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SITUAÇÃO ATUAL DA FORMAÇÃO DOS ANALISTAS

3. CONCEPÇÕES FRENTE À QUESTÃO DA AUTORIZAÇÃO DOS ANALISTAS E

3.4 SITUAÇÃO ATUAL DA FORMAÇÃO DOS ANALISTAS

Roudinesco (1989), num artigo publicado na revista

Magazine Littéraire, denominado Repli individuel et malaise collectif faz uma constatação fundamental: “a psicanálise não é o apanágio de uma elite, tal como nos anos de 1950, quando tinham acesso à cultura freudiana apenas médicos brilhantes e universitários fora de série” (p.44).

Segundo a autora, a psicanálise tornou-se uma prática de massa, com um profissionalismo carregado de um vocabulário de tecnocratas, ilegível e inaudível. Em face desse contexto, ela afirma que ao mesmo tempo que o nível teria caído qualitativamente, ele teria subido quantitativamente. Segundo as críticas dirigidas ao sistema contemporâneo de formação dos analistas – leia-se aqui o modelo de formação lacaniano – o que está sendo produzido são analistas

malformados que se autorizam à psicanálise, sem prestar contas da sua formação a ninguém.

Conforme Green apud Roudinesco (1989), os psicanalistas lacanianos não teriam sido seriamente formados: uma espécie que não se reproduz, morre, e que, para evitar desaparecer, facilita sua reprodução nas condições mais discutíveis.

Roudinesco (1989) defende, ainda, que o sistema de formação criado por Lacan, torna-se importante, pois as regras burocratizadas não serviam à formação por desprezar a singularidade e a radicalidade do inconsciente. Entretanto, o seu abandono puro e simples torna-se perigoso na medida em que desde os sujeitos sem preparo até mesmo os charlatões e os canalhas podem nomear-se psicanalistas.

Ao abandonar as regras oficiais da IPA, de acordo com Roudinesco (1989), ocorre uma mudança fundamental de perspectiva, embora pareça quase invisível aos olhos. Os analistas que seguiam as regras das sociedades internacionais estavam livres para utilizar a teoria ou o teórico que bem desejassem. Quando Lacan faz sua mudança, ocorrera um processo inverso, em que os analistas deveriam sustentar uma teoria – a lacaniana obviamente – e ficariam livres para praticar a técnica como bem entendessem.

Essas ideias trazidas por Roudinesco são reforçadas por uma passagem de Mourão (2001), no artigo A regulação da psicanálise: A culpa é do Lacan. Diz ela:

A Culpa é do Lacan foi o título que me ocorreu a partir de uma matéria publicada no jornal O Globo, em abril deste ano. Seu teor era o de uma entrevista com o pastor evangélico e “psicanalista” Heitor A. Silva. Ali ficou exposto claramente o grotesco dessa situação, ou seja, o absurdo da apropriação e deturpação da psicanálise por grupos ligados à religião, os quais tentam regulamentar a profissão de psicanalista. À tal entrevista seguiram-se algumas ponderações sobre o assunto feitas por psicanalistas, dentre as quais as de Chaim S. Katz, a qual me chamou a atenção pela afirmação: “... de alguma forma, Lacan abriu caminho para esse pessoal, através da ideia mal compreendida de autoformação[...] (MOURÃO, 2001, p.1, destaque nosso).

Como se pode ver, a questão da formação dos analistas continua controversa e sujeita a críticas. Na sequência deste trabalho, realiza-se uma exposição detalhada da teoria da sexuação – seguindo as

pistas deixadas pelo próprio Lacan – para examinar a analogia feita por ele entre a autorização do ser sexuado e a autorização dos analistas. Com intuito sempre de aprofundar a questão da autorização dos analistas.

II

DO SER SEXUADO

Ao realizar uma exposição sistemática do desenvolvimento do pensamento lacaniano sobre a sexualidade, certamente dever-se-á começar pelos seus primeiros seminários. Na verdade, Lacan nunca deixou de falar sobre o assunto e não há um momento da sua obra em que ele não tenha articulado alguma coisa sobre o tema, já que esse é o pivô sobre o qual se sustenta toda a estrutura da psicanálise.

Em O seminário Livro 4: A relação de Objeto, Lacan (1995) retoma em Freud a questão do Édipo para articular o processo da constituição do ser sexuado. Um ponto original do seu ensino foi levar até as últimas consequências a questão do pai e do complexo de castração, colocando-os como nodais no complexo de Édipo. Questão que seria por ele aprofundada, nos seminários dos anos seguintes: As formações do Inconsciente ([1957-1958] 1999) e La Logique du Fantasme ([1966-1976] inédito).

Seguindo o percurso lacaniano, constata-se que a partir do Seminário de 1966-1967 La Logique du Fantasme (inédito) haverá a abertura de outra etapa do seu ensino, onde ele retoma a exposição gradual da diferenciação entre os sexos e o processo de sexuação, sempre com o apoio do recurso muito importante da lógica. Deste seminário em diante, Lacan retoma as ideias centrais de Freud, de que nada, no inconsciente, determina o que seja o masculino e o feminino, e introduz na psicanálise algumas teses que serão fundamentais para a compreensão da sexualidade como, a saber, o grande segredo da psicanálise é que não há a relação sexual, a mulher não existe, a diferenciação entre os sexos se dá na oposição entre os significantes e, por fim, a constatação de que a sexualidade é o que está para fora da linguagem, formando o núcleo do real e tornando impossível que o que é do sexo seja escrito.

A fim de tentar apreender a verdade do sexual, no Seminário Livro 19: ... ou pior, Lacan (2012) cria os matemas da sexuação e formaliza este processo por meio das fórmulas lógicas, as quais denominará de fórmulas quânticas da sexuação. Será com essas fórmulas que ele conseguirá avançar na compreensão das nuances da sexualidade masculina, diferenciando-a da sexualidade feminina. Ainda

neste Seminário dirá ele, (...) “não há ensino que não matemático, o resto é brincadeira” (p. 26), para fazer compreender a importância dos matemas para a psicanálise.

Por fim, no Seminário Les non-dupes errent (inédito), Lacan (1973-1974) lançaria uma tese fundamental no que se refere à questão da sexualidade. Segundo ele, o ser sexuado só se autoriza por si mesmo e por alguns outros a ocupar um determinado lugar no campo da sexualidade. Questão que deixa em aberto neste Seminário e que não mais retomaria nos anos posteriores. Dessa forma, percorrer esses momentos da obra lacaniana será fundamental para se compreender a questão da sexualidade.

4. INTRODUÇÃO AO ENSINO LACANIANO SOBRE A

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