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Depois da análise genérica sobre a evolução da zona costeira, a pesquisa prosseguiu, aprofundando-se em ambientes tipicamente costeiros a partir de uma visão sistêmica. As abordagens voltadas para análise integrada da natureza e sociedade surgiram no mundo acadêmico através dos trabalhos de Kant, Humboldt e Ritter, no final do século XVIII, no entanto, foram os estudos de ecologia que primeiro incorporaram a terminologia “sistema”, já no final do século XIX.

A Teoria Geral dos Sistemas de Ludwig von Bertalanffy consolidou os resultados de uma série de mudanças paradigmáticas pelas quais passaram as ciências no início do século XX. Sobre isso Bertalanffy (1977) afirma:

21 É necessário estudar não somente partes e processos isoladamente, mas também resolver os decisivos problemas encontrados na organização e na ordem que os unifica, resultante da interação dinâmica das partes, tornando o comportamento das partes diferente quando estudado isoladamente e quando tratado no todo. (BERTALANFFY, 1977).

Inspirados na Teoria Geral dos Sistemas, os estudos voltados para o entendimento das interações entre organismos e meio ambiente passaram a utilizar a ideia de sistemas ecológicos e acabaram criando o termo ecossistema, em meados dos anos 1930. Nessa perspectiva foi dada especial atenção as trocas de matéria e energia entre os organismos e os componentes naturais, porém, com relação aos últimos, ainda sem adotar uma visão integrada. De forma análoga, o termo geossistema foi incorporado à análise da paisagem, inicialmente por Victor Sotchava, nos anos 1960. Influenciado pela Escola Russa, Sotchava inspirou-se no conceito de paisagem natural (Landschaft) para elaborar a Teoria Geossistêmica. Assim, a paisagem passou a ser considerada como uma formação sistêmica, constituída por cinco atributos fundamentais: estrutura; funcionamento; dinâmica; evolução e informação. Ainda nos anos 1960 surgiram os trabalhos de Georges Bertrand, na Escola Francesa, também voltados para aplicação da Teoria Geral dos Sistemas aos estudos da paisagem. Bertrand prestou grande contribuição à geografia física. Dedicou especial atenção à questão da escala, apresentando uma proposta de método para representação espacial dos sistemas ambientais que ainda hoje repercute nos trabalhos acadêmicos. Esta tese é exemplo disso.

Os sistemas ambientais tendem a apresentar um arranjo espacial decorrente da similaridade de relações entre os componentes naturais, materializando-se nos diferentes padrões de paisagens.

A paisagem não é a simples adição de elementos geográficos disparatados. É, em uma determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução. A dialética tipo- indivíduo é o próprio fundamento do método de pesquisa. (BERTRAND, 2004).

Percebe-se no método proposto que há um esforço para dar conta de uma paisagem não apenas natural, mas da paisagem total, integrando todas as implicações da ação antrópica. Todavia, como todo método – que sempre consiste apenas em uma aproximação do real – o

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Zona

Domínio

Região

Geossistema

Geofácies Geótopo

autor expõe sua limitação para abordagens de paisagens fortemente urbanas, dadas as suas especificidades, que exigem outro esboço metodológico.

A ideia de hierarquia das paisagens proposta por Bertrand baseia-se em unidades que variam conforme a escala. Sugere também como passos metodológicos na taxonomia das paisagens: pesquisar as descontinuidades objetivas da paisagem; privilegiar a síntese e não a análise e trabalhar em função da escala. Esse sistema de classificação foi apresentado com seis níveis têmporo-espaciais: zona; domínio; região; geossistema; geofácies e geótopo. Essa escala baseia-se no princípio dimensional, considerando oito ordens de grandeza (G. I ou 1ª a G. VIII ou 8ª), formulado por Cailleux; Tricart (1956) para estudos geomorfológicos. A escala permite observar que os elementos climáticos e estruturais são básicos nas unidades superiores (zona, domínio e região – G. I ao G. IV) e os elementos biogeográficos e antrópicos nas unidades inferiores (geossistema, geofácies e geótopo – G. V ao G. VIII), conforme Figura 2. O nível do geossistema foi proposto então como sendo o mais compatível com a análise integrada da paisagem.

O geossistema situa-se entre a 4ª e a 5ª grandeza têmporo-espacial. [...] É nesta escala que se situa a maior parte dos fenômenos de interferência entre os elementos da paisagem e que evoluem as combinações dialéticas mais interessantes para o geógrafo. Nos níveis superiores a ele só o relevo e o clima importam e, acessoriamente, as grandes massas vegetais. Nos níveis inferiores, os elementos biogeográficos são capazes de mascarar as combinações de conjunto. Enfim, o geossistema constitui uma boa base para os estudos de organização do espaço porque ele é compatível com a escala humana. (BERTRAND, 2004).

Figura 2 – Níveis hierárquicos dos sistemas ambientais, unidades superiores e inferiores.

23 O geossistema representa “uma conceitualização da epiderme terrestre, onde se encontram, se misturam e interferem a litomassa, a aeromassa, a hidromassa e a biomassa”. Em função da dinâmica de seus elementos constituintes, o geossistema não apresenta, necessariamente, uma grande homogeneidade fisionômica, evidenciando com frequência um mosaico de paisagens que representam seus diversos estágios de evolução (BERTRAND, 2004). Resulta da interação dialética entre potencial ecológico (clima, hidrologia e geomorfologia), exploração biológica (vegetação, solo e fauna) e ação antrópica.

Christofoletti (1979) acrescenta que “a estrutura do sistema é constituída pelos elementos e suas relações, expressando-se através do arranjo de seus componentes”. Para proceder com a análise ambiental é preciso saber quais elementos (estrutura, relevo, clima, solo, vegetação, etc.) atuam na elaboração da paisagem, e qual a importância que eles assumem na dinâmica do meio. Parcela considerável da produção técnica dita geoambiental não considera, no entanto, nenhum desses preceitos teóricos e conceituais.

A Compartimentação Geoambiental do Ceará publicada por Souza (2007) certamente é um dos melhores trabalhos de aplicação da concepção integrativa a que se propunha a Teoria Geossistêmica. Com relação à zona costeira, o autor agrupou os sistemas ambientais nas seguintes unidades:

 Planície Litorânea (com subunidades constituídas pela faixa praial e campos de dunas móveis; dunas fixas e peleodunas; planícies fluviomarinhas revestidas ou não por manguezais; planícies lacustres e fluviolacustres);

 Tabuleiros Pré-Litorâneos;  Planícies Fluviais.

A pesquisa ora apresentada foi desenvolvida à luz da Teoria Geossistêmica, entretanto, a terminologia sistemas ambientais (como sinônimo de unidades geoambientais) pareceu mais adequada tendo em vista que os níveis de geofácies e geótopo também foram incorporados à análise espacial. Incialmente foram definidos os sistemas ambientais costeiros, compatíveis com o nível de geossistema, os casos concretos foram analisados em escala que possibilitasse maior detalhamento, incluindo categorias menores, onde predomina relativa homogeneidade fisiográfica da paisagem (geofácies), sem perder o foco na interação entre os componentes do potencial ecológico, da exploração biológica e da ação antrópica, conforme proposta de

24 Bertrand (2004). Essa escala mostrou-se compatível com a tipologia e magnitude das intervenções que eventualmente causam danos ambientais na zona costeira.

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