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4. Desenvolvimento

4.1. ESPANHA: Neutralidade colaborante

4.1.7. Sistema Político e Decisores Políticos

A opção pela paz ou pela guerra é uma opção de política executiva. Decerto fundamentada por questões de política externa e alianças, de condições militares de participação no conflito, de vantagens ou desvantagens estratégicas, de interesse nacional ou ressonância popular, trata-se, contudo, de uma decisão tomada pelo executor político com responsabilidades de governação nacional. No contexto do

regime espanhol da Restauração, monarquia assente no rotativismo parlamentar entre Liberais e Conservadores, a decisão política em cenário de guerra reside no Rei e nos vários Governos espanhóis que assumiram o poder entre 1914 e 1918.

Dias após o início das hostilidades europeias o Governo espanhol, na altura detido pelo Partido Conservador e liderado pelo Presidente do Conselho Eduardo Dato – 27 de Outubro de 1913 a 9 de Dezembro de 1915 -, declarou a sua neutralidade, fundamentada na fragilidade militar, política, económica, psicológica e social de Espanha para participar num conflito de dimensão continental europeia. Logo a 25 de Agosto de 1914, Dato justifica a sua opção pela neutralidade em carta a António Maura como a opção necessária, considerando-se a ausência de tratados vinculativos entre Espanha e os blocos beligerantes e a consciência de ambas as facções das fragilidades espanholas, sendo a neutralidade uma solução de agrado à Entente e às Potências Centrais (Salvadó, 2003, p. 293). A opção de Dato pela neutralidade incluía, ainda, a esperança e o oportunismo espanhol de conversão do conflito europeu e a neutralidade como o momento oportuno para a regeneração económica, social, militar e diplomática do Reino, nomeadamente enquanto fonte de abastecimento primário e industrial dos beligerantes e Estado facilitador do futuro processo de paz, ambição partilhada pelo Presidente do Conselho e Afonso XIII.

O Rei, antes do início das hostilidades, havia promovido e gerido uma crescente aproximação espanhola à Entente, com vista à obtenção de vantagens em Marrocos e, possivelmente, em Portugal. Esta tendência manteve-se nos momentos iniciais da I Guerra Mundial, tendo Afonso XIII surgido como facilitador político no escoamento de recursos minerais e de cavalos para França. Contudo, esta tendência pró- Aliada do monarca foi progressivamente refreada ao longo de eventos basilares para o pensamento estratégico espanhol, como a estabilização da frente europeia e, em particular, a beligerância portuguesa, combinados com o crescente estreitar de vínculos pessoais e diplomáticos entre as Potências Centrais e a Casa Real espanhola. Refira-se, por exemplo, a crescente intimidade do Adido militar alemão em Madrid, o Coronel Kalle, no seio da Corte espanhola. De agente de uma neutralidade espanhola benevolente para com os Aliados, logo Afonso XIII evoluiu para defesa de uma neutralidade estrita e equidistante que relançasse Espanha para o centro da política europeia enquanto facilitadora do processo de paz, em harmonia com as práticas de política externa humanitária e conciliadoras de países com tradição de neutralidade,

como a Suíça e a Dinamarca. Foi na prossecução dessas mesmas funções de mediador internacional que Afonso XIII conduziu uma diplomacia paralela, actuando, por vezes, em directa concorrência e contraciclo com a política externa dos executivos espanhóis. Javier Ponce considera essa mesma diplomacia palaciana paralela de Afonso XIII como factor distintivo da neutralidade espanhola (Ponce, 2011, p. 63).

A neutralidade espanhola, tal como previamente referido, foi recebida com unânime apoio ao longo de todo o espectro partidário espanhol. A grande excepção foi Romanones, à altura líder da oposição Liberal e defensor de uma adesão espanhola à órbita Aliada. O seu citado editorial “Neutralidades que mátan” inscreve-se como a melhor fonte disponível para a análise das objecções de Romanones face à estrita neutralidade espanhola. Ao contrário de Afonso XIII, Romanones depositava limitadas esperanças nas oportunidades oriundas da neutralidade e temia um crescente isolamento e distanciamento espanhol no contexto da política europeia. Serão essas mesmas objecções que Romanones transportará para funções executivas quando foi convidado por Afonso XIII a formar Governo. Ao contrário da neutralidade equidistante promovida por Dato, o novo executivo de Romanones – 9 de Dezembro de 1915 a 19 de Abril de 1917 – impôs, gradualmente, uma neutralidade colaborante com os Aliados e orientada para a crescente capacitação militar espanhola em face da realidade da guerra europeia.

A administração do Conde de Romanones coincidiu com o início da face visível da crise de regime em Espanha, marcada, em particular, pela eclosão de vagas de protesto popular oriundas dos sectores operário, militar e da dissidência catalã, e com a polarização da opinião pública espanhola no apoio às facções beligerantes. Foi nesse contexto que Romanones ensaiou uma governação de compromisso com a Regeneração nacional e incompatível com os crescentes agravos das Potências Centrais no cenário doméstico – com a promoção de actos de sabotagem industrial e subversão e com o evidente patrocínio da imprensa germanófila – e externo, com os efeitos devastadores da guerra submarina alemã junto da marinha mercante espanhola.

Nem sempre correspondido junto das capitais Aliadas – que, tendencialmente, preferiam as facilidades oriundas da neutralidade espanhola para efeitos de abastecimento industrial e militar – Romanones prosseguiu uma diplomacia de incursão na órbita Aliada, com crescentes laivos intervencionistas, nomeadamente em face de

momentos cruciais para a disponibilidade da sociedade espanhola para a continuidade da estrita neutralidade, como foi o afundamento do San Fulgencio, em 9 de Abril de 1917, o trigésimo primeiro navio da marinha mercante espanhola a ser afundado por submarinos alemães, neste caso em águas territoriais espanholas e na posse de um salvo-conduto alemão. Romanones descreveu o afundamento do San Fulgencio como determinante na reconsideração da neutralidade espanhola, nomeadamente considerando-se a dependência industrial e estratégica espanhola face à sua marinha mercante; e pretendeu lançar um ensaio de ultimato à Alemanha, indiciando a possibilidade de ruptura diplomática unilateral em face de novo ataque à sua marinha mercante e consequente confisco de tonelagem equivalente entre os navios alemães fundeados em portos espanhóis. No contexto dos quatro anos da neutralidade espanhola, este seria o primeiro e único esforço executivo de rescisão da mesma por força da acção executiva. Contudo, a preferência de Romanones por um alinhamento espanhol com o esforço aliado incorreu em directa concorrência com a adesão de Afonso XIII à neutralidade equidistante pontuada com momentos de intimidade política com as Potências Centrais, como foi, por exemplo, a presença, no funeral do Imperador austríaco Franz Joseph e posterior reunião com os líderes das Potências Centrais, em Viena.

Foi precisamente a acção de Afonso XIII que, em Abril de 1917, travou as pretensões de beligerância de Romanones, instando-o à apresentação da demissão a coberto da justificação da instabilidade social e económica espanhola. A acção régia operou assim como contrapeso às orientações intervencionistas do executivo, tendo o Rei optado pela constituição de novo Governo como solução de recurso para a salvaguarda da neutralidade. Foi particularmente significativo que no próprio dia em que Romanones publicitou a sua resignação, submarinos alemães torpedaram e afundaram um novo navio espanhol, o Tom, sem qualquer reacção ou reclamação da parte de Madrid.

O intervencionismo de Romanones corria em contraciclo com a unânime adesão espanhola à neutralidade, com a consciência global das fragilidades espanholas para a incursão num conflito europeu e com as pretensões régias de capitalização da sua acção no teatro internacional. Os executivos que se seguiram ao Consulado do Conde de Romanones até ao final da I Guerra Mundial apenas prosseguiram a política de neutralidade delineada por Dato e confirmada por Afonso XIII não se repetindo

qualquer incidência de ruptura diplomática ou de incursões intervencionistas, muito embora a crescente divulgação da participação alemã em acções de sabotagem em solo espanhol – como a publicitação, pelo El Sol, em 1918, do patrocínio alemão às acções directas de grupos anarco-sindicalistas contra unidades industriais – e o constante afundamento de unidades da marinha mercante espanhol por submarinos alemães, num número que ascendeu a 70 afundamentos entre Agosto de 1915 e o final da guerra.

A 10 de Agosto de 1918 o Ramón de Larriñaga foi afundado em àguas espanholas e os marinheiros espanhóis metralhados enquanto flutuavam junto aos destroços. O Governo espanhol, então liderado por Maura, enviou uma nota de protesto a Berlim, sugerindo a substituição da tonelagem de navios espanhóis futuramente afundados pela Alemanha pelo apresamento de navios alemães fundeados em Espanha. A dureza da resposta alemã, considerando qualquer apresamento de navios alemães como causa belli e o consequente silêncio espanhol, espelharam a impotência de Madrid em face do conflito e a sua total adesão dos seus decisores políticos à neutralidade, como uma opção de sobrevivência externa e doméstica.

4.2. ITÁLIA: A beligerância negociada

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