Os indivíduos acometidos por UV, como por qualquer outra lesão crônica, requerem uma assistência de qualidade com visão integral do ser humano, dentro do seu contexto socioeconômico e cultural, além da atuação de equipe multidisciplinar capacitada, considerando a complexidade e dinamicidade que envolvem o processo de cicatrização dessas lesões (DEODATO; TORRES, 2008a; TORRES et al., 2007; TORRES; NUNES, 2005, AGUIAR et al., 2005; BORGES, 2005).
A assistência a esses indivíduos, bem como o manejo e o tratamento específico da UV, requerem da equipe multidisciplinar envolvida, um conjunto de estratégias que possibilitem a identificação de caminhos para o alcance precoce dos objetivos propostos na assistência, o que só é possível através da sistematização da assistência prestada aos usuários com essas lesões (SILVA et al., 2007).
A primeira etapa da sistematização da assistência corresponde à avaliação do usuário com enfoque familiar, levando em consideração os aspectos clínicos individuais, através da anamnese e exame físico, e os aspectos sociais, culturais e econômicos dentro do contexto familiar, pois é nele que se insere o indivíduo (NUNES et al., 2006; YAMADA, 2003; PIEPER, 2000; POSSO, 1999).
A avaliação do cliente e das condições da úlcera é a primeira e mais importante etapa da assistência, pois é através dela que se capturam informações que subsidiarão a formulação de um diagnóstico correto e a implementação de ações coerentes com a realidade do serviço de saúde e do usuário (DEODATO, 2007).
Para Mandelbaum, Di Santis e Mandelbaum (2003), nessa avaliação, devem ser abordados aspectos como a história e o exame subjetivo do cliente; condições gerais do usuário, exames laboratoriais e doenças associadas; avaliação e classificação adequadas da lesão; e as expectativas do cliente e da família quanto à aderência ao tratamento, as
possibilidades econômico-financeiras de manutenção, bem como a disponibilidade de realização de curativos por ele próprio e por familiares.
Após uma anamnese rigorosa e exame físico detalhado para exclusão de problemas relacionados à cicatrização, o próximo passo consiste na investigação laboratorial, com a realização de exames como hemograma, hemoglobina, leucócitos, plaquetas, bioquímica (triglicérides e colesterol), glicemia de jejum, dosagens de proteínas (total e frações) e níveis de albumina e transferrina (DALDATI-GRANJA et al., 2005; AGUIAR et al., 2005; BORGES, 2005; BORGES; SAÁR; LIMA, 2001).
Aguiar et al. (2005), Borges (2005) e Phillips (2001) enfatizam que o diagnóstico da UV é eminentemente clínico e deve ser dado a partir da história clínica completa, que requer exame físico, avaliação da lesão e realização de exames, entre eles hemograma completo, glicemia em jejum, albumina sérica, cultura de exsudato e medição do Índice Tornozelo- Braquial (ITB).
Desse modo, após o levantamento das condições de vida e de saúde do indivíduo, parte-se para a segunda fase da sistematização da assistência, em que serão elaborados o diagnóstico do processo saúde/doença, das necessidades de atenção à saúde, bem como o diagnóstico da lesão, essenciais ao planejamento das condutas ou ações a serem implementadas.
Logo que estabelecido o diagnóstico, inicia-se, então, o planejamento da assistência e a implementação das ações. Estas devem contemplar: evolução clínica contínua, com avaliação das características da lesão (localização anatômica, evolução, área, tipo de cicatrização, fase do processo cicatricial, tipo do exsudato, característica do leito, característica perilesional e presença de sinais de infecção); prescrição de terapia tópica e sistêmica; escolha do tipo de cobertura e curativo; tratamento contínuo; documentação (registro no prontuário e registros fotográficos); mensuração; e estímulo ao autocuidado por meio de orientações e treinamentos (DALDATI-GRANJA et al., 2005; BORGES; SAÁR; LIMA, 2001; POLETTI, 2000).
Uma vez implementada a assistência, baseada em protocolos, a etapa seguinte será a avaliação, que é o processo de determinar a extensão em que os objetivos foram conseguidos. Para alguns autores, a avaliação deve ser realizada com intervalos regulares, conforme a necessidade de cada caso, levando em consideração a efetividade das intervenções, condutas e tratamento; a identificação dos fatores locais, sistêmicos, familiares, sociais e estruturais do serviço/domicílio que possam estar intervindo no tratamento; a reavaliação dos produtos, coberturas e tipo de técnicas de curativo; além da reavaliação e replanejamento da assistência
de acordo com a necessidade (TORRES, et al, 2004; TENORIO; BRAZ, 2002; MAFFEI, 2002).
Cabe lembrar que a documentação dos achados clínicos é fundamental para o acompanhamento da UV e serve de instrumento legal e de divulgação entre os vários profissionais envolvidos com a assistência ao usuário com úlcera. O registro deve ser feito tanto na primeira avaliação quanto nas subsequentes, abrangendo vários aspectos: história clínica completa e exame físico; história da úlcera (ano em que a primeira úlcera ocorreu, local da UV, recidivas e tratamentos); presença de edema, eczema, tecido de granulação, epitelização, tecido necrótico, odor; tamanho da UV; e exames solicitados (AGUIAR et al., 2005; BORGES, 2005; HESS, 2002; CANDIDO, 2001). Inexistindo a documentação ou sendo ela incompleta, a evolução clínica dos usuários acontece de maneira assistemática, o que pode tornar a assistência não resolutiva.
Aguiar et al. (2005), Borges (2005) e Belo Horizonte (2006) afirmam, ainda, que a qualidade da assistência aos indivíduos com úlceras vasculares nos serviços de saúde está relacionada ao diagnóstico clínico precoce, sistematização da assistência, uso de protocolos, tratamento sistêmico e local das lesões, com acompanhamento, evolução e avaliação sistematizados de acordo com cada momento e/ou intercorrências na evolução do processo cicatricial, exigindo abordagem interdisciplinar e níveis de complexidade.
No contexto do tratamento de feridas, o enfermeiro tem sido tradicionalmente o profissional responsável pela avaliação da lesão e prescrição do tratamento adequado, além da orientação e supervisão da equipe de enfermagem na execução do curativo (FERREIRA; BOGAMIL; TORMENA, 2008; HAYSAHI, 2003).
Dessa forma, a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) mostra-se necessária no sentido de instrumentalizar o trabalho desse profissional, possibilitando a aplicação de conhecimentos com base em evidências científicas e o estabelecimento de fundamentos para a tomada de decisão, bem como o registro adequado da assistência prestada.
A Sistematização da Assistência de Enfermagem é uma atividade privativa do enfermeiro, que, através de um método e estratégia de trabalho científicos, realiza a identificação das situações de saúde, subsidiando a prescrição e implementação das ações de Assistência de Enfermagem que possam contribuir para a promoção, prevenção, recuperação e reabilitação em saúde do indivíduo, família e comunidade (DANIEL, 1979).
A sistematização da assistência de enfermagem (SAE) requer do profissional interesse em conhecer o paciente como indivíduo, utilizando para isso seus conhecimentos e
habilidades, além de orientação e treinamento da equipe de enfermagem para implementação das ações sistematizadas (DANIEL, 1979).
É de fundamental importância que os profissionais que cuidam dos indivíduos com UV se apropriem desses conhecimentos, para que possam fundamentar suas ações cientificamente e provocar modificações junto aos gestores, no sentido de organizar e garantir uma assistência de qualidade, contribuindo significativamente para a melhoria da qualidade de vida das pessoas acometidas por essas lesões.
4 METODOLOGIA