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SISTEMA PENAL E REPRODUÇÃO DA REALIDADE SOCIAL

~ CRIMINOLOCIA CRiTICA E CRiTICA DO DIREITO PENAL

XIII. SISTEMA PENAL E REPRODUÇÃO DA REALIDADE SOCIAL

1. OSl,TEMA £\l:OLAR COMO PRIMEIRO SEGMENTO LX) APARATO

DE SELEÇ"ÃOE DE MARGINALlZAÇ"ÃO NA SOCIEDADE

Os resultados das pesquisas sobre o sistema escolar nos per- mitem atribuir ao novo sistema global de controle social, através da socialização institucional, a mesma função de seleção e de marginalização que, até agora, era atribuída ao sistema penal, por quem repercorre a história sem idealizá-la:

"A história do sistema punitivo - escreve Rusche - é mais que a história de um suposto desenvolvimento autônomo de algu- mas "instituições jurídicas". É a história das relações das "duas nações", como a chamava Disraeli, das quais são compostOs os ;loves: os ricos e os pobres"!.

Acomplementaridade das funções exercidas pelo sistema esco- lar e pelo penal responde à exigência de reproduzir e de assegurar as relações sociais existentes, isto é, de conservar a realidade social. Esta realidade se manifesta com uma desigual distribuição dos recursos e dos benefícios, corr~spondentemente a uma estratificação em cujo fundo ~ soci~da4~_capttª-!ist,!ges.~l1_~()l.~_~on~Ç9nsis~nl~s-ª-~_s!Jb.: desenvolvimento ~...ge.t::tla.!,g!l1-ª1.i~~çªg,.

---X

frase de Rusche mantém hoje a sua fundamental validade, também na nova perspectiva do tratamento penal como socializa- ção substitutiva. Deste ponto de vista tem-se observado que:

A instituição do direito penal pode ser considerada, ao lado das instituições de socialização, como a i.nstância de asseguramento da realidade social Odireito penal realiza, no extremo inferior do

continuum, o que a escola realiza na zona média e superior dele: a

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separação do joio do trigo, cujo efeito tiOmesmo tempo constitui e

legitJina a escala social existente e, desse modo. asse"ura umap'lirte;J J é::'

essencial da rea1Jdade saciar.

Éna zona mais baixa da escala socialque a função selecionadora do sistema se transforma em função marginalizadora, em que a li- nha de demarcação entre os estratos mais baixos do proletariado e as zonas de subdesenvolvimento e de marginalização assinala, de fato, um ponto permanentemente crítico, no qual, à ação reguladora do mecanismo geral do mercado de trabalho se acrescenta, em certos casos, a dos mecanismos reguladores e sancionadores do direito. Isto se verifica precisamente na criação e na gestão daquelª-.z.:Q!J.ª,-.12£lrti- cular de marginalização pe é a população criminosa,

Sob o pesado véu de

p~do~ê

-d~Iãlsã-cõ;\;;iê;{~fa que aqui se estende, não sem a contribuição de uma parte da sociologia oficial, com a imagem falaz de uma "sociedade das camadas médias" a

,

estratificação social, isto é, a desigual repartição do acesso aos re- cursos e às chances sociais, é drástica na sociedade capitalista avan- çada. O ascenso dos grupos provenientes dos diversos níveis da escala social permanece um fenõmeno limitado ou absolutamente excepcional, enquanto o auto-recrutamento dos grupos sociais es- pecialmente dos inferiores e dos marginalizados3 é muito mai; re-

levante do que parece à luz do mito da mobilidade social.

O sistema escolar, no conjunto que vai da instrução elementar à média e à superior, reflete a estrutura vertical da sociedadee contribui para criá -la e para conservá -la, através de mecanismos de seleção discriminação e marginalização. As pesquisas na matéria mostra~ qu~, nas soci~dadescapitalistas, mesmo nas mais avançada~ a distri- bUiçãodas sanções positivas (acessoaos níveis relativamente mais ele- yados de instn!çiliU.é inversamente proporcional à consistência nu~ méric.a dos estr~tos soci~_~ue, corres.pondentel!~!lt~~..ª~~!1_ç~S ~!iva~~~~~tIçãC?_~t:.1:!.t:l9~,9.~.~Iª~ifj.~açI!º,in.~!'Çãoem escolas es-

~ciais) ~_a_lJll..!~!ltª,111_de..mººº- .ç!~~p-rQl2orciorl1!Lgu<Üidº~;~di$Ç~_ªQ~ ..Jlíyei.unf~T~ºr~$_ªa~~('\Jª_~~ªI,('Qm .~I~y.ª-cU~~inlº~__percentuais no ...,9so ç!~.9_V~lJ.$_Pr.ºY~IÜ(;:IJ.~s.._et.(;:_z.;oflª.~d~_mªrghlillj~.ão~Ç>Çiª1.(s/ulllS"

__~ trabªlbªª9Ies estrangeiros).

Assim, por exemplo, em algumas amostras da República Fe- deral da Alemanha se verificou que só cerca de 20% dos meninos

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das escolas especiais provêm das camadas médias, e cerca de 80% provêm, ao contrário, dos estratos inferiores do proletariado4, en- quanto os meninos provenientes de famílias sem-teto ou que mo- ram em barracas são encaminhados às escolas especiais em um percentual de40 a80%5,

Aobservação do que ocorre na escola média confirma este ele- mento constante da diferenciação social no ãmbito do sistema esco- lar, nos países capitalistasG, A desmistificação que tem sido feita das

técnicas de seleção baseadas sobre "coeficiente de inteligência" e outros testes análogos, retira à diferenciação social no âmbito do sis- tema escolar a aparência legitimante de uma justa promoção social dos indivíduos, segundo o seu talento e a sua atitude'.

A outra freqüente legitimação da diferenciação social no âm- bito do sistema escolar se baseia no conceito de mérito. A crítica deste conceito colocou em relevo, sobretudo, como no caso dos testes de inteligência, que as diferenças de desenvolvimento men- tal e de linguagem que os meninos apresentam no seu ingresso no sistema escolar são o resultado das diversas condições sociais de origem. Com o sistema dos testes de inteligência e do mérito esco- lar estas diferenças são aceitas acriticamente e perpetuadas. A crítica se dirige, em seguida, particularmente sobre as caracterís- ticas dos critérios de juízo e do mundo dos valores, conforme aos quais o mérito escolar é avaliado, e sobre a limitada objetividade desta avaliação. Isto levou a evidenciar os efeitos discriminatórios do sistema escolar sobre meninos provenientes dos estratos inferiores do proletariado e dos grupos marginais. Uma das pri- meiras razões do insucesso escolar consiste, no caso dos meninos provenientes destes grupos, na notável dificuldade de se adapta- rem a um mundo em parte estranho a eles, e a assumirem os seus modelos comportamentais e lingüísticos. A instituição escolar re- age, geralmente, a estas dificuldades, antes que com particular compreensão e cuidado, com sanções negativas e com exclusão, como demonstra o fato de que as escolas especiais tendem a ser as normais instituições escolares para os meninos provenientes de grupos marginais. Tem-se observado que, em relação a eles, a escola é um tal instrumento de socialização da cultura dominante das camadas médias, que ela os pune como expressão do sistema de comportamento desvianté.

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2. FUNÇÃO IDEOLÓCICA DO PRINCÍPIO MERITOCR.ÁTICO NA ESCOLA

A atitude do professor em face do menino proveniente de gru- pos marginais é caracterizada por preconceitos e estereótipos ne- gativos, que condicionam a aplicação seletiva e desigual, em pre- juízo deste, dos critérios do mérito escolar.

"A injustiça institucionalizada" das notas escolares9 é, na reali-

dade da escola, um típico exemplo de percepção seletiva da realida- de. Esta faz com gue os "maus" alunos sejam, geralmente, conside- rados de modo mais desfavorável do que mereceriam, ~nquanto o ~contráriQ_~orr~ CO!!!.Q~~,-ºº!1~~~.ª!!l!lº~IO.Antigas e recentes pesqui-

sas colocam em evidência que a quota de erros desconsiderados pelo professor é menor no caso dos "maus" alunos do que no caso dos "bons" alunos, e que, no caso dos primeiros, são destacados mais freqüentemente erros inexistentesl1•

A análise do mecanismo discriminatório na escola não se en- cerra aqui. O fenômeno da self-fullfiJling profecy2, considerado

na sociologia do desvio no ãmbito do labeling approach - fenô- meno para o qual a expectativa do ambiente circunstante determi- na, em ~l1edidanotável, o comportamento do indivíduo -, tem sido observado por Robert Rosenthal e Lenore Jacobson, na realidade escolarl3.

Pesquisas ulteriores14 ~QJ1firmarama correlação do rendimento

escolar com.ªp~rç.~ª()_qt:l~.Qm~n!!}ºJ~.mào j~ím.~.@~x~.Jiv~ '.d~l~~~;t;~;l~ rel;ção a ele. No caso do menino proveniente de grupos

mal:giilais, a escolaé,pÕis,não raramente, a primeira volta da espiral que o impele, cada vez mais, para o seu papel de marginalizado.

Enfim, a ação discriminante da escola, através dos próprios órgãos institucionais, é integrada e reforçada pela relação que se estabelece, no seio da comunidade da classe, entre os "maus" esco- lares e os outros. Intervém, assim, no microcosmo escolar, aquele mecanismo de ampliação dos efeitos estigmatizantes das sanções institucionais, que se realiza nos outros grupos e na sociedade em geral, com a distância social e outras reações não-institucionais. O "mau" aluno tende a ser rejeitado e isolado pelos outros meninos: para isto concorre, também, a influência que os genitores exercem sobre as relações entre escolares, influência que tende, geralmente, a discriminar aqueles provenientes das camadas mais débeis.

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À reação de distância social se agrega, na comunidade esco- lar assill1 como na sociedade em geral, o caráter simbólico da pu- nição. Est~-proàuz a transferê.ncia do mill.ga culpa s.9br~.J.llll'! minoria estigmatizada, e ag~j:omo [ªl.9...Lª~..iD~g!,~ão. da mai()!.:!,!, recompensa1!do ....QL!!ãQ-e~!!gm? ti~dos _U.2nvalidand9 __()s s~l:l_s modelos de comportam~nJº~ As pesquisas realizadas nas comuni- dades escolares, sob este ponto de vista15,tendem a interpretar aque-

las atitudes negativas como mecanismos de autodefesa, mediante os quais o insucesso dos outros reprime o medo do próprio insucesso e cria, portanto, um sentimento de satisfação em quem não é atin- gido pela sanção negativa. Assim como, na sociedade, a estigmati- zação do ou/rocom a pena reprime o medo pela própria diminui- ção de status, e determina o que se pode definir uma "proibição de coalizão", que tende a romper a solidariedade entre a sociedade e os punidos, e aquela entre os próprios punidos, os efeitos discriminatórios e marginalizantes do sistema escolar institucional são consolidados e ampliados através de mecanismos de interação entre os escolares. A situação definida dos pontos de vista acima indicados pode-se sintetizar com a palavra de Kenneth B. Clark, referida à sociedade americana.

Existe documentação concreta que demonstra~ além de qualquer dÚVida razoável, como onosso sistema de escola pública se recu- sou a assumir a função de facJ1itarlimobi1Jdlide social e~em reali-

dade~se tornou JÍlstrumento de diferenciaftão de classe~a nível eco- nômico e social, na sociedade americana b.

3. As FUNÇÔE', SELETIVAS E CLASSISTAS DA JUSTIÇA PENAL

A homogeneidade do sistema escolar e do sistema penal corresponde ao fato de que realizam, essencialmente, a mesma fun- ção de reprodução das relações sociais e de manutenção da estrutu- ra vertical da sociedade, criando, em particular2 e(tfaze~~().l!trª=~$ti:

mulos à'integraçãº.gº~~tºr~~J1!ªi$.p_ªt?<9$_~ 111ªrginªUz.ªªQ$ª9Pf.º= letari-ªfl.Q,.9_U_çOloçafld().dtretamen te ..en1 ação pr.oce$s()slpargina-

lizadores. Por isso, encontramos no sistema penal, em face dos indi- víduos provenientes dos estratos sociais mais fracos, os mesmos me- canismos de discrimínação presentes no sistema escolar.

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No que se refere ao dire~tº-.-P5~.Ilaljl--º$lrPto(isto é, à criminalização primária))_isto_te~.1_ª-_ver cº-11!-º~sont~údos-J_m~s também ~om os "não-C:~!:lt~~ª-()~"da lei p~.!!~LO sistema de valores que neles se expnme reflete, predominantemente, o universo moral próprio de uma cultura burguesa-individualis- ta, dando a máxima ênfase à proteção do patrimônio privado e orientando-se, predominantemente, para atingir as formas de desvio típicas dos grupos socialmente mais débeis e marginali- zados. Basta pensar.:}1ª_enornle_jl1ç.i9~11~j~Lde_g~Jito_.Lcontra.º_ _p--atri m.9nio na

mª~~.ª__

dª ...~ximjD-ªH_gªªs:..,_.tªLçomº ...:r:::~...s.J.üt~_ªa ~tatísticuudici4r!ª, ...~~p.eçi~J.l11~t~_.~~._~~..p..ress;:indedos ..delitos

de trãnsito. Mas a seleção criminalizadora ~~o~~~iá--~~~di~nt~ a diversa fornmlaçãp téçniçª_g9_~..J.iP-QLP-enaise a espécie de conexão que eles determinam com º-_!!l.eS:ª.Di~mº.gª~-ª$myan- tes e das atenuant~s (é difícil, como se sabe, que se realize um furto não "agravado"). As.malhas dos tipos são, em $~ral, mais _sutis no caso dos delitos.próprios das classes sociais mais bai- xas do gue no caso dos delitos de "colarinh~"branco". Estes

d~-

litos, também do ponto d;-~;t~-d"~previ;ã;;-~bst~~ta, têm uma maior possibilidade de permanecerem imunes. Quanto aos "não-conteúdos"17, começa-se, finalmente, a procurar a raiz do assim chamado "caráter fragmentário" do direito penal (que os juristas freqüentemente assumem como um dado da natu-

reza), não só na pretensa inidoneidade técnica de certas maté-

rias ao controle mediante o direito penal (ou na tautológica assunção da relevância penal de certas matérias, e não de ou- tras), mas, antes, em uma lei de tendência, que leva a preser- var da criminalização primária as açôes anti-sociais realiza- das por integrantes das classes sociais hegemônicas, ou que são mais funcionais às exigências do processo de acumulação do capital. Criam-se, assim, zonas de imunização para com- portamentos cuja danosidade se volta particularmente contra as classes subalternas.

.

_.9s_"pro~~.~~()~~_(;~inli.J1ali~~ç.ªº_~Çli.ndár..i_a_-ªçe.Il...tu.am.o cará.: __!~:...seletiyº-~-º_s.i$.t~mª_ps:n.al-ªº~Jr..ªtº,-~m ..~!do_e~rnªªçl.9JLQs..p.recQ.n- .._c::!:!.tos_~.o..~~st~r~º!!pos]8.que..g.l1iam..a,!.ç:j,9jan.to_dos.árgãQsjnyesti-

....$ªgOt~_..çQmQçlQs_-º..r$ªQsjudicantes,e que os levam, portanto, assim como ocorre no caso do professor e dos erros nas tarefas escolares a

,

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procurar a verdadeira criminalidade principalmente naque- les estratos sociais dos quais é normal esperá-la.

O conceito de "sociedade dividida", cunhado por Dahrendorf para exprimir o fato de que só metade da sociedade (camadas médi- as e superiores) extrai do seu seio os juízes, e que estes têm diante de si, predominantemente, indivíduos provenientes da outra metade (a classe proletária), fez surgir nos próprios sociólogos burgueses a questão de se não se realizaria, com isto, o pressuposto de uma justiça de classe, segundo a clássi- ca definição de Karl Liebknecht19.Têm sido colocadas em evi- dência as condições particularmente desfavoráveis em que se encontra, no processo, o acusado proveniente de grupos mar- ginalizados, em face de acusados provenientes de estratos su- periores da sociedade. A distância lingüística que separa julgadores e julgados, a menor possibilidade de desenvolver um papel ativo no processo e de servir-se dó trabalho de ad- vogados prestigiosos, desfavorecem os indivíduos socialmen- te mais débeis20•

4. A INCIDÊNCIA IK)S E';TEREÓTlPo.~; IX)S PRECONC£/To.~~ DAS TEO-

RIAS DE SENSO COMUM NA APLlCAÇ"ÃOjURISPR UDENCIAL DA LEI PENAL

Também o insuficiente conhecimento e capacidade de pene- tração no mundo do acusado, por parte do juiz, é desfavorável aos indivíduos provenientes dos estratos inferiores da população. Isto não só pela ação exercida por estereótipos e por preconceitos, mas também pela exercida por uma série das chamadas "teorias de to- dos os dias", que o juiz tende a aplicar na reconstrução da verdade judiciaJ11.

J~~~1.:!il'?~..~n~píricastê.111<;ol()caç{o..el~lJ~1.~,,9as diferenças de Jlnrnde ~l1l.oJiyª~yªlº.mhyª.çl..o~juí?oe~,el11..face..çlejn.diyi~~~spert'~~~'

centes a diy~!s.~s...cl~_ssessociais22• Isto leva os juízes, inconsciente-

mente, a tendências de juízos diversificados conforme a posiçãoso-

cial dos acusados-J~~lªçi-ºnª_ciº~JmJtº

à ..

ªpreçjação .dO ....elemento ..illQjetivº._dº-..d~litQ_JdºlQ,_çulp-ªLÇJ:Y..ªntQ.ªocaráter. sintQmático do delito em face da pe!~s_o.J:!~.li.~9~JI?!:QZnosesobre a conduta futura do acusado) ~,-jJ2j~,-~j..l1.(hvif!ui\Jl~£ªo.'..~I~~~~~~~açãoª~pena destes

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pontos de vista. A distribuição das definições criminais se ressente, por isso, de modo particular, da diferenciação social. Em geral, pode- se afirmar que existe uma tendência por parte dos juízes de esperar um comportamento conforme ú lei dos indivíduos pertecentes aos estratos médios e superiores; o inverso ocorre com os indivíduos pro- venientes dos estratos inferiores.

Em referência a delitos contra .0 patrimônio tem sido mostrado o predomínio destas duas tendências opostas, conforme a extração social do acusad023• Até em uma matéria socialmente tão neutra como

a dos delitos de trãnsito tem sido observada uma correlação entre a valoração da culpa e das circunstãncias atenuantes e a posição eco- nômica do acusad024• Também nos critérios que presidem à aplica-

ção da suspensão condicional da pena, elementos relativos à situa- ção familiar e profissional do acusado jogam um papel decisivo. Es- tudos neste campo mostram que estes critérios são particularmente .fav..orá'leis_aos_acllsados..p.m~enie.nte.s-,jascamadas superiores e

de.s.::

fuy.9..rávei~ªQ~rovenientes das camadas inferiores25. Considerando, enfim, o uso de sanções pecuniárias e sanções detentivas, nos casos em que são previstas, os critérios de escolha funcionam ;lÍtidamente em desfavor dos marginalizados e do subproletariado, no sentido de que prevalece a tendência a considerar a pena detentiva como mais adequada, no seu caso, porque é menos comprometedora para o seu status social já baixo, e porque entra na imagem normaldo ql',~ fre- qüentemente acontece a indivíduos pertencentes a tais grupos soci- ais, enquanto, ao contrário, para reportar as palavras de um juiz pertencente a um grupo sobre o qual foi dirigida uma pesquisa, "um acadêmico na prisão ... é, para nós, uma realidade inimaginável"26. ~ssi_m, Eissa~çôe~_~ mais inçidem sobre o status social são usadas, \., ._£g!!).p.~~f~~_ll~ª.1contra ilquele~_cujo status SQ£..iaCémais baixo.

5.E'iTICMA TIZA(.'ÃO PENAL E TR.AN'i'FOR.MAÇ'ÃODA IDENTIDADE SO-

CIAL IJA P( WULAÇÃO CR.IMINOSA

Temos várias vezes verificado que, no âmbito da nova socio- logia criminal inspirada no labeling approach, é salientado que a ._.~.!:.t!:!!inal~dac!e,mais que um dado preexistente comprovadQ..Qbjeti-

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t. __

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vamente pelas instâncias oficiais, é uma reabdade social de que a ação das instãncia~9f~çlª!~~~_~1~p.!~r.ii9.'.CO~_st~t.~t.-íy:~.'_~if~-sc~ii~t~t.U:- em tal realidade social através de um~'pe!"c;epção seletiva 4()s}enQ-

---.---. ~__ . .R.~.__ .. ... .._, ,,_,__ ... ,__.,,~ ...,.._

-.IDen~-:_g.!lese ttadu~.n...9_X~~.!'.1:!.tªl!lt::rltod~ .l:l1!1a.._c:.~r:ç~t]..sçt:'i~~.PºP.J..lo.:: .lação ,£rirnin..é!l.,...$.~J~çiQl1~ªª.g.~l)t!"_º_qºurnaisan~pl_~_çirç.llclo.dQs.que

cometem açôes previstas na lei pen.ªL~uque, compreendendo todas as camadas sociais, representa não a minoria, mas a maioria da populaçãa:n. Tal distribuição desigual, em desvantagem dos indiví- duos socialmente mais débeis, isto é, que têm uma relação subprivilegiada ou precária com o mundo do trabalho e da popula- ção, ocorre28 segundo as leis de um c~.ili~p..~ºçiªlJ~ççº.n.(L纪(!tque i

regula a aplicação das normas aº-~mlªS_J~or part~ª-ª_s_in.st~.!1~iª~ oficiais. A hipótese da existência deste£.t;£ontj cqde sig!!!.nç_~_~_~fu-

tação do caráter fortuito da desi$1!.ªLçl.istrib.lliçª-Q_.dªs__çiefiniçº~s criminais, ~ forl!.ec~u.t.!l.!!!1ovCU?Ei~~.ípíS'C::9-~_~t.!~.<?!?_g_l:I:~j~_!~!:l1_.9~d.0 ótimos frutos,p-ªrª-ª-P~.ffillj~~~º.f.iº19gico-jurícl.ic:a. Esta é chamada ' a evidenciar o papel desenvolvido pelo direito, e em particular pelo direito penal, através da norma e da sua aplicação, na reprodução das relações sociais, especialmente na circunscrição e margina- lização de uma população criminosa recrutada nos setores social. mente mais débeis do proletariado.

A constituição de uma população criminosa como minoria mar- ginalizada pressupõe a real assunção, a nível de comportamento, de papéis criminosos por parte de um certo número de indivíduos, e a sua consolidação em verdadeiras e próprias carreiras criminosas. E já vimes que isto se verifica, sobretudo, como tem sido colocado em

evidência por alguns teóricos americanos do labeling approach, me- diante os efeitos da estigmatização penal sobre a identi~de soci&do_ indivíduo, ou seja, sobre a definição que ele dá_.ft~si .!!1~smoe que q~ outros dão dele. A drástica mudança de identidade social como efeito das sançôes estigmatizantes tem sido posta em evidência - como se recordará - por Lemert e por Schu~~~_~-.!~~~!~..QQ!eles construída demonstra a dependência causal da delin_qª~!!(:?iasecungAlja, ou seiª" das formas de re~'Q.~_~<:i.~_!!ciaque confjz1!Iél.!!~_l:l:~-ª-..Y~L9ª9~irª,__~_pr:º- pria carreira crimi~.Q~~~Q~fei!2~gtle:_~ol?reél.!Q~!!!ic!~c:l~s()~i.atc:l0 indivíduo exerce a primeira con4~nªç-ªº; isto coloca uma dúvída de caráter fundamental sobre a possibilidade mesma de uma função reeducativa da pena. A teoria das carreiras desviantes e do recruta-

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mento dos "criminosos" nas zonas sociais mais débeis encontra uma confirmação inequívoca na análise da população r;arcerária, que demonstra a extração social da maioria dos detidos dos estratos soci- ais inferiores e o elevadissimo percentual que, na população carcerária, é representada pelos reincidentes.

O mecanismo da se1f-fullfil1jng-profecy,~nál~0 ao que fUfl- ciona na discriminação e_SQ.ºL~.L_<&I.ª.çt~r:il;ª.~sJ~-P~.SQ..d~-c.o.ns- trução social da população delin!4j.ien.t~ A particular ex- pectativa de criminalidade que dirige a atenção e a ação das instãncias oficiais especialmente sobre certas zonas sociais já marginalizadils faz com que, em igualdade de percentual de comportamentos ilegais, se encontre nelas um percentual enormemente maior de comportamentos ile- gais, em relação a outras zonas sociais. Um número des- proporcionado de sanções estigmatizantes (penas detentivas), que comportam a aplicação de definições criminais e uma drástica