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Sistema Nacional de Atendimento às Medidas Socioeducativas

O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, SINASE (Lei 12.594/12), organiza e avalia as medidas socioeducativas elencadas no artigo 112 do Estatuto. No caso da medida de internação, o artigo 94 determina:

As entidades que desenvolvem programas de internação têm as seguintes obrigações, entre outras: I - observar os direitos e garantias de que são titulares os adolescentes; II - não restringir nenhum direito que não tenha sido objeto de restrição na decisão de internação; III - oferecer atendimento personalizado, em pequenas unidades e grupos reduzidos; IV - preservar a identidade e oferecer ambiente de respeito e dignidade ao adolescente; V - diligenciar no sentido do restabelecimento e da preservação dos vínculos familiares; VI - comunicar à autoridade judiciária, periodicamente, os casos em que se mostre inviável ou impossível o reatamento dos vínculos familiares; VII - oferecer instalações físicas em condições adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança e os objetos necessários à higiene pessoal; VIII - oferecer vestuário e alimentação

suficientes e adequados à faixa etária dos adolescentes atendidos; IX - oferecer cuidados médicos, psicológicos, odontológicos e farmacêuticos; X - propiciar escolarização e profissionalização; XI - propiciar atividades culturais, esportivas e de lazer; XII - propiciar assistência religiosa àqueles que desejarem, de acordo com suas crenças; XIII - proceder a estudo social e pessoal de cada caso; XIV - reavaliar periodicamente cada caso, com intervalo máximo de seis meses, dando ciência dos resultados à autoridade competente; XV - informar, periodicamente, o adolescente internado sobre sua situação processual; XVI - comunicar às autoridades competentes todos os casos de adolescentes portadores de moléstias infectocontagiosas; XVII - fornecer comprovante de depósito dos pertences dos adolescentes; XVIII - manter programas destinados ao apoio e acompanhamento de egressos; XIX - providenciar os documentos necessários ao exercício da cidadania àqueles que não os tiverem; XX - manter arquivo de anotações em que constem data e circunstâncias do atendimento, nome do adolescente, seus pais ou responsável, parentes, endereços, sexo, idade, acompanhamento da sua formação, relação de seus pertences e demais dados que possibilitem sua identificação e a individualização do atendimento. [...]

§ 2º No cumprimento das obrigações a que alude este artigo, as entidades utilizarão preferencialmente os recursos da comunidade. (Art.94/ECA)

O SINASE descreve os mecanismos que orientam o conjunto de estratégias ou dispositivos dirigidos ao adolescente autor de ato infracional. Quando o adolescente é encaminhado para uma instituição de privação de liberdade, significa que lhe foi negada a possibilidade de se responsabilizar pelo ato junto à sua comunidade. O dispositivo socioeducativo desenha uma nova geografia de suas experiências de vida. Leva sua família a ser atravessada igualmente por esse contexto (a limitação de contato ou o estabelecimento de um contato formal institucionalizado, quando antes, talvez, sequer houvesse tal proximidade do jovem com a família).

O artigo 110 afirma que nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal. Definida uma medida de internação, conforme o artigo 123, “deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração” (Art.123, ECA). Os direitos garantidos ao adolescente internado aparecem no artigo 124:

I - entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público; II - peticionar diretamente a qualquer autoridade; III - avistar- se reservadamente com seu defensor; IV - ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada; V - ser tratado com respeito e dignidade; VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável; VII - receber visitas, ao menos semanalmente; VIII - corresponder-se

com seus familiares e amigos; IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; XI - receber escolarização e profissionalização; XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer; XIII - ter acesso aos meios de comunicação social; XIV - receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje; XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade; XVI - receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade.

§ 1º Em nenhum caso haverá incomunicabilidade.

§ 2º A autoridade judiciária poderá suspender temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsável, se existirem motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente. (Art.124/ECA)

Os artigos do ECA servem de diretrizes, mas não dão subsídios suficientes para a formatação estrutural e técnica, tampouco estabeleceram critérios de avaliação. Destarte, no ano de 1991, foi criado o CONANDA, conselho que se ocuparia da elaboração dos parâmetros de atendimento, sendo o responsável pelas políticas de atenção à infância e juventude. O Sistema Nacional Socioeducativo foi, assim, gestado pelo CONANDA10. Em 2002, seguindo critérios do Sistema de Garantia de Direitos e da Gestão Participativa, o CONANDA, a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), a Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância e Juventude (AMBP) e o Fórum Nacional de Organizações Governamentais de Atendimento à Criança e ao Adolescente (FONACRIAD) reuniram-se para avaliar e debater a proposta de lei de execução de medidas socioeducativas da ABMP, incluindo diretrizes e parâmetros de criação e modificação de unidades de atendimento ao adolescente autor de ato infracional. Em fevereiro de 2004, CONANDA e SEDH uniram-se ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), criando o documento-modelo do SINASE, avaliado em novembro de 2004 por aproximadamente 160 pessoas envolvidas diretamente com o Sistema de Garantias de Direitos. Em 2006, acontece a publicação do primeiro modelo oficial das medidas socioeducativas, 16 anos após o Estatuto. Esse modelo é finalmente promulgado pela Lei 12.594, em 18 de janeiro de 2012 (entrando em vigor no dia 19 de abril de 2012).

10

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Lei Federal 8.242, de 12 de outubro de 1991.

Os governos estaduais e o Distrito Federal são os gestores das medidas de internação, conforme a lei 12.594/12. O artigo 3º § 3º indica o CONANDA como instituição responsável pelas deliberações finais de como se processarão as ações e gestão do SINASE. Como o SINASE foi promulgado em 2012, a primeira Avaliação Nacional do Atendimento Socioeducativo acontecerá, conforme o artigo 18 §3º, em 2015, com o acompanhamento do Poder Legislativo Federal.

Os dados mais recentes11 sobre a distribuição das unidades socioeducativas (internação, semiliberdade, internação provisória) seguem abaixo:

UNIDADES PROGRAMAS EXECUTADOS

179 124 Internações exclusivas

55 Internações provisórias exclusivas 110 Semiliberdade exclusiva

16 Atendimento inicial exclusivo 130 Mistas

(internação, internação provisória, semiliberdade, atendimento inicial) 435 Total de Unidades

Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo de 2010 (SEDH, 2011, p.17).

Segundo o mesmo levantamento, 19 unidades federativas não possuem localidades de atendimento inicial. Outros três Estados não possuem programas de semiliberdade. Comparando com o levantamento de 200212 (190 unidades de internação e 76 de semiliberdade), o acréscimo em oito anos foi de 64 unidades de internação (total de 254 na soma das unidades exclusivas e mistas acima) e de 34 unidades de semiliberdade (110, conforme o quadro).

No SINASE, destacamos a obrigatoriedade do Plano Individual do Adolescente (Capítulo IV, artigos 52 a 59). O PIA desenha as linhas de ação, relatórios da medida, além de registrar toda a história do adolescente autor de ato infracional pelos corredores institucionais. O plano individual concretiza dispositivos minuciosos da biopolítica foucaultiana, que será detalhada ainda nos próximos capítulos. Seguiremos os itens dos artigos 54 e 55 do SINASE, nos quais encontramos o detalhamento do Plano.

Art. 54. Constarão do plano individual, no mínimo:

11

Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República – SEDH/PR. Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em 2010. Brasília, 30 de junho de 2011.

12

Enid Rocha, Mapeamento nacional da situação das Unidades de execução da medida socioeducativa

de privação de liberdade ao adolescente em conflito com a lei. Brasília, IPEA/DCA-MJ, 2002.

I - os resultados da avaliação interdisciplinar: produzida pela equipe

técnica da instituição, em geral ficando a cargo do técnico de referência e da professora, além do Diretor responsável pelo Centro Socioeducativo (CSE).

II - os objetivos declarados pelo adolescente: eles costumam reproduzir

as demandas esperadas pela sociedade: recuperação, sair das drogas, trabalhar, virar cidadão de bem, entre outras.

III - a previsão de suas atividades de integração social e/ou capacitação profissional: aspecto logístico que cabe a cada instituição,

que é signatária da lei que a rege (ECA). Em geral, aparecem no plano os acompanhamentos em sala de aula, periodicidade do atendimento do técnico de referência, acompanhamento jurídico, inclusão em cursos oferecidos dentro e fora da Unidade (Art.55, inciso II).

IV - atividades de integração e apoio à família;

V - formas de participação da família para efetivo cumprimento do plano individual. (Art.54, SINASE, grifos nossos)

A despeito do que se preconiza nos itens IV e V supracitados, estes são pontos de difícil conquista. Alguns jovens permanecem em instituições distantes de casa ou mesmo em outros municípios, como no Centro Socioeducativo pesquisado neste trabalho, localizado na região metropolitana de Belo Horizonte. Há um esforço por parte da instituição para que os familiares compareçam às visitas e mantenham contato telefônico. Muitos familiares se fizeram presentes, por exemplo, nos festejos juninos da unidade pesquisada. Entre parentes, internos e equipe era possível saber

quem eram os adolescentes autores de ato infracional. Todos vestiam bermuda,

camiseta e chinelos. Mas o que chamou a atenção não foi a indumentária – até porque alguns visitantes também trajavam o mesmo conjunto –, e sim o comportamento de todos os internos de circular pela festa com as mãos para trás. Conforme o item VI do artigo 54, que lista ao indivíduo “as medidas específicas de atenção à sua saúde” (Art.54, SINASE, grifos nossos), como consultas, acompanhamento de doenças e transtornos pré-existentes, ou surgidos durante a internação, foi possível verificar dois jovens entrevistados que foram submetidos a tratamentos. Um sofreu acidente em jogo de futebol e fazia acompanhamento na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Ribeirão das Neves. O outro fazia uso de medicamento antipsicótico, mas sem regularidade, quando foi encaminhado para a unidade, sendo reestabelecido o seu protocolo de tratamento. Percebi, durante a entrevista, que ele parecia impregnado pela medicação. Devido a esse fato, a Direção da Unidade me encaminhou a outro adolescente.

Já o Artigo 55, de Parágrafo único, diz o seguinte: “O PIA será elaborado no

prazo de até 45 (quarenta e cinco) dias da data do ingresso do adolescente no programa de atendimento”. Em contato com esses adolescentes, pude acompanhar o planejamento dessa rotina, que segue desde a hora de acordar, estudar, ou quando vão se alimentar, descansar (que eles nomeiam como “tranca”), mesmo refletir sobre

seus atos, além do encontro com seu técnico de referência. A quantidade de roupas é a mesma: sete. São bermudas, camisas, cuecas, um par de chinelos e um boné. Os produtos de higiene são oferecidos pela instituição. O processo de lavagem de roupas organiza-se em função dos núcleos de adolescentes, que colaboram com o trabalho da lavadeira; ajudam a estender, dobrar e redistribuir para os demais.

Os dispositivos que operam no modelo de internação socioeducativa observados nos artigos apresentados condizem com as regras que devem ser instituídas pelas secretarias estaduais de competência, definidas por cada Estado da Federação e pelo Distrito Federal. No Estado de Minas Gerais, a pasta de medidas socioeducativas restritivas de liberdade é de responsabilidade da Secretaria de Defesa Social, e mais especificamente, da Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas.

5. A Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) e a Subsecretaria de