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2.2 O Cenário da Pesquisa

3.2.2 Sistematização e Análise dos Dados

A análise de dados foi realizada a partir da perspectiva etnográfica de análise de conteúdo, seguindo as recomendações de Beaud e Weber (2014), Moraes (1999) e Bardin (2009).

A natureza dos dados coletados, de entrevistas semiestruturadas e narrativas, observações registradas em diário de campo, análise documental e levantamento estatístico, compõem o conteúdo do material analisado. O esforço de análise ocorreu com o objetivo de desvelar os significados atribuídos pelos jovens em situação de acolhimento institucional sobre suas sociabilidades. Desse modo, buscou-se na análise de conteúdos pela perspectiva etnográfica o que Bardin (2009, p. 31) indica: superar as incertezas oriundas das representações da própria pesquisadora, assim como enriquecer a leitura pela descoberta de conteúdos e de estruturas que esclareçam significações que a priori não compreendemos, assumindo uma função heurística, nas palavras do autor “para ver o que dá”.

Para Bardin (2009, p. 32), a análise de conteúdo “[...] é um método muito empírico, dependente do tipo de fala a que se dedica e do tipo de interpretação que se pretende como objetivo”, por isso não existe uma técnica fechada e única, é reinventada de acordo com o objeto de pesquisa. No entanto, a longa trajetória do método aponta para alguns funcionamentos básicos, cujo campo de aplicação são as comunicações. Veremos a partir do Guia para pesquisa de campo, de Beaud e Weber (2014) a forma adotada com base em dados etnográficos.

Beaud e Weber (2014, p. 153) destacam três ferramentas para a análise etnográfica: “[...] a escrita, a anotação e a transcrição que transformam a pesquisa, as entrevistas e as impressões em documentos”. Desta maneira, o material levantado em campo é heterogêneo. Seguindo as recomendações dos autores, o processo de organização e análise desta pesquisa ocorreu pela priorização dos dados a partir da importância, ou seja, foram selecionadas as entrevistas e as observações mais relevantes para posterior transcrição, o que já permitiu o estabelecimento das primeiras relações entre dados etnográficos e o seu contexto.

A produção do material escrito, portanto a transcrição de entrevistas e do próprio diário de campo, teve como função a objetivação, permitindo um relativo distanciamento para a realização de uma leitura crítica dos dados e seu contexto, fazendo aparecer as relações que ainda não estavam visíveis. Portanto, durante a

transcrição já foram realizadas as primeiras análises, registradas em notas que foram aprofundadas e retomadas durante a leitura crítica da documentação.

Durante a leitura crítica foram destacados nos documentos as expressões e os episódios mais marcantes, sendo circuladas as palavras-chave e as expressões mais constantes, seguindo as recomendações de Beaud e Weber (2014, p. 156). Assim como, foram definidos subtítulos a partir das expressões dos entrevistados na documentação das entrevistas.

Para análise do Diário de Campo, também foram seguidas as recomendações dos autores, a partir da leitura inicial para localização dos eventos mais marcantes, seguindo de uma leitura aprofundada a fim de comparar os eventos para organizar uma série de interações repetidas.

Para análise das entrevistas também foi considerado o contexto, segundo Moraes (1999, p.3) “[..] é preciso considerar, além do conteúdo explícito, o autor, o destinatário e as formas de codificação e transmissão da mensagem. O contexto dentro do qual se analisam os dados deve ser explicitado em qualquer análise de conteúdo”. Portanto, a análise das entrevistas não ocorreu de forma isolada, buscou- se sempre a relação com outras entrevistas, com as observações, com o cenário do momento vivenciado, reconstituindo as condições da produção do dado coletado.

A análise da documentação produzida a partir da coleta de dados permitiu identificar significados atribuídos pelos jovens sobre as formas de sociabilidades dentro e fora do Abrigo, indicando um conjunto de atribuições de significados diferentes para cada contexto, assim como possibilitou a associação de categorias analíticas que ajudam a explicar o fenômeno das interações sociais de jovens em acolhimento institucional.

Para Beaud e Weber (2014, p. 171) a interpretação dos dados deve “[...] relacionar, em cada caso, posições objetivas, práticas e pontos de vista subjetivos; as palavras nativas e os silêncios; os mal-entendidos”. Diante do conjunto de dados coletados e organizados, a tarefa foi de distinguir o que interessava ao problema de pesquisa, iniciando pela descrição do contexto e objetivando o perfil dos jovens para, posteriormente, estabelecer relações com as práticas e seus pontos de vista subjetivos expressos nas entrevistas e observados nas interações.

A interpretação dos dados também requer uma atenção sobre as palavras “nativas”, ou seja, aquelas emitidas pelos pesquisados que apontam para categorias de classificação e/ou julgamentos, que podem configurar as subjetividades que

expressam suas interpretações da realidade social. Entre as palavras utilizadas pelos jovens, adotamos o termo “acolhidos”, pois é a forma que expressam sua situação no momento do acolhimento institucional. Da mesma maneira, os termos “dentro” e “fora”, indicaram a estrutura analítica das formas de sociabilidades, sendo “dentro” tudo o que ocorre entre os muros do Abrigo e “fora” todas as relações e experiências vivenciadas na rua e demais instituições de trânsito dos jovens.

A análise da documentação permitiu identificar os significados atribuídos pelos jovens nas suas diferentes interações sociais “dentro” e “fora” do Abrigo a partir de suas narrativas. Inicialmente foram identificados todos os lugares ou situações de sociabilidades citadas pelos jovens, após foram comparados os significados atribuídos pelos mesmos para a diversidade de suas interações a partir das narrativas e também dos episódios correspondentes registrados no diário de campo. Da mesma maneira, o confronto de diferentes documentos sistematizados a partir da coleta de dados, fez emergir diferentes significados entre a definição normativa do serviço de acolhimento institucional e as práticas desenvolvidas no cotidiano do Abrigo, apresentando os dualismos da política social.

A comparação entre as narrativas da equipe técnica e dos jovens também mostrou os dualismos entre os significados atribuídos às interações sociais, apontando diversas situações de conflito. A recorrência destes episódios na documentação, assim como da violência direta e indireta, corroborou para emergir o conceito do conflito como a forma das sociabilidades dos jovens acolhidos. Portanto, o conceito de conflito surgiu pelo confronto entre os dados analisados, o que garante a confiabilidade da pesquisa a partir do controle possível de realizar entre uma fonte e outra.

Desse modo, a análise de conteúdos na perspectiva etnográfica parte de uma abordagem indutiva-construtiva, que toma como ponto de partida os dados coletados, para posterior elaboração de categorias e teorias. Segundo Moraes (1999, p. 10), “[...] é portanto, essencialmente, indutiva. Sua finalidade não é generalizar ou testar hipóteses, mas construir uma compreensão dos fenômenos investigados”.

4 SOCIABILIDADES JUVENIS E O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL

O objeto da sociologia das formas é a interação. Para Georg Simmel, sociólogo alemão, são os indivíduos que realizam as ações, o que também podemos chamar de microssociologia. Para o sociólogo, a sociedade é produto das interações sociais entre os indivíduos, determinadas por impulsos ou busca de certas finalidades, afirmando assim que todas as interações entre os indivíduos constituem suas sociabilidades. Desta maneira, a noção de sociabilidades de Simmel foi adotada para realização da análise das relações sociais dos jovens acolhidos como material empírico.