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O sistema renina-angiotensina (SRA) desempenha um papel central na regulação da pressão arterial e na manutenção do balanço hidro-eletrolítico (Hackenthal, Paul et al., 1990; Johnston, 1990; Cowley, 1992; Brands e Granger, 1998; Stec e Sigmund, 2001; Skott, 2002). O consistente sucesso dos inibidores e bloqueadores do SRA no tratamento de hipertensos indica fortemente que este sistema tem um papel central na hipertensão (Inagami, 1998). As ações biológicas do SRA são mediadas pelo octapeptídeo angiotensina II via receptores específicos de angiotensina chamados AT1 e AT2, com a maior parte de suas ações clássicas mediadas através do receptor AT1. Classicamente o SRA é visto como um sistema hormonal que envolve uma cascata proteolítica conectada a um sistema de transdução, aonde a renina, uma enzima proteolítica sintetizada e estocada nas células justaglomerulares localizadas na arteríola eferente renal, cliva o angiotensinogênio, seu substrato que é produzido no fígado, na porção N-terminal em um decapeptídeo, a angiotensina I (Ang I). Esta é convertida subseqüentemente em Ang II pela enzima conversora de angiotensina (ECA) primariamente na circulação pulmonar. A ECA, uma dipeptidil-carboxipeptidade, por sua vez é predominantemente uma enzima ligada a membrana que é responsável pela produção de Ang II a partir do precursor inativo Ang I e também pela degradação da bradicinina em fragmentos inativos (Johnston, 1990).

A secreção de renina dos rins é controlada de diversas formas (Hackenthal, Paul et al., 1990; Navar, Harrison-Bernard et al., 2002; Skott, 2002). O mecanismo de pressorreceptor na arteríola eferente estimula a secreção de renina durante

baixas pressões de perfusão. A quantidade de sal que chega no túbulo distal é percebida pela mácula densa e determina a estimulação de liberação de renina quando é baixa e inibe a liberação quando é alta. A estimulação beta-adrenérgica libera e o bloqueio inibe a secreção de renina. Além disso, fatores humorais podem influenciar a secreção de renina, sendo que o mais importante seria a própria Ang II que inibe a secreção numa alça de retroalimentação negativa (Skott, 2002).

A angiotensina II está envolvida em uma série de funções cardiovasculares como regulação do tônus vascular periférico e fluxo sangüíneo regional pela vasoconstrição arteriolar, modulação da atividade simpática local, estimulação de hiperplasia e hipertrofia celular, liberação de substâncias vasoativas do endotélio e mediação de inflamação e reparo de tecidos (Johnston, 1990; Reid, 1992; Ruiz- Ortega, Lorenzo et al., 2001; Stec e Sigmund, 2001; Navar, Harrison-Bernard et al., 2002). Também age promovendo retenção de sódio e água causando conseqüentemente expansão do volume plasmático. Este efeito é mediado tanto pelo aumento de secreção de aldosterona pelo córtex adrenal e estimulação direta da reabsorção tubular de sódio como pelo seu potente efeito dipsogênico (Cowley, 1992), bem como através de alterações na hemodinâmica renal por modificações no fluxo sangüíneo em medula renal (Cowley, 1997; Brands e Granger, 1998).

A ECA ou cininase II é uma enzima glico-proteica ancorada à membrana celular onde os sítios catalíticos, presentes na porção N-terminal e C-terminal, estão expostos na superfície extracelular. Suas ações são relacionadas à da produção da Ang II a partir do precursor inativo Ang I, bem como da degradação da bradicinina em fragmentos inativos. Apesar de geralmente não ser considerada o passo limitante na síntese de Ang II, a ECA é o maior determinante final dos níveis de Ang II na circulação e nos tecidos. São descritas 3 isoformas desta enzima: ECA

somática, ECA testicular e ECA solúvel sendo a isoforma somática a fração mais implicada na produção de Ang II. A ECA tem ampla distribuição no organismo incluindo vasos sangüíneos, coração, rins, adrenais, sistema nervoso central e trato gastrointestinal, entretanto, o papel funcional em muitos locais ainda é desconhecido. A principal contribuição da ECA na circulação é a geração de Ang II e o controle da PA e da homeostase de líquidos corporais. A localização da ECA em tecidos específicos oferece a oportunidade de controlar a síntese de Ang II em nível celular. Portanto, um aumento da atividade da ECA em estados patológicos pode levar a aumento dos níveis de Ang II nos tecidos e na circulação (Johnston, 1990). Apesar de existirem vias de produção de Ang II não associadas à ECA, particularmente a quimase cardíaca, o uso de inibidores da ECA tem mostrado que este é responsável pela prevenção quase que total da conversão da Ang I em Ang II. Sugere-se que o sucesso dos inibidores da ECA no tratamento da hipertensão e da insuficiência cardíaca seja atribuído tanto a inibição da ECA tecidual como plasmática (Dzau, Bernstein et al., 2001). É interessante observar a particular interação entre ECA e o endotélio. Na hipertensão existe disfunção endotelial, evidenciada, por exemplo, por respostas vasodilatadoras dependentes do endotélio diminuídas, as quais são melhoradas com o tratamento com inibidores da ECA. Os mecanismos desta resposta não são conhecidos, mas podem envolver a bradicinina, pois se sabe que a bradicinina pode estimular a liberação de substâncias vasoativas, particularmente o óxido nítrico e prostaglandinas das células endoteliais (Quaschning, Galle et al., 2003; Bolterman, Manriquez et al., 2005).

Outro meio de regular o SRA é através da expressão de receptores de Ang II, AT1 e AT2 nos tecidos alvo aonde o balanço entre a expressão relativa dos receptores AT1 e AT2 também parece ser importante na definição dos efeitos da

Ang II (Wehbi, Zimpelmann et al., 2001).

Hoje, o SRA é visto de forma mais ampla, onde a multiplicidade de funções do sistema é produto também da ação “parácrina” e “autócrina” da Ang II e de alguns de seus metabólitos produzidos localmente, criando-se assim o conceito da existência de vários sistemas renina-angiotensina, distribuídos em diferentes órgãos (coração, vasos sangüíneos, medula adrenal, sistema nervoso central, etc.), como possuidores de ação complementar ao clássico SRA. Estes SRA locais parecem ter sua importância ligada ao fato de que exerceriam efeitos diretos sobre mecanismos regulatórios locais, que contribuiriam para um grande número de mecanismos homeostáticos teciduais de desenvolvimento mais lento, porém, de caráter mais permanente, como o crescimento celular, formação da matriz dos tecidos, proliferação vascular, modulação da função do endotélio e controle do processo de apoptose, particularmente, na fase de desenvolvimento embrionário.

O coração pode formar Ang I localmente e convertê-la em Ang II, a qual pode chegar a atingir concentrações duas a três vezes superiores às encontradas no plasma (Danser e Schalekamp, 1996). A mais importante evidência para um SRA local no coração é a presença de ECA (Lindpaintner, Wilhelm et al., 1987), a atividade de renina (Dzau e Re, 1987) e mRNA para renina e angiotensinogênio (Dzau, Brody et al., 1987) em células cardíacas.

O coração é composto não somente de miócitos cardíacos, mas também de não miócitos, particularmente fibroblastos. Diferente dos miócitos cardíacos, fibroblastos cardíacos podem proliferar mesmo no coração adulto. Os fibroblastos cardíacos tem o papel principal na produção das proteínas da matriz extra celular, tais como, fibronectina e colágeno (Dostal, Booz et al., 1996). Entretanto, os fibroblastos são críticos no desenvolvimento da fibrose cardíaca. O tratamento com

Ang II estimula a produção dos fibroblastos cardíacos de ratos neonatos (Schorb, Booz et al., 1993). Estes efeitos mitogênicos da Ang II são completamente bloqueados pelo losartan (bloqueador do receptor AT1), mas não pelo PD123319 (bloqueador receptor AT2), demonstrando que o receptor AT1 da angiotensina II induz a proliferação dos fibroblatos cardíacos. A Ang II também exerce efeitos sobre os fibroblastos cardíacos adultos (Crabos, Roth et al., 1994). Esse hormônio mostrou promover uma resposta hipertrófica em miócitos e hiperplásica em fibroblastos cardíacos de ratos (Sadoshima e Izumo, 1993).

Todos os componentes do SRA tem sido identificados no coração. Ang II pode ser detectada em ambos átrios e ventrículos e, em culturas de miócitos e fibroblastos cardíacos e células endoteliais. Estudos em miócitos cardíacos de ratos indicam que esta célula sintetiza renina, angiotensinogênio e ECA (Dostal e Baker, 1999). Além de vias clássicas dependentes, renina e ECA, a Ang II pode também ser gerada por vias alternativas no coração, incluindo as quimases cardíacas. Em humanos, essas quimases, localizam-se no endotélio, interstício e células satélites do coração (Urata, Boehm et al., 1993). A presença de Ang I, Ang II e de receptores para Ang II já foi identificada em fibroblastos e miócitos de ratos neonatos (Dostal e Baker, 1992). Um conjunto de evidências sugere ainda que a Ang II no coração pode agir como um fator de crescimento, aumentando a síntese de proteínas relacionadas com a hipertrofia cardíaca (Miyata e Haneda, 1994).

A infusão de Ang II em ratos pode induzir a hipertrofia cardíaca via receptor AT1, independente do efeito da elevação da pressão sangüínea (Dostal e Baker, 1992). Além disso, a infusão contínua de Ang II (200ng/min i.p.) em ratos adultos, enquanto provoca um moderado aumento na pressão sangüínea, produz ambas necrose e miocitólise, como é mostrado pelos miócitos cardíacos marcados com

anticorpo monoclonal anti-miosina; esta infusão, subseqüentemente, causou proliferação dos fibroblastos cardíacos e resultou em formação de cicatriz, indicando os efeitos cardiotóxicos da Ang II in vivo (Tan, Jalil et al., 1991). Então, Ang II in vivo, via receptor AT1, induz diretamente hipertrofia dos miócitos cardíacos, reprogramação gênica, e proliferação dos fibroblastos e subseqüente fibrose, independente do aumento da pressão arterial, indicando que a Ang II pode ser uma das chaves do desenvolvimento da patologia da hipertrofia cardíaca.

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