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5.3. Ambientes glaciais

5.3.1. Sistemas deposicionais glácio-lacustres

O ambiente lacustre, de modo geral, caracteriza-se por apresentar água relativamente tranquila, normalmente doce, embora possam existir lagos com água salgada e até hipersalina situando-se comumente no interior do continente (Neumann et

al., 2008). Na natureza existem diversos tipos de lagos, que podem ser classificados segundo alguns critérios. Entre eles: origem (ou gênese), qualidade da água (química, físico-química ou biológica) e regimes hidrológicos ou hidrodinâmicos e climáticos (Neumann et al., 2008). De acordo com Ashley (2002), os lagos glaciais, que representam a parte de interesse desse estudo, são definidos como corpos de água estacionária formado por atividades glaciais, cujo leito pode ter sido escavado na rocha do substrato ou simplesmente foi barrado por depósitos da “morena frontal” ou “terminal” (Figura 10). Esses lagos podem se formar em uma variedade de situações, seja na frente da geleira, na região proglacial ou subglacial e até supraglacial (Rocha- Campos & Santos, 2008).

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Figura 10. Brazo Rico, do Lago Glacial Argentino (Parque Nacional Los Glaciares, Argentina), lago glacial formado pelo represamento das águas de degelo da geleira Perito Moreno por morenas frontais, visíveis em primeiro plano. Foto: Wagner Souza-Lima.

Uma maneira comum de formação de lagos é por represamento da água de degelo pelos depósitos de morenas, na frente ou lateralmente a geleira. As próprias geleiras podem também causar represamento. Os lagos podem se formar em depressões causadas pelo derretimento das massas de gelo estagnado dentro do sedimento glacial. A concentração de água de degelo pode também levar à formação de acumulações embaixo do gelo. Finalmente, em escala maior, grandes lagos proglaciais podem formar-se junto à margem de mantos de gelo em recuo, preenchendo depressões causadas pelo rebaixamento isostático da crosta da Terra, em razão do enorme peso do gelo (Rocha-Campos & Santos, 2008).

A sedimentação e as características dos depósitos glácio-lacustres são controladas pelas propriedades físicas e químicas dos lagos. Temperatura, salinidade e o conteúdo do sedimento em suspensão, e em muito menor grau, a quantidade de gases dissolvidos (O2 e CO2) e pressão hidrostática são fatores que influenciam a densidade da água dos

lagos, fator primordial que governa os processos que aí ocorrem (Rocha-Campos & Santos, 2008).

As partículas sedimentares são introduzidas nos lagos glaciais a partir das correntes de água de degelo, que podem provir de distâncias variáveis, quando a margem da geleira não está em contato com a água, ou por descarga direta a partir de

condutos na base das geleiras ou em posição englacial. Correntes de água de degelo que entram em lagos carregando sedimentos podem deslocar-se junto à superfície, no meio ou rente ao fundo do lago, dependendo de sua densidade em relação à da água (Ashley, 2002), podendo ser classificados respectivamente como fluxos hiperpicnais, homopicnais e hipopicnais.

O fluxo hiperpicnal é produzido quando a densidade da água do rio é maior do que a densidade da água que está na bacia de recepção. Esta água de densidade mais elevada fluirá abaixo da água que está na bacia receptora por causa da diferença de densidade. Uma zona de mistura ocorre ao longo da borda externa do fluxo (Figura 11). Como a água do rio corre por baixo (maior densidade) da água que está na bacia receptora (menor densidade), ela irá erodir os sedimentos de fundo previamente depositados. Mais a jusante na bacia de recepção, o fluxo eventualmente depositará os sedimentos erodidos como turbiditos.

Figura 11. Modelo mostrado o processo de sedimentação em fluxo hiperpicnal. A densidade do meio transportador é maior que a do meio receptor e, desse modo, os sedimentos são transportados junto ao substrato por corrente de turbidez. Nesse caso, não se formam deltas verdadeiros, mas sim “leques submarinos” que se depositam ao sopé dos taludes continentais, nas desembocaduras de canhões submarinos (modificado de Boggs, 1995). Disponível em: http://www.sepmstrata.org/page.aspx? pageid=318, no dia 12/01/2013.

22 O fluxo homopicnal ocorre quando a densidade da água do rio é igual à densidade da água que está na bacia receptora. Este tipo de fluxo está associado com mistura rápida ao longo do fluxo geral. Há também a deposição abrupta dos sedimentos transportados do rio para a bacia de recepção (Figura 12).

Figura 12. Modelo mostrado o processo de sedimentação em fluxo homopicnal. Nesse caso, a densidade do meio transportador (rio) é praticamente igual à do meio receptor (lago). Assim, a sedimentação progride nas três dimensões formando deltas do tipo Gilbert ou deltas lacustres (modificado de Boggs, 1995). Disponível em: http://www.sepmstrata.org/page.aspx?pageid=316, no dia 12/01/2013.

O fluxo hipopicnal ocorre quando a densidade da água do rio é menor do que a densidade da água que está na bacia de recepção. Sob estas condições, a água do rio fluirá por cima da água da para a bacia receptora e as partículas sedimentares em suspensão (silte e argila) serão depositadas gradualmente na área do prodelta. As partículas de silte e argila em suspensão depositam-se através do processo de floculação (Figura 13).

Os detritos glaciais provêm de concentrações formadas supraglacialmente ou incluídas na zona basal do gelo, normalmente transportadas por algum tipo de fluxo aquoso denso. Outra maneira envolve a queda de partículas a partir do derretimento de massas flutuantes de gelo, os icebergs, mecanismos denominado chuva de partículas (rain out). O caso mais conhecido resulta na deposição de clastos caídos, ou seixos pingados (dropstones; rafted clasts; Assine & Vesely, 2008).

Figura 13. Modelo mostrado o processo de sedimentação em fluxo hipopicnal. Nesse caso a densidade do meio transportador é menor que a do meio receptor e, dessa maneira, os sedimentos movem-se mais denso. Esta situação é mais característica dos deltas originados por rios que desaguam em marés e oceanos (modificado de Boggs, 1995). Disponível em: http://www.sepmstrata.org/page.aspx?pageid=318, no dia 12/01/2013.

De acordo com Ashley (2002) um lago de origem glacial pode estar situado em contato com a geleira (lago proximal) ou distante dela (lago distal). Quando situado em contato com geleira, o lago recebe sedimentos através de material derivado de desagregação de blocos da margem da geleira, queda de clastos de gelo flutuante, de correntes de fundo provenientes de túneis englaciais e/ou subglaciais, e de fluxos sedimentares de gravidade (Figura 14).

Leques subaquosos podem se formar quando a entrada de fluxos de degelo ocorre através de túneis subglaciais próximo ao fundo do lago. Neste caso, a fração grossa é transportada pelo fundo na forma de sistemas de outwash subaquosos, enquanto que a fração fina entra em suspensão e decanta lentamente. A densidade da água de degelo que entra no corpo d’água é maior que a da água do meio, o que favorece o desenvolvimento de correntes de turbidez (fluxo hiperpicnais; Assine & Vesely, 2008).

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Figura 14. Sedimentação em lagos glaciais em contato com a geleira - lago proximal (Assine & Vesely, 2008).

As desagregações de blocos na margem da geleira formam icebergs que se deslocam através da correnteza, liberando detritos à medida que derretem. Os registros mais importantes são clastos relativamente grandes (variando de seixos a matacões) que se desprendem do gelo, caindo no fundo e produzindo distúrbios na estratificação dos depósitos finos. Os icebergs podem, eventualmente, tocar o fundo e produzir sulcos de arrasto de quilhas de gelo nos sedimentos inconsolidados (Figuras 9A e 9B; Assine & Vesely, 2008).

Quando o lago glacial não está em contato direto com a geleira, a entrada de água e de sedimentos se dá principalmente através de sistemas flúvio-glaciais que, ao penetrar no lago, formam plumas de sedimentos em suspensão, originando deltas glácio-lacustres (Figura 15). Devido à granulometria grossa e ao volume elevado da carga sedimentar, deltas lacustres em ambientes alimentados por correntes de degelo tendem a possuir taludes deposicionais íngremes, levando à ocorrência de uma grande variedade de processos gravitacionais, como deslizamentos de massa, fluxos de detritos e correntes de turbidez. Os depósitos mais característicos dos lagos glaciais distais são os varvitos, que são depósitos clásticos finos de aspecto rítmico (ritmitos), compostos por siltitos e folhelhos alternados. Os pares possuem espessuras de poucos milímetros a poucos centímetros. Os níveis mais grossos exibem contatos basais bruscos e apresentam-se no geral gradados, transicionando para os níveis mais finos (Assine & Vesely, 2008).

Figura 15. Sedimentação em lagos distais (Assine & Vesely, 2008).

Os varvitos têm a sua origem relacionada a variações sazonais (estações do ano). Durante a estação verão, sistemas aluviais proglaciais abastecem o lago, trazendo sedimentos que ficam em suspensão na água. Por se apresentarem mais pesadas, as partículas de areia muito fina e silte depositam-se rápido, enquanto que a argila decanta mais lentamente. No período do inverno a água da superfície do lago pode congelar, formando uma camada de gelo por toda sua extensão e impedindo nova entrada de sedimentos, depositando-se então somente a fração argila. Com a volta do verão o processo de degelo ocorre e há nova entrada de sedimentos no lago. A repetição destes fenômenos todos os anos produz uma alternância regular de lâminas sílticas e argilosas, que constituem os varvitos (Rocha-Campos & Santos, 2008).

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