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Compreensões de Conceitos em Matemática

3. Sistemas de Computação Algébrica (CAS): O MAPLE

As possibilidades e as potencialidades das interações humanas com as tecnologias informáticas têm, de forma inquestionável, ganhado espaço no conjunto das práticas da sociedade. Imersa neste conjunto, a área educacional, em sentido amplo, exerce e recebe, de forma mais ou menos ostensiva, as mais variadas formas de influência neste mesmo conjunto de práticas.

Não obstante esta constatação, é curioso notar que quando recortamos os cenários especificamente desenhados para as práticas educacionais e os comparamos com outros cenários sociais, surjam diferenças significativas de visões, percepções, atitudes, objetivos e resultados no que concernem às relações seres humanos e tecnologias informáticas. A princípio poder-se-ia conjecturar que tais diferenças somente são perceptíveis em países periféricos, onde os substanciais desníveis sociais e econômicos da população inviabilizam a emergência de uma visão mais homogênea e articulada sobre o papel das tecnologias informáticas no contexto social geral e nos contextos educacionais específicos. Isto não é verdade, de acordo com Artigue (2001), quando esta autora enfoca a questão da complexidade inerente aos ambientes informatizados. Assim, ao discutir a integração das tecnologias informáticas aos sistemas educacionais, ela reconhece que, mesmo depois de 20 anos, na França tal complexidade tem sido subestimada. Ainda segundo ela, a relação estabelecida com a informática no contexto social

geral é fundada no pragmatismo, no reconhecimento de que o acesso à tecnologia não é imediato e no reconhecimento do fato de que a tecnologia molda fortemente nossas práticas e perspectivas. Já no lado educacional predomina, ainda segundo ela, uma visão de tecnologia centrada em seu papel pedagógico, servindo a valores definidos independentemente dessa tecnologia, numa atitude que induz uma visão de tecnologia como algo transparente em relação a conhecimento e valores. É natural, portanto, que tais posturas se reflitam nas práticas educacionais e, conseqüentemente, nos resultados do processo educacional.

Em minha opinião é, portanto, necessário que o crescimento dos espaços ocupados por essas tecnologias e a velocidade com que tais processos se institucionalizam nos cenários educacionais, sejam acompanhados pelos educadore(a)s e, em especial, pelos pesquisadore(a)s em Educação, de uma reflexão acerca dos resultados que se têm obtido, dos objetivos a serem alcançados e das implicações que essas práticas podem trazer para a Educação e, em conseqüência, para a sociedade em geral.

Apesar do maior volume de pesquisas que tem sido detectado na integração da informática com a Educação Matemática, ainda não é possível a inferência de conclusões definitivas no que se refere ao seu papel em cenários educacionais específicos (SMITH, 2002). Sobre a integração das tecnologias informáticas nos processos de ensino e aprendizagem, várias possibilidades têm freqüentemente sido citadas na literatura. Por exemplo, as múltiplas representações, a exploração da variação de parâmetros, o processamento e a manipulação da linguagem simbólica. Associadas ao rápido feedback geralmente proporcionado por essas mídias, vários pesquisadores têm defendido a idéia de que o suporte computacional apropriado pode contribuir para a aprendizagem matemática.

É certo, no entanto, que os recursos e a potencialidade que caracterizam os chamados CAS (Computer Algebra System) Sistemas de Álgebra por Computador agrega ainda mais complexidade aos ambientes de ensino e aprendizagem. Esta é a visão de autores como Cuoco (2002, p. 293, tradução nossa):

[…] ao contrário de outros softwares matemáticos, a maioria dos ambientes CAS incorporam várias mídias computacionais desenvolvidas previamente, incluindo-se:

Rotinas numéricas de alta precisão e funções matemáticas embutidas;

Uma linguagem completa de programação que suporta estilos de trabalho orientados a objeto, funções e procedimentos;

Capacidades gráficas que incluem plotagem de funções de todos os tipos definidas em 2, 3 ou ;

Capacidades de tabulação e de tratamento de dados que permitem aos usuários construírem e manipularem tabelas e matrizes de objetos admissíveis.

Assim, em termos de software educacional, a maioria dos CAS reúne num só pacote uma calculadora científica sofisticada, uma linguagem de programação, um ambiente gráfico e uma planilha.[...] Mas um CAS é mais do que uma coleção de mídias previamente desenvolvidas: ele inclui pelo menos até certo ponto expressões algébricas e funções algébricas (assim como combinações algébricas de funções transcendentais clássicas ou definidas pelo usuário) como objetos de primeira classe, e seus sub- ambientes contêm comandos que permitem realizar cálculos típicos com estes objetos. Isto abre um conjunto completamente novo de possibilidades para os estudantes e um conjunto totalmente novo de questões para os educadores.

Particularmente na aprendizagem do Cálculo, só muito recentemente é que os CAS começaram a ocupar, ainda que de forma tímida, algum espaço nos laboratórios das universidades, nas preocupações de educadores e educadoras envolvidos em seu ensino e nos temas de interesse dos pesquisadore(a)s em Educação Matemática. Apesar da timidez de sua emergência no Brasil, as tendências apontam para um rápido crescimento em sua utilização, o que pode ser constatado pela queda nos preços desses sistemas e pelos lançamentos de novos livros-textos, oferecendo desde exercícios especialmente desenhados para a abordagem computacional, até suporte via WEB para professores e alunos.

Entre os mais importantes CAS comerciais disponíveis no mercado, o MAPLE e o MATHEMATICA têm ocupado uma posição de destaque nas preferências de usuário(a)s e pesquisadore(a)s em trabalhos no contexto da Matemática pura. Sistemas como o MATHCAD e o MATLAB, embora também presentes neste contexto, apresentam um projeto que os direcionam mais

especificamente para aplicações em engenharia. Além disso, os três primeiros competem diretamente entre si nos aspectos de preço e de características gerais. A decisão final pelo MAPLE baseou-se em minha experiência anterior com o sistema e na opinião informal de colegas da área, segundo os quais a filosofia do projeto MAPLE concebido na Universidade de Waterloo Canadá, estaria mais próxima da filosofia acadêmica. No entanto, é importante lembrar que os programas acima referidos não foram, a princípio, projetados para servirem à Educação Matemática. É ilustrativo, para nós educadores, observarmos que a diretriz fundamental do Grupo de Computação Simbólica – GCS, da Waterloo, é viabilizar a “mecanização da Matemática”.

De todo modo, os recursos do CAS-MAPLE são flexíveis, permitem várias configurações, possuem uma sintaxe bastante intuitiva e uma potencialidade bastante acima das necessidades computacionais de um curso de Cálculo. A interface poderia ser melhorada, assim como a qualidade das imagens geradas, mas um movimento neste sentido certamente cobraria seu preço em termos de redução da velocidade de processamento. Em suma, o equilíbrio interface x desempenho é bastante satisfatório e o sistema “entregou o que prometeu” durante a operação nos experimentos. A máquina utilizada nos experimentos foi um notebook Toshiba, processador Celeron de 2,4 Mhz, 256 Mb de memória RAM e tela LCD de 15”.

Mais do que nunca, portanto, cabe aos pesquisadores em Educação Matemática o papel crucial de sugerir e investigar os espaços que essas tecnologias possivelmente poderiam ter, explícita ou implicitamente, nos cenários de ensino e aprendizagem da matemática, considerando suas peculiaridades e objetivos educacionais subjacentes.

4. Compreensão Conceitual em Matemática

Uma investigação sobre compreensões de conceitos matemáticos obviamente demanda esclarecimentos quanto à visão assumida sobre compreensão e sobre a natureza de um conceito matemático.

Segundo Sierpinska (1990), noções de compreensão têm sido propostas por filósofos como Locke, Hume, Dilthey, Husserl, Bergson, Dewey, Gadamer, Heidegger, Ricoeur, Schütz e Cicourel, as quais configuram, em seu conjunto, um amplo espectro de contextos e de visões. Obviamente, no escopo da presente investigação, o que nos interessa é a compreensão de conceitos matemáticos específicos. A Matemática é entendida aqui como um sistema de conceitos ou idéias que tem emergido da interação humanos-mídias desde os primórdios da civilização e se desenvolvido no processo de construção de redes de representações que se articulam, se inter-relacionam e ainda que em suas gêneses tenham substituído de forma idealizada objetos e relações do “mundo real”, a este retornam oferecendo possibilidades de novas compreensões e se alimentando de novas idéias. Neste sentido, talvez o Cálculo seja um das instâncias mais fecundas e uma das expressões mais “vivas” e estruturadas deste sistema de conceitos. Mas, antes de continuarmos, ouçamos, por um momento, Dewey (1959, p. 180):

Cada ramo da ciência, geologia, zoologia, química, física, astronomia, bem como diversos ramos da matemática, aritmética, álgebra, cálculo, etc. tem em mira estabelecer seu próprio grupo especializado de conceitos, que constituem a chave para a compreensão dos fenômenos em cada campo classificados. Destarte, existe, como provisão de cada ramo típico de disciplina, um jogo de significados e princípios, tão intimamente entrelaçados que qualquer um deles, sob determinadas condições, encerra algum outro, e assim por diante. Isso torna possíveis as substituições de significados por outros equivalentes, e permite que o raciocínio, sem recorrer a observações específicas, formule conseqüências, muito remotas de qualquer princípio sugerido. A definição, as fórmulas gerais, a classificação, são os artifícios que fixam uma significação e a desdobram em suas ramificações; não são fins em si mesmas como muitas vezes os considera a educação elementar mas instrumentos para facilitar a compreensão, auxílios para interpretar o obscuro e decifrar o problemático.