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Sistema geral de comunicações do Reino segundo o decreto de

Lisboa e Vila Nova de Gaia, no ano de 1864, a qual reduziu para cerca de 12 horas a distância entre as duas principais cidades portuguesas.166 Encurtada a distância-tempo entre Lisboa e Porto a deslocação da Guarda para estas duas cidades saiu beneficiada e algo reduzida, mas a ligação de Coimbra (na Linha do Norte) para o interior tornava ainda morosa a viagem.167

A década de 1860, para além dos incrementos ferroviários, com a abertura das linhas do Leste (1863) e do Norte (1864) e dos avanços na Linha do Sul (até Beja) e do Sueste (até Évora), a rede de estradas sofreu também um grande desenvolvimento com a publicação do decreto de 15 de julho de 1862. Este estipulava três tipos de estradas, reais, distritais e municipais, as características destas e as responsabilidades de construção e manutenção das mesmas. Este decreto definidor do sistema geral de comunicações do reino (...) viria a

constituir a base da classificação e estrutura da rede viária até ao Plano

Rodoviário Nacional de 1985 (...)168

Tal como podemos constatar pelo Mapa XI,169 que diz respeito ao referido decreto de 1862, embora se

166 A Linha do Norte, entre Lisboa e Porto só foi definitivamente concluída em 1877 com a inauguração

da Ponte D. Maria Pia. Em 1865 a duração da viagem de Lisboa até Vila Nova de Gaia referida no

Roteiro do Viajante era de aproximadamente 12 horas (demorava 8 horas a chegar a Coimbra), a título de

exemplo o comboio da manhã saía de Lisboa às 7:39 horas, chegava a Coimbra às 15:37 horas e a Vila Nova de Gaia às 19:40 horas, o percurso era feito a uma velocidade média de 35 km por hora, ABREU (1865: 302-305).

167

Para uma melhor visão do que era viajar em Portugal entre os anos de 1845 e 1896 consultar o excelente artigo de, PEREIRA (2011: 25-40).

168 PACHECO (2004: 23).

169

O Mapa XI foi adaptado de, Systema geral das communicacões do reino a que se refere a carta de lei

continue a privilegiar as ligações com os portos marítimos e os cursos de água navegáveis, há já uma preocupação em criar um maior número possível de ligações com os distritos do interior, como o caso do distrito da Guarda.170

Um outro aspeto interessante do referido decreto de 1862 prende-se com a forma como poderá ter sido feita a distribuição da rede de estradas, que pode muito bem apontar para as solicitações existentes do tráfego comercial da época.171

Passemos então à análise dos fluxos de comércio de e para o distrito da Guarda à entrada da década de 1860, antes da abertura das primeiras linhas de caminho de ferro em território português, ou seja ainda antes do impacto que estas tiveram nos fluxos de comércio nacional e regional.

No início da década de 1860, devido à lentidão dos transportes terrestres que acabámos de constatar, tínhamos um país caracterizado por uma economia de mercados locais circunscritos a pequenos espaços geográficos, em detrimento de uma economia de âmbito nacional.172 No entanto apesar desta constatação existia um comércio itinerante que percorria principalmente os espaços geográficos que ligavam com as zonas de navegabilidade aquática.

Até à chegada do comboio o comércio itinerante por terra efetuado pelo interior era assegurado, desde tempos imemoráveis, pelos carreteiros, bufarinheiros, vendilhões e nomeadamente pelos almocreves, unanimemente considerados (...) pela sua

mobilidade e número, a coluna vertebral das comunicações interiores por terra. (...) 173

Estes viajavam quase sempre em grupo e transportavam as mercadorias em animais ou em carretas que faziam deslocar por todo o tipo de percursos, estradas, veredas e caminhos vicinais, que serpenteavam o relevo montanhoso das regiões do interior e que por vezes se detinham perante rios ou ribeiras, onde a inexistência de pontes os levava a cruzar os rios a vau ou por pontões. Nestas deslocações transportavam todo o tipo de mercadorias, desde produtos agrícolas (nomeadamente cereais, vinho e azeite), passando por produtos industriais e mercearias diversas e

170 Neste ponto o sistema de comunicações de 1862 representou um grande avanço relativamente ao de

1854 como se poderá comprovar em, Systema geral das communicacões do reino a que se refere a

proposta de lei datada de 28 de fevereiro de 1854, Lisboa, fevereiro de 1854.

171 “(...) Esta hipótese é plausível atendendo a que a maior densidade se encontra no litoral a norte de

Setúbal (sobretudo no Minho), em partes do Ribatejo próximas de Lisboa e no litoral Sul, áreas onde a densidade de tráfego, tanto nos rios como na estradas e portos, era grande já antes do caminho de ferro(...)” ALEGRIA (1990: 122 ss.).

172

JUSTINO (1988: 170).

acabando no sal e peixe das zonas litorais. A transação de todos estes produtos era feita nomeadamente nas feiras e nos mercados de âmbito regional.174

Entre os anos de 1851 e 1852 o distrito da Guarda possuía 27 feiras e mercados anuais, 31 mensais e 4 semanais. A nível distrital destacava-se pela sua dimensão a feira de São Bartolomeu em Trancoso, a nível da cidade da Guarda as feiras de São Martinho (quinzenal e de âmbito local),175 de S. João e de São Francisco que duravam mais de uma semana.176 O Mercado mais importante era o de Celorico da Beira. Para além destas feiras e mercados, as povoações de Pinhel, Vila Nova de Foz-Coa, Almeida, Figueira Castelo Rodrigo e Sabugal também se destacavam pela importância que a sua atividade comercial gerava.177

Dos fluxos comerciais do distrito da Guarda e tendo por base a análise feita por David Justino178 ao todo nacional, há a considerar o movimento no sentido da fronteira com Espanha e no sentido das zonas litorais para o distrito da Guarda e vice-versa.

Comecemos pelo comércio da fronteira com Espanha. Com efeito a parte leste do distrito da Guarda, que compreende os concelhos de Vila Nova de Foz-Coa, Figueira Castelo Rodrigo, Almeida e Sabugal, têm fronteira com o país vizinho. Em 1875, os principais entrepostos fronteiriços eram a Alfândega de 2.ª classe de Aldeia da Ponte, com as delegações de 1.ª ordem de Almeida e Vilar Maior e de 2.ª ordem de Vale de Espinho.179

Almeida e Pinhel são neste âmbito os grandes polos dinamizadores que chamam a si o comércio de cereais que vem de Espanha (por via legal ou clandestina) e de lãs para abastecer a indústria têxtil. Do distrito saíam nomeadamente os têxteis nacionais e importados de Inglaterra, que por esta fronteira eram reexportados. Também saíam animais e os despojos destes.180

Relativamente ao fluxo do distrito para as zonas litorais há a evidenciar, como já foi referido a atração dos dois polos urbanos de Lisboa e Porto, e em menor volume de Coimbra e dos portos da Figueira da Foz, Aveiro e Ovar. Voltando ao Mapa IX e tendo

174 MENDES (julho de 1993: 370 ss.).

175 MENDES (julho de 1993: 370 ss.).

176 RODRIGUES (2001: 7).

177 JUSTINO (1988: 170 ss.). Agostinho Rodrigues de Andrade no seu Diccionario Chorographico de

1878 refere Celorico da Beira como a vila que faz um dos melhores mercados de toda a Beira e Pinhel como polo de comércio de objetos de lã e seda. ANDRADE (1878).

178 Apanhado do capítulo 5, o comércio interno, JUSTINO (1988: 167-303).

179

PERY (1875: 67 ss.).

por base os referidos polos atrativos e o corredor mais rápido de acesso a estes por via aquática, leva-nos a concluir a existência de três a quatro corredores comerciais:

 a norte pelo Rio Douro, através dos portos de Barca d`Alva e de Vila Nova de Foz-Coa em direção ao Porto, por onde se escoava nomeadamente o trigo proveniente de Espanha e dos concelhos de Figueira Castelo Rodrigo e Almeida (que como vimos registavam níveis de produção elevados a nível distrital), o vinho dos concelhos do vinho generoso (Foz-Coa, Meda e Figueira Castelo Rodrigo) e o gado que entrava de Espanha e que era comercializado nas feiras de Figueira Castelo Rodrigo, Pinhel, Almeida e Sabugal;

 a Oeste pelo Rio Mondego, através do porto da Foz-Dão181

onde embarcavam os produtos vindos do interior, que ali chegavam pelo vale do Mondego e que seguiam depois em direção a Coimbra e ao porto da Figueira da Foz, por onde se escoava nomeadamente os vinhos do Dão e têxteis dos concelhos de Gouveia e Seia, neste fluxo assumia importante papel as Feiras de Mangualde e Viseu (de Viseu este fluxo poderia também seguir o vale do Vouga até aos portos de Aveiro e Ovar);

 a Sul pelo Rio Tejo, através do porto de Abrantes (porto este que constituía a vai axial de ligação entre o Norte e Sul)182 onde embarcavam os produtos vindos do interior, que ali chegavam por percurso terrestre, via Covilhã, Alpedrinha e Castelo Branco ou via Sabugal, Penamacor e Castelo Branco, e que seguiam depois em direção a Lisboa, por onde se escoavam nomeadamente cereais, gado bovino e lanifícios das fábricas do distrito (que também eram comercializados na feira de Évora).

Relativamente ao fluxo comercial contrário, de Lisboa e Porto para o distrito da Guarda os percursos eram os mesmos, variando apenas os produtos transportados: de Lisboa vinham os cereais, géneros coloniais ou géneros de mercearia (açúcar, café e arroz), ferro, peixe e sal; e do Porto vinham o sal, ferro e outros metais, panos de lã e algodão e géneros coloniais. A ligação de Évora para Abrantes e norte raiano era também uma via de penetração, nomeadamente para os cereais, assim como os portos da Figueira da Foz, Aveiro e Ovar, para o abastecimento do essencial sal e peixe.

181 A Foz-Dão “(...) é um dos portos mais importantes do Mondego pois exporta para a Figueira e

Coimbra muitos vinhos da Beira Alta (...)” ANDRADE (1878: 81).

Mapa XII – Principais fluxos comerciais do e para o distrito da Guarda