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situação actual e potencialidades

3. Situação brasileira

Os primórdios da pesca no Brasil remontam ao descobrimento do país. Os portugueses encontraram os silvícolas envoltos na atividade, a qual constituia um dos meios de subsistência, inclusive das comunidades litorâneas que aos poucos se formavam. Era a pesca artesanal direcionada ao atendimento das necessidades do

mercado interno, a qual predominou até a metade do Século XX. Nesta ocasião e, mais precisamente, a partir do início da década de 60, o governo coloca em ação medidas objetivando aumentar a consistência econômica do setor. Conforme Nicolau & Chave (2004) com a adoção de estímulos, concessão de subsídios e criação de organismos específicos para atuação no setor, caso da Superintendência Nacional da Pesca – SUDEPE, originária da Lei Delegada 10, de 11/10/1962, a atividade pesqueira passa a apresentar conotação industrial voltada preferencialmente ao exterior e com o ideal de crescimento da produção a qualquer custo. Cronologicamente, outras instituições governamentais atuariam, posteriormente, no segmento.

Em 1989 a SUDEPE foi absorvida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis – IBAMA, criado pela Lei 7.735, de 22/02/1989, órgão onde a atividade pesqueira passava a ser vinculada a uma dimensão ambiental e a sustentabilidade ganhava peso. Uma década após, em 1998, o apoio à produção e fomento ao segmento fica sob responsabilidade do Departamento de Pesca e Aquicultura – DPA, vinculado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA. Pela Medida Provisória 103, de 01/01/2003 (convertida na Lei 10.683, de 28/05/2003), o governo cria a Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca – SEAP, responsável por fomentar e desenvolver políticas voltadas ao setor atendendo anseios deste e daqueles que dele dependiam economicamente. Por fim, a SEAP, através da Lei 11.958, de 26/06/2009, é transformada no Ministério da Pesca e Aquicultura – MPA, atendendo às expectativas reivindicadas dos pescadores e aquicultores.

Com produção de 0,7% do total e se posicionando no 20.º lugar no conjunto das nações levantadas pela FAO, a participação brasileira deixa a desejar. Este fato contrasta com as potencialidades que o país possui, ou: i) quase 8 mil quilômetros de costa marítima; ii) 5,5 milhões de hectares em águas represadas sendo 3,5 milhões de hectares em reservatórios de hidrelétricas; iii) 13% da água doce superficialmente disponível no planeta (Rebouças, 2006, p.30) e abundante em todas as regiões do país; iv) maior bacia hidrográfica do mundo – bacia Amazônica – com 3.984.467 km² em terras brasileiras; v) clima tropical; vi) produção de grãos para obtenção de ração; vii) tecnologia para implementar projetos de criação de peixes em tanques-rede. Ademais, Nicolau & Chave (2004) reconhecem o declínio da pesca oceânica e o crescimento da produção continental, isto é, pesca em rios, açudes e reservatórios.

Quadro 4: Produção Brasileira de Pescado 1990 a 2009

(*) Esrimativa MPA

Fonte: IBAMA, MPA e computações do Autor

A produção brasileira de pescado se expandiu em 94% entre 1990 e 2009 e, considerando os dados estimados para 2011, mais do que dobrou de patamar (crescimento de 123,3%, equivalente, na média, a 5,6% ao ano). Regionalmente, o Nordeste do país desponta como o grande produtor com cerca de um terço do total; o Sul, mesmo mantendo a participação de um quarto no total, sobrepujou em 2009 a região Norte que perdeu 5,6 pontos na primeira década do Século XXI. Os dados referentes ao Centro Oeste são os menores, pela região não apresentar limites ou contornos marítimos e nela ocorrer, predominantemente, a pesca esportiva. Entre os 27 estados brasileiros, os maiores produtores de pescado são Santa Catarina, Pará e Bahia, situação configurada na Figura 1. Juntamente com o Ceará, Amazonas, São Paulo, Maranhão e Rio Grande do Sul respondem por praticamente 70% do total nacionalmente obtido.

Quadro 5: Participação Regional da Produção de Pescado 2007 e 2009 – %

Fonte: IBAMA, MPA e computações do Autor

Figura 1: Produção Brasileira de Pescado por Unidade da Federação em 2009

Fonte: MPA

Relativamente ao comércio exterior brasileiro de pescado o país denota, ao longo dos anos, tendência mais importadora do que exportadora. Conforme o Quadro 6, a importação tem oscilado, com probabilidade expansionista em anos recentes, dada a apreciação da moeda nacional, fazendo com que o país ocupe a desconfortável posição de maior importador da América do Sul. O produto procede, em grande parte, da Noruega (maior fornecedora de bacalhau com mais de 80%), Chile (responsável único pelo suprimento de salmão), Argentina (de onde se origina

a quase totalidade de filé de Merluza adquirida no estrangeiro), Uruguai, Espanha. Portugal, Marrocos, China e Vietnã (este a partir de 2009).

Quadro 6: Comércio Exterior Brasileiro de Pescado 1990 a 2010

Fonte: IBAMA e MDIC

Quanto às exportações, o volume físico atual pouco difere daquele de vinte anos atrás, apesar do enorme potencial que o país apresenta, em especial no que se refere à aquicultura. As estatísticas revelam tendência de queda do volume físico brasileiro transacionado além fronteiras. Fatores diversos como cotações bai- xas do pescado no mercado internacional, elevação de carga tributária, falta de compensações/apoio financeiro, crises de crédito em diversos dos países tradicionais importadores (caso dos Estados Unidos, Espanha e França) e desvalorização cambial entre outros seriam possíveis explicações à perda de competitividade do Brasil e ao que estaria ocorrendo neste particular. Além das três nações citadas, os outros importadores no passado recente foram o Japão, Itália, Portugal, China, Coreia do Sul e Inglaterra. Atualmente os crustáceos (camarão e lagosta) constituem as prin- cipais exportações, seguidos de peixes congelados e peixes frescos.

As exportações de pescado apresentam contribuição mínima nas vendas glo- bais do país e ficam atreladas a restrições. Hoje, conforme Carvalho et al. (2010), os Estados Unidos exigem seja cumprido o programa de Análise de Perigos Críticos de Controle (HACCP) e de inocuidade dos produtos, que não podem conter metais pesados e antibióticos. A União Européia, um dos parceiros comerciais brasileiros dos que mais oferecem empecilhos, além de todos esses requisitos, requer a observância de um Plano Nacional de Controle de Resíduos (PNCR), com análises regulares de várias substâncias que podem afetar a saúde dos consumidores. De modo geral, os norteamericanos e europeus têm valorizado a certificação da produção que deve contemplar a inocuidade (sanidade e qualidade), a responsabilidade ambiental e o compromisso social.

Com as importações superando as exportações, o cenário da balança comercial brasileira de pescado evidencia, majoritariamente, situações deficitárias. Nos três úl- timos anos, o “câmbio desfavorável a exportação conjuntamente com a elevação do consumo interno explicariam os resultados adversos” (Otta, 2010).

Complementando a análise sobre a situação brasileira no mercado de pes- cado, cabe uma reflexão quanto ao consumo do produto. O Ministério da Pesca e Aquicultura disponibilizou e fez constar da Publicação ‘Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura 2008-2009’, estudo inédito desse consumo, em termos per capita e aparente, no período 1996 a 2009. Referido consumo é apurado pelo somatório da produção nacional de pescado com as importações do produto e de cujo montante é subtraída a exportação correspondente para, em seguida, dividir-se o resultado pela população brasileira estimada para cada ano em que se desejar obter essa informação. O mérito do trabalho residiu em que, para efeito de cálculo, todo o volume de pescado fosse convertido no equivalente em peso fresco ou peso bruto (isto é, o do momento de captura ou extração), operação possível pela aplicação de fatores de conversão próprios de acordo com parâmetros referenciais da Infopesca5.

5 A INFOPESCA é uma organização internacional independente, fornecedora de serviços às

empresas, às associações setoriais e aos governos, em todos os aspectos do desenvolvimento pesqueiro e aquícola. Presente em 10 países latinoamericanos e do Caribe – Argentina, Belize, BRASIL, Colômbia, Honduras, México, Nicarágua, República Dominicana, Uruguai e Venezuela, mantém entrelaçamentos com congêneres de outras partes do mundo.

Quadro 7: Consumo Per Capita Aparente de Pescado no Brasil – 1997 a 2009

Fonte: MPA

A tendência do consumo per capita aparente de pescado no Brasil se apresenta crescente, porém distante do patamar considerado ideal pela Organização Mundial de Saúde – OMS de 16 quilos/habitante/ano. Essa tendência acompanha o que ocorre no mundo quando “o consumo per capita de pescado e produtos derivados da pesca vem crescendo gradualmente, de uma média de 9,9 kg durante a década de 60 do Século XX, para 11,5 na década de 1970, chegando a 12,5 kg, em 1980, 14,4 kg em 1990 e em torno de 17 kg per capita em 2009” (Nomura, 2010).

No conjunto, os países desenvolvidos apresentam consumo maior, caso da Europa com 21 kg per capita e 19 kg per capita na América do Norte. Nas nações emergentes, apesar de cerca de 40% de a população depender do pescado como fonte proteica, o consumo é menor, porém crescente (América do Sul = 8,4 kg per capita). De acordo ainda com Nomura (2010, p. 29), “a urbanização e o crescimento dos canais modernos de distribuição de alimentos aumentam a disponibilidade potencial de pescado para a maioria dos consumidores do mundo sendo também evidente que fatores econômico-culturais influenciam fortemente a demanda e que a disponibilidade, por si só, não é o único fator determinante do consumo”.

No caso específico do Brasil o consumo de pescado poderia ser maior desde que as pessoas soubessem prepará-lo de forma alternativa à frita, houvesse número maior de peixarias (a facilidade para compra apenas ocorre nas cidades litorâneas, supermercados de grandes centros urbanos e, quando disponíveis ou existentes, em feiras livres). Certamente esse consumo também se elevaria caso fossem amplamente divulgados os benefícios advindos do produto para a saúde e não houvesse tanta preocupação com o cheiro exalado pelo peixe.

4. Piscicultura

As informações a nível mundial e nacional demonstram a elevação do con- sumo de pescado em ritmo mais acentuado do que a oferta e, nesta, assumindo importância crescente, a expansão maior da aquicultura em relação ao produto obtido por captura. Fatores diversos como a super exploração da riqueza marinha através da pesca indiscriminada acarretando esgotamento de estoques pesqueiros e a carência de meios financeiros/monetários para a aquisição de equipamentos que permitam explorá-la nas regiões litorâneas ou ao longo dos rios, podem ser alinhados como explicações para esse cenário.

A aquicultura [aqui(a) ĺ água / cultura ĺ cultivo, criação)] como cultivo ra- cional de organismos aquáticos em três ambientes – marinhos, estuarinos e de água doce –, com tecnologias próprias e sob condições controladas ou semi-controladas, objetiva obter uma determinada produção para fins ecológicos, sociais, consumo humano, e/ou atender ideais financeiros, neste caso, certamente, buscando o lucro. Apresenta ramificações ao voltar-se ao cultivo de peixes (piscicultura), camarão e crustáceos (carcinicultura), moluscos (malacocultura), tartarugas (tartaricultura), rãs (ranicultura) e algas (algocultura).

Embora a piscicultura possa ocorrer em qualquer dos três ambientes an- teriormente mencionados, nesta análise a atenção está direcionada exclusivamente à criação e multiplicação de peixes em viveiros escavados (viveiros de barragem/ água doce), contribuindo ao desenvolvimento regional dentro de padrões de sus- tentabilidade e constituindo-se em atividade econômica de produzir alimento nobre de alto valor nutritivo e a baixo custo. Em princípio essa disponibilização para criar peixe de água doce pode acontecer em áreas inadequadas para a agricultura (e até mesmo para a indústria) inserindo-se no rol de diversificação de atividades do proprietário rural permitindo atuar com menores custos, maior flexibilidade comercial e sem demandar espaços (físicos) de maiores proporções para que seja viabilizada.

Historicamente a piscicultura surgiu a milhares de anos atrás, provavelmente na China, daí se expandido pelos outros continentes. Quando chegou à Europa, isto no Século XIV, foi implantada nos mosteiros, onde os monges criavam carpas a fim de consumi-las no momento de abstinência de carnes vermelhas. Na América

do Sul apareceu na Argentina no Século XIX, data em cujo final também chega ao Brasil, porém, precipuamente, sob a forma de experiências isoladas ao longo do século passado e onde, efetivamente, a atividade somente tem impulso a partir dos anos 90 e na primeira década deste milênio.

A grande indagação é sobre a razão de se criar peixes. O SEBRAE/RR (2001, p. 13) enumera como explicações plausíveis, as seguintes: i) Aproveitamento de áreas improdutivas ou de baixo rendimento agropecuário, transformando-as e elevando a produtividade das mesmas; ii) Utilização de subprodutos agropecuários na manutenção dos peixes; iii) Eficiente conversão alimentar do peixe que se alimenta pouco e cresce muito aumentando a produtividade por unidade de área6;

iv) Rápido retorno do capital investido; v) Elevada produção por área; vi) Aumento

do faturamento do produtor rural; vii) Diminuição dos problemas de sazonalidade das safras. A estes pontos seria pertinente acrescentar (Lima, 2008, p. 06): i) A atividade é promissora na maioria dos países, propiciando excelente retorno e boa fonte de renda; ii) Criação em tanques permite supervisão e regulagem da criação, alimentação, crescimento e tamanho dos peixes; iii) Áreas com grande quantidade de água, impróprias e/ou improdutivas para as lavouras e, por consequência, de baixo custo, podem perfeitamente ser utilizadas na piscicultura; iv) A atividade figura no contexto de diversificação de atuação do proprietário agrícola, tornando possível produzir com menores riscos e maior flexibilidade comercial; v) Custo baixo comparativamente à pecuária tornando-a mais acessível à maioria dos detentores de quintas, chacareiros, sitiantes.

No desenvolvimento regional, em princípio, o cultivo mais significativo na piscicultura é de natureza semi intensiva, utilizando de calagem7, adubação do tanque e fornecimento de alimentação aos peixes. Neste sistema, no qual o produtor visa obter ganho com a criação, ainda se faz presente a produtividade natural do viveiro, esta se incrementando graças ao fornecimento suplementar de ração (na base de 200 a 300 g/peixe/m2) com a produtividade estimada girando em torno de 3.000 a 4.000 kg/ha/ano.

6 Os peixes e outros animais aquáticos, de sangue frio, gastam menos energia para suporte e

manutenção. As proporções estimadas são do peixe de 1,9:1, suínos (4:1), bovinos 8:1 e aves 2:1 (Cesar, 2009).

7 Calagem é a mistura de cal na terra, para certas culturas (e a piscicultura é uma delas) ou, em

A expectativa é de a piscicultura ultrapassar a pecuária como fonte de ali- mentos, pois o mundo que dependeu quase que exclusivamente de dois sis- temas naturais – pesqueiros oceânicos e pastagens – para satisfazer a demanda cada vez maior de proteína animal, observa esse período aproximando-se do final, quando ambas as ramificações atingirão os respectivos limites produtivos. Não é por outra razão que se propala quanto ao potencial da atividade piscicultora aumentar em termos de produção, renda, emprego, divisas e contribuição ao desenvolvimento regional nos diversos países em que seja levada adiante, especialmente na CPLP.