiram seus recursos para instituições de maior porte, acirrando as dificuldades já existentes.

De acordo com Alfaro e Kanczuk (2009), o crescimento negativo no PIB brasileiro que se seguiu ao acirramento da crise tem, como componente principal, o crédito. Segundo os autores, a redução no volume de empréstimos e financiamentos foi o principal canal pelo qual a crise afetou a economia real. Tal queda pode ser vista como fruto de uma maior preferência pela liquidez dos bancos frente à incerteza provocada pela crise de forma geral e, em particular, pela elevada depreciação cambial e contração na liquidez internacional.