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Como dissemos há pouco, o que denominamos aqui paradigma epistemológico da complexidade compreende um grupo de abordagens teóricas originadas nas mais diversas áreas de pesquisa e que têm como eixo epistemológico a noção de complexidade, de modo que nessas abordagens a noção de sistema complexo, ou sistema aberto, constitui elemento nuclear, a partir do qual os fenômenos são estudados.

Nessa perspectiva, na linguística Aplicada (LA), além do termo sistema complexo, também tem sido frequente o uso do termo sistema adaptativo complexo (NASCIMENTO, 2011), sendo relevante olharmos para o adjetivo adaptativo como uma referência ao que para muitos estudiosos é a principal característica dos sistemas complexos: a adaptabilidade. (HOLLAND, 1996).

Holland (1996), um dos mais conhecidos estudiosos dos sistemas adaptativos complexos (doravante SAC), afirma que uma das principais características desses sistemas é o que ele denomina “ação condicional”, ou seja, os agentes de um SAC atuam em função dos estímulos recebidos, podendo adaptar suas ações de acordo com o contexto que se apresenta a partir das interações anteriores. Assim, os SAC adaptam-se ao mudarem sua configuração a partir da experiência acumulada.

Nessa mesma direção, De Wolf e Holvoet (2005) afirmam que a adaptabilidade de um SAC refere-se à necessidade do sistema de equilibrar-se entre a seleção de um comportamento específico e a consideração de uma grande variedade de comportamentos. Em função de sua adaptabilidade, um SAC encaminha-se para a constituição de algumas situações, ou estados de possível funcionamento, visando o incremento de sua ordem interna.

A raiz da palavra sistema deriva do grego synistanai, que significa reunir, juntar ou dispor juntos. Assim, à luz desse sentido etimológico, um sistema pode ser

compreendido como um conjunto de elementos dinamicamente relacionados, com um objetivo compartilhado. O termo complexo (complexus), por sua vez, remete etimologicamente ao que está tecido junto. Portanto, há complexidade quando os elementos que compõem o todo são inseparáveis (MORIN, 2011). O adjetivo adaptativo remete, como dissemos, à capacidade que tem um sistema de adaptar-se em meio ao constante fluxo de interações entre os seus agentes. É a adaptabilidade, portanto, que garante a sobrevivência de um sistema.

Dito isso, podemos afirmar que uma das características basilares dos SAC é sua dinamicidade, decorrente da interação entre os variados fatores que o constituem. Em função das constantes interações, um SAC nunca está absolutamente estabilizado, ou seja, nunca atinge um nível de organização que possa ser considerado definitivo. É nesse sentido que, segundo Nascimento (2011), um SAC diferencia-se dos demais sistemas complexos, já que, ao interagir com seu ambiente e com os agentes externos que interferem sobre ele, os sistemas adaptativos complexos adaptam-se às novas condições e aprendem com elas, adotando uma nova dinâmica que concilia as mudanças com sua identidade anterior.

Além da dinamicidade, os SAC apresentam uma série de outras características, as quais enumeramos a seguir. Identificar as principais propriedades desses sistemas é salutar à compreensão da ASL e da autonomia com SAC, tarefa da qual nos ocuparemos no capítulo seguinte. Cabe salientar, no entanto, que os atributos que apresentamos a seguir não fazem referência direta a um fenômeno específico ou a uma área de estudo em particular.

Assim, um SAC apresenta as seguintes caraterísticas: abertura, dinamicidade, auto-organização, não linearidade, adaptabilidade, emergência, estrutura aninhada e sujeição a atratores. A abertura refere-se ao fato de que os SAC permitem que energia ou matéria externas entrem no sistema, o que permite que um sistema distante do equilíbrio esteja em constante adaptação, mantendo sua estabilidade. (LARSEN- FREEMAN; CAMERON, 2008). A dinamicidade, por sua vez, refere-se, como antecipamos há pouco, à constante interação entre os agentes de um SAC, o que faz com que ele se torne dinâmico e suscetível às mudanças decorrentes de seu contexto. Segundo Nascimento (2011) a dinamicidade de um sistema é o reflexo de um processo

de organização de seus elementos. Dessa organização dinâmica, segundo o autor, emerge uma ordem aparente.

A auto-organização, uma das propriedades mais mencionadas pelos estudiosos da questão, diz respeito à capacidade dos SAC de se ajustarem espontaneamente ao seu contexto. Muito embora não haja uma hierarquia de comando e controle sobre o sistema, este apresenta uma constante auto-organização para ajustar-se ao ambiente. Paiva e Nascimento (2009, p.526) afirmam que “um SAC caracteriza-se pela sua auto- organização dinâmica que o mantém longe-de-equilíbrio, mudando, adaptando-se e, ao mesmo tempo, mantendo a estabilidade de sua identidade”. Assim, segundo os autores, a organização de um SAC se dá de forma espontânea, a partir da desordem, e não parece ser dirigida por leis físicas conhecidas, de modo que a ordem surge das múltiplas interações entre os componentes do sistema. Desse modo, a auto-organização é a habilidade dos SAC de criarem novas estruturas mediante a interação de seus agentes entre si, do sistema como um todo com seus agentes e do sistema com outros sistemas, com os quais se encontra aninhado.

Outra característica dos SAC é sua organização e seu desenvolvimento não- lineares, o que deriva do fato de que esses sistemas são sensíveis às condições iniciais. Isso se deve ao fato de que as interações entre os elementos de um SAC faz com que o comportamento global seja mais do que a soma de suas propriedades, por isso o comportamento do sistema não é facilmente previsto já que seu funcionamento não é linear (PAIVA, 2009). Essa característica relaciona-se com outra importante propriedade desses sistemas, a emergência, pois, ao interagirem de maneira aparentemente aleatória e não-linear, os agentes de um SAC promovem a emergência de novos padrões no comportamento dos agentes dentro do sistema e no comportamento do próprio sistema como um todo.

A respeito da não-linearidade e da imprevisibilidade do comportamento dos SAC, Fleischer (2011) chama atenção para alguns equívocos comuns relativos à compreensão da natureza caótica desses sistemas. O primeiro equívoco, mencionado pelo autor, diz respeito à compreensão de que a natureza caótica de um sistema implica uma absoluta incerteza e indeterminação. Na verdade, lembra o autor, um sistema complexo, embora resulte de interações aleatórias de uma variedade de agentes, converge para um conjunto de atratores, os quais constituem estados que os sistemas tendem a assumir. O segundo equívoco, refere-se a uma visão reducionista de sistemas caóticos. A esse respeito, lembra o autor, com base em Eve (1997), que um sistema não

deve ser interpretado em termos de ser ou não ser caótico, já que, na verdade, adverte Fleischer (2011), alguns sistemas são apenas eventualmente caóticos21.

Outro equívoco mencionado por Fleischer (2011) refere-se à compreensão de que os paradigmas científicos existentes nas ciências sociais serão substituídos completamente pelo paradigma da complexidade. A esse respeito, o autor adverte que seria mais apropriado considerar o paradigma da complexidade como teoria que explica classes de fenômenos não descritos adequadamente por teorias tradicionais.

Outra importante característica dos SAC é a adaptabilidade, propriedade intimamente relacionada com a auto-organização, pois consiste no fato de que o fluxo permanente e as constantes interações entre os agentes do sistema promovem a necessidade de que ele se adapte ao meio, para que se mantenha. Essa constante adaptação do sistema é o que permite sua sobrevivência em meio ao constante fluxo.

Os atratores são comportamentos habituais dos sistemas. São estados que estatisticamente os sistemas tendem a assumir. Desse modo, por mais que não se possa prever precisamente o estado que um determinado sistema alcançará, há uma expectativa de que ele apresente determinadas características. No caso do SAC ASL, por exemplo, embora não se possa prever de forma precisa o resultado do processo de aprendizagem de uma língua por um determinado aprendiz, há uma expectativa de que, por exemplo, após um ano de aprendizagem e tendo a possibilidade de interagir com usuários dessa língua, o aprendente consiga comunicar-se minimamente na língua alvo, mesmo que utilizando estruturas linguísticas mais simples.22Essa expectativa constitui

um comportamento habitual do SAC ASL, o que no PC recebe o nome de atrator. Esses comportamentos habituais, no entanto, não devem ser confundidos com comportamentos previsíveis, uma vez que eles dependem da interação de uma de uma série de fatores. Nesse sentido, devemos considerar possibilidades de que o sistema apresente comportamentos estranhos (atratores estranhos) em decorrência de uma nova interação entre seus agentes ou com outros sistemas.

21A noção epistemológica de caos teve sua origem ligada principalmente aos estudos do francês Henri

Poincaré (1854-1912), astrônomo teórico, matemático e filósofo da ciência, que teve papel fundamental nos estudos sobre sistemas dinâmicos e o caos determinístico. Em sua obra Ciência e método, publicada no início do século XX, Poincaré (1914) expõe a questão da sensibilidade dos sistemas às condições iniciais. Ao analisar o universo das probabilidades, o francês destaca a influência dos pequenos erros e desvios nos fenômenos naturais. Segundo ele, o modelo clássico de ciência observa os eventos considerando apenas parte das influências aos quais o fenômeno está sujeito.

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