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Na opinião de Lundvall et al. (2002), devem-se a Friedrich List (1789–1846) as primeiras noções do que viria a se tornar, dois séculos mais tarde, o conceito de um sistema nacional de inovação.

O estado atual das nações é o resultado da acumulação de todas as descobertas, invenções, melhorias, aperfeiçoamentos e esforços de todas as gerações que viveram

antes de nós; eles formam o capital intelectual da raça humana nos dias de hoje, e cada nação é produtiva apenas na proporção em que soube se apropriar dessas conquistas de gerações anteriores e expandi-las por suas próprias competências; na proporção em que as capacidades naturais de seu território, sua extensão e posição geográfica, sua população e poder político, têm sido capazes de desenvolver, tão completa e simetricamente quanto possível, todas as fontes de riqueza dentro de suas fronteiras, e estender sua influência moral, intelectual, comercial e política sobre as nações menos avançadas e, especialmente, sobre as questões de interesse global (LIST, 1909, p. 113–114, tradução nossa).

Neste trecho da obra de List, nota-se uma original preocupação com a expansão dos conhecimentos (no sentido lato) de uma nação como forma de afirmar sua soberania e ampliar sua influência sobre outras nações. Esta afirmação, originalmente publicada em 1841, fundamenta e justifica o constante movimento das nações desenvolvidas e em desenvolvimento na busca de conquistar sua autossuficiência e supremacia tecnológicas.

As principais teorias sobre os sistemas de inovação foram desenvolvidas a partir da década de 1980, destacando-se os trabalhos de Lundvall (1985, 1992), Freeman (1987, 1995) e Nelson (1988, 1993).

Não obstante, três importantes momentos são mapeados por Albuquerque (2004), ao traçar um histórico da discussão acadêmica acerca dos sistemas de inovação. A primeira rodada da elaboração do conceito de sistemas nacionais de inovação remonta à década de 1970, com destaque, entre outros, para os trabalhos de Nelson e Winter (1977) e Freeman (1979).

Esses trabalhos, pioneiros em investigar diversas dimensões do progresso tecnológico, colocaram a questão da ciência e da tecnologia como determinantes para o desenvolvimento econômico, e estimularam uma proeminente produção teórica e empírica, estabelecendo, inclusive, os atores que viriam a constituir o sistema: firmas e suas redes de cooperação; universidades e institutos de pesquisa; instituições de ensino; sistema financeiro; sistemas legais; mecanismos mercantis e não mercantis de seleção; governo; mecanismos e instituições de coordenação (ALBUQUERQUE, 2004).

Ainda de acordo com Albuquerque (2004), o segundo momento se deu no final da década de 1980, com as contribuições de Freeman (1987) e Lundvall (1988) buscando sintetizar um conceito formal para sistema nacional de inovação e, já na década de 1990, com Lundvall (1992) centrando sua análise nas interações entre os atores dos sistemas de inovação e Nelson (1993), investigando diferentes experiências nacionais.

Com a publicação de The 'National System of Innovation' in historical perspective (FREEMAN, 1995), inaugurou-se a terceira fase da elaboração evolucionista dos sistemas nacionais de inovação (ALBUQUERQUE, 2004). O caso brasileiro é trabalhado nesta obra,

que ressalta a importância de políticas nacionais que deem sustentação ao processo de evolução científico-tecnológica.

Outros estudos empíricos realizaram análises sobre a evolução da produção científica brasileira e sua relação com a formação de um sistema nacional de inovação (ALBUQUERQUE, 1996, 1998; PONOMARIOV; TOIVANEN, 2014), ou analisaram a produção internacional sobre o tema, a partir de bases de dados internacionais indexadas (SCHMITZ et al., 2014).

2.2.1 O governo como indutor

A ação dos governos como indutores do desenvolvimento tem seu protagonismo evidente mesmo de antes da consolidação das teorias e exemplos reais de sistemas nacionais de inovação defendidos pelos economistas neoschumpeterianos do último quarto do século XX. Por meio de políticas industriais verticais (ou setoriais, voltadas para um ou alguns setores específicos) e horizontais (beneficiando o funcionamento de toda a indústria ou a maior parte dela), os governos tentam mitigar falhas de mercado e estimular externalidades que beneficiarão alguns setores e promoverão o desenvolvimento tecnológico (MAZZONI; STRACHMAN, 2012).

Tal ação direta do governo é destacada na definição de Gadelha (2001, p. 153), para quem as políticas industriais são “o foco da intervenção pública na dinâmica de inovações da indústria, visando [a] promover transformações qualitativas na estrutura produtiva e o desenvolvimento das economias nacionais”.

De acordo com Prager e Omenn (1980), embora existam questionamentos quanto à real capacidade do governo de contribuir positivamente para a aproximação academia- indústria – haja vista que isso poderia levar à perda de flexibilidade e diversidade dos arranjos, além do risco político da inserção de mais um grupo de interesses – algumas das maneiras pelas quais tal contribuição poderia se dar são: (i) melhoria da comunicação por meio da instituição de programas e eventos específicos para aproximação dos atores; (ii) destinação de orçamento para pesquisas colaborativas; (iii) incentivos fiscais para as empresas que investirem em pesquisa em cooperação com universidades; e (iv) uma clara lei de patentes que atenda às expectativas de ambos as instituições envolvidas, indústria e universidade.

A capacidade de uma nação de produzir riqueza depende, em grande parte, dos seus investimentos realizados em educação, pesquisa e inovação (ABRAMO et al., 2009). A

partir da década de 1970, diversos governos, principalmente em países industrializados, passaram a adotar medidas para aproximar as universidades da inovação para fins industriais e mercadológicos, por meio de parques tecnológicos, financiamento de projetos de inovação, incubadoras de empresas, entre outros (MOWERY; SAMPAT, 2006).

No Brasil, diversos movimentos governamentais foram iniciados a partir do início da década de 1970, no intuito de estabelecer uma indústria nacional de computadores eletrônicos, contando com a parceria de empresas multinacionais estrangeiras detentoras da tecnologia (HELENA, 1980). Mais recentemente, como argumentam Mazzoni e Strachman (2012), novas iniciativas evidenciaram potencial indutor do governo, a exemplo da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), em 2003, e da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), em 2008.

Amparadas pelas políticas acima, merecem destaque as medidas legais de apoio à inovação adotadas em seguida. A primeira delas é conhecida como Lei de Inovação (BRASIL, 2004), que estimulou a aproximação entre instituições públicas e empresas privadas através de prestação de serviços de consultoria, utilização de recursos – inclusive pessoal técnico e cientistas – dos centros de pesquisa públicos pelas empresas, bolsas pagas aos pesquisadores das instituições públicas, liberação de pesquisadores para atuação na iniciativa privada, compartilhamento de infraestrutura, participação dos pesquisadores nos lucros auferidos pelas empresas a partir de produtos criados e colaboração, entre outras ações (RAPINI; RIGHI, 2006).

Outra lei, conhecida como Lei do Bem (BRASIL, 2005) passou a conceder incentivos fiscais às empresas que realizam pesquisa e desenvolvimento de inovações tecnológicas, o que também se tornou um estímulo à aproximação entre empresas e universidades e centros de pesquisa públicos.

Segundo Freeman (1987), a existência de um sistema nacional de inovação é condição para a ampliação da capacidade empreendedora de uma nação. A academia, representada pelas instituições de ensino superior, entre elas as universidades e seus institutos de pesquisa vinculados; o governo, com sua capacidade de fomento via bancos de desenvolvimento e variedade de incentivos, seja por meio de subvenções, seja através de políticas públicas direcionadas por suas instâncias municipal, estadual e federal; e o mercado, notadamente o setor da indústria, formam, juntos, as bases destes sistemas nacionais de inovação (FREEMAN, 1987).

Através deles é possível desenvolver as economias locais, gerar emprego e renda e, no longo prazo, reduzir desigualdades. No longo prazo, facilitarão o aumento da

competitividade entre os setores de uma economia, cuja consequência natural é o incremento da competitividade nacional e da produtividade (BRIMBLE; DONER, 2007), meta sempre almejada pelo setor industrial.

Para este fim, segundo argumentam Bramwell, Hepburn e Wolfe (2012), decisores políticos de várias economias líderes adotaram a abordagem de sistemas nacionais de inovação, intensificando os esforços para alavancar o desenvolvimento de seus países por meio do progresso tecnológico, focando na natureza colaborativa e interdependente do processo de inovação.

A despeito da possibilidade de as empresas multinacionais ou de capital predominantemente estrangeiro acionarem instituições de pesquisa em seus países de origem, em detrimentos dos centros de pesquisa locais (SCHARTINGER; SCHIBANY; GASSLER, 2001; SCHARTINGER et al., 2002), o papel do governo em oferecer ambiente jurídico- institucional que venha a estimular as relações entre os atores é fundamental (SHANE, 2004). As consequências positivas para as regiões em que tais relações fisicamente ocorrem são determinantes para o seu progresso (VENKATARAMAN, 2004).

Na perspectiva neoschumpeteriana evolucionista, o Estado assume papel central, não se limitando a apenas corrigir falhas de mercado, como reivindica a vertente econômico- liberal (GADELHA, 2001). Ele é um agente estruturante, dotado de capacidade para transformar o ambiente competitivo e, como tal, tem poder para intervir e moldar as condições mais favoráveis à criação e difusão da inovação (ERBER; CASSIOLATO, 1997).

É focando neste contexto institucional, com a integração entre governo, universidades e indústria que surge o conceito da hélice tripla da inovação.