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Sistemas políticos federais: aproximação histórico-conceitual

Capítulo 1: O Estado federativo e as diversidades étnicas

1.2 Sistemas políticos federais: aproximação histórico-conceitual

A federação é um fenômeno moderno: nasce com a constituição dos Estados Unidos da América em 1787. A problemática central enfrentada – cujos debates são refletidos nos textos dos norte-americanos A.Hamilton, J. Madison e J. Jay – era como evitar que a autoridade estatal constituída se tornasse despótica. Estes autores defenderam a federação, reunião de estados autônomos, onde o governo central estende seus raios até os cidadãos, como solução na república. Propuseram também um novo sistema de governo, o presidencialismo, que assegurava a moderação por meio da divisão de poderes e da constituição, além de construir instituições políticas republicanas (Suprema Corte, cujo objetivo era a moderação entre Poder Executivo e Poder Legislativo; e o Senado, responsável pela representação federativa e pela contenção do poder da Câmara dos Deputados). Assim, poucos anos após a independência das treze colônias britânicas da América, criou-se a federação, modelo adotado atualmente por 25 países19 com grande importância geopolítica, econômica e cultural, abrangendo cerca de 40% da população mundial (ELAZAR, 1987, ABRUCIO, 2000).

Abrucio (2000) situa a federação em uma classificação que abrange quatro formas típicas de organização territorial do poder, que se diferenciam pelo grau de concentração do poder e soberania entre os entes, concretizando categorias que se diferenciam em uma escala que vai de formas de organização territorial do poder mais centrípetas àquelas mais centrífugas, a saber: o Estado Unitário, a Federação, a Confederação e a Associação de Estados20. Não é nosso objetivo discutir cada um destes tipos, nem mesmo nos deter nos casos que adotam modelos mistos, mas evidenciar as principais características da federação.

19 Segundo o Forum of Federations (2005), esse é o número de países que atualmente adotam formalmente o modelo federativo, de um total de 193 países.

20Situada na extremidade centrífuga desta classificação, a Associação de Estados consiste no estabelecimento de relações cooperativas para fins políticos, culturais e/ou econômicos entre nações que não abdicam de sua soberania original. A Confederação, por sua vez, é a união de unidades independentes contíguas territorialmente (podem ser Estados nacionais ou mesmo estados, como no caso dos Estados Unidos pós-independência) que buscam uma maior compartilhamento de poder sem, no entanto, o objetivo de criação de um poder central. Esta última forma encontra-se numa posição entre o centro e o extremo centrífugo da classificação, seguida da Federação, que iremos nos deter com mais detalhe no decorrer do texto, tipo classificado numa posição entre a

Uma federação é um tipo de organização territorial do poder no qual as jurisdições subnacionais têm esferas de autonomia em relação ao centro, mantendo-se uma estrutura nacional. O modelo federativo caracteriza-se por ser:

(...) um pacto entre unidades territoriais que escolhem estabelecer uma parceria conformando uma nação, sem que a soberania seja concentrada num só ente, como no Estado Unitário, ou então em cada uma das partes, como na Associação entre Estados ou mesmo nas Confederações. A especificidade do Estado Federal, em termos da distribuição territorial de poder, é o compartilhamento da soberania entre o Governo Central – chamado de União ou Governo Federal – e os governos subnacionais (ABRUCIO, 2004: 13).

A essência da federação como forma particular de união é, o que de forma sintética define Elazar como self-rule plus shared rule (ELAZAR, 1987: 12). Segundo ele, a federação envolve a ligação de indivíduos e grupos de modo que essa união configure-se como um laço para a busca de fins comuns, sem que as respectivas autonomias sejam ameaçadas (idem: 5). Assim, como coloca Burgess (1993), o que diferencia a federação é que suas unidades são estados com direitos de estado, e não meras autoridades locais subordinadas a um poder central.

É importante também marcar o caráter pactual da federação. Segundo Elazar (1987: 5):

O termo ‘federal’ é derivado do Latim ‘foedus’, o qual, como o termo Hebraico ‘brit’, significa pacto. Em essência, um arranjo federal é uma parceria, estabelecida e regulada por um pacto, cujas relações internas refletem um tipo especial de divisão que deve prevalecer entre os parceiros, baseada no reconhecimento mútuo da integridade de cada parceiro e no esforço de incentivar uma unidade especial entre eles.

Ou, como afirma King21 (1982) apud Burgess (1993: 4), a federação é um arranjo institucional, falando da forma de organização de um estado soberano, distinto de outros estados somente pelo fato que seu governo central incorpora unidades regionais em seu procedimento de decisão numa base constitucional.

extremidade centrípeta e a metade da escala. O Estado Unitário, no extremo centrípeto, caracteriza-se pela concentração da soberania no Governo Central, com grandes variações na delegação de funções e autoridade para os entes subnacionais, mas onde há sempre uma hierarquia e uma assimetria entre o poder central e as unidades subnacionais (ABRUCIO, 2000).

Assim, além da soberania compartilhada e do equilíbrio entre autonomia e interdependência, a constituição escrita é uma das características básicas do federalismo. Além destas, Abrucio (2000: 32) propõe outras quatro características que diferenciam este modelo, a saber: o princípio da autonomia e do governo descentralizado; o poder diferenciado dos governos subnacionais no processo de reformulação constitucional; o bicameralismo e Segunda Câmara representando os interesses regionais; e a sobre-representação dos estados menos populosos na Câmara baixa, que representa o eleitorado nacional.

Entretanto, ainda que diversos autores proponham modelos institucionais mínimos a todas as federações, não faz sentido pensar em um modelo único, tampouco desvincular sua estrutura das particularidades históricas de cada realidade. A diversidade de características sociais, culturais, políticas, econômicas e geográficas específicas existentes em cada país concretiza fórmulas institucionais bastantes variadas. Desse modo, para entender claramente a estrutura de uma federação faz-se necessário considerar as razões que levaram à sua formação, os problemas aos quais ela foi constituída como conjunto de respostas históricas (BURGESS, 1993: 9). Além disso, há uma variedade de engenharias institucionais federalistas que traduzem para a prática o princípio federalista sem, no entanto, constituírem formalmente uma federação.

Nesse sentido se faz necessário retomar o esclarecimento conceitual entre federação e federalismo desenvolvido por Burgess (1993). Conforme discutido anteriormente, a federação é uma fórmula institucional referenciada historicamente que permite a convivência entre a soberania de suas esferas subnacionais e a integridade territorial (ELAZAR, 1987).

O federalismo, por sua vez, significa o princípio que acomoda unidade e diversidade, um valor que recomenda a federação, mas nem sempre concretiza sua promoção ativa. Tem uma dimensão ideológica (quando é guia prescritivo para a ação), filosófica (idéia de senso normativo para organização humana) e empírica (reconhecimento da diversidade como uma realidade viva, algo que existe independentemente da percepção ideológica ou filosófica). Ainda que todas essas perspectivas sejam contestáveis, é importante lembrar que os federalismos diferem amplamente em seus conteúdos. Refletem diferentes constelações e configurações de padrões de separação, seja em no sentido territorial, como não territorial (BURGESS, 1997: 8).

Essa distinção entre federalismo (princípio organizativo) e a federação (forma organizacional que corresponde a esse princípio) e nos é útil na medida que permite estar atentos a existência de outros desenhos institucionais federativos, que não somente a federação, os quais caracterizam-se por serem divididos em unidades territoriais que gozam se graus substanciais de autonomia política (McGARRY, 2002: 416), lidando com a diversidade mantendo a unidade política. Assim é possível reconhecer a existência de ideais e princípios federais não apenas nas federações, mas também estados descentralizados em que instituições regionais têm autonomia, como também em desenhos onde as autoridades centrais realizam acordos bilaterais com uma parte do território do Estado, o que Elazar chamou de federacies (McGARRY, 2002: 416).