FAZENDO AUTO-
SITUAÇÃO CRÔ NICA
PROCURANDO Locomovendo-se SE VIRAR SOZINHO Cuidando-se
Convivendo com a situação crônica mais parece uma obrigação do que uma
estratégia, porém o indivíduo pode optar pela maneira de conviver, negando,
evitando, aceitando ou se integrando ao novo estilo de vida. Ele pode mesmo
percorrer toda essa trajetória em diferentes momentos da condição crônica, indo
de início da não aceitação a uma fase posterior de aceitação que reflete equilíbrio,
maturidade e uma tentativa de manter o controle da situação do jeito que for
possível. Como vimos, não se pode dizer que usar mecanismos de defesa não
que novas forças sejam mobilizadas e necessidades atendidas, modificando o
significado do estressor e, consequentemente o uso de estratégias para conviver
com ele.
Na literatura, vários autores identificaram o uso dessa estratégia, como
Miller (1983), Craig & Edwards (1983) que se referiam a manter sentido de
normalidade e de controle da situação, enquanto para Sexton & Munro (1988) e
Hymovich & Hogopian (1992) significa incoporar a condição crônica ao estilo
de vida, indicando a necessidade de ajustar-se a mudanças e novos estressores
que surgem no decorrer da doença. Para Hamburg (1974), conviver com
estressores por longos períodos pode constituir um estímulo a capacidade do
indivíduo em incorporar novos padrões de vida a seu cotidiano.
Usar esse tipo de estratégia como parte da vida diária, pode ajudar o
indivíduo e famílias mais vulneráveis, a desenvolver e usar forças pessoais e do
ambiente para manter a normalidade e o controle da situação.
Procurando entender a doença
O.processo de adoecer envolve experiências subjetivas, de mudanças físicas
e emocionais e a confirmação dessas mudanças por outras pessoas. Desse modo a
doença pode ter diversos significados para o indivíduo, os quais Helman (1994)
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castigo, como conseqüência ou mesmo como uma força capaz de mudar crenças,
valores e a maneira de viver do indivíduo.
É comum, principalmente nos casos em que a doença é incurável, que ela
seja encarada como castigo divino ou punição. Em condições que provocam
invalidez ou limitações físicas isto ocorre e segundo Beland & Passos (1979),
pode servir a muitos fins, como satisfazer uma necessidade masoquista de
punição, chamar atenção para si, mostrar-se como vítima e até “de buscar
compensação financeira através da doença”. Estratégia esta, que também foi
utilizada por Alexandre, conforme relatos a seguir.
“Eu tenho consciência de que não me cuidava direito. As conseqüências estão a r
“Tem um ditado que diz quem procura acha. Eu achei ”
“O derrame prá mim fo i uma graça divina. O sacrifício fo i até pequeno perto dos benefícios que recebi”.
“O derrame acertou minha vida, pelo menos do ponto de vista financeiro Também Lipowski (1970), apresentou os significados culturais das doenças
como influenciando o processo de avaliação cognitiva e o resultado do processo
de enfrentamento. Esses significados foram doença como um inimigo, como
punição, como fraqueza, como perda ou dano irreparável; doença como um
Conforme relatado, Alexandre passou por etapas de avaliar a doença como
uma punição por não se cuidar direito, e, posteriormente, como um alivio para o
estressor ameaça a estabilidade financeira, uma vez que obteve vantagens desse
ponto de vista.
Todo ser humano busca compreender o que acontece em sua vida. Numa
situação crônica de saúde, a busca de significados para o que está acontecendo é
uma constante. Entender a doença como castigo pode determinar mecanismos de
fuga até que o indivíduo perceba um novo significado para a situação. Isso lhe dá
um tempo para poupar energia e para não assumir responsabilidades, evitando um
confronto mais realista com a situação. Ele pode retardar mais ainda este
confronto quando percebe que a doença lhe traz mais benefícios ou satisfações
que a saúde. São os chamados ganhos secundários da doença.
Encarar a doença como um benefício trouxe satisfação para Alexandre e a
sensação de segurança financeira para a família.
Numa fase posterior Alexandre passou a referir-se a doença como um
acontecimento normal na sua vida e na vida de qualquer pessoa. Segundo
Lipowski (1970) o uso dessa estratégia indica perceber a doença como valor ou
como estratégia facilitando o enfrentamento a estressores como: percebendo a
situação de dependência e sentido desconforto físico, incluindo as modificações
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“Se não fosse essa doença seria outra. Uma hora dessas a gente tem que morrer. Todos passam por isso ”.
“Aqui a gente só tem uma certeza, a de que ninguém fica prá semente ”. “Você sabe, eu estive pensando. Ninguém é mesmo totalmente livre. Somos dependentes prá tudo e de tudo: da família, do combustível, do salário, coisas assim
Seguindo essas etapas é que Alexandre procurou entender a doença para que
aos poucos pudesse manter o controle da situação.
Procurando Controlar a Doença:
As estratégias de controle descritas na literatura, destacadamente por Viney
& Westbrook (1982) e Vieira da Silva (1990), referem-se a ações destinadas a
preservar ou recuperar a saúde como seguir o tratamento, realizar exames, fazer
os controles necessários, controlar os desconfortos físicos e se adaptar as perdas,
diminuir o ritmo das atividades, manter os relacionamentos sociais, parar de
fumar e de beber. Neste estudo, procurando controlar a doença, tem ainda outra
conotação, a de que só é possível esse controle quando o indivíduo procura
entender o significado da doença em sua vida e então responde conformando-se,
aceitando e comparando-se com outros. Este significado irá direcionar ações
com a fisioterapia, não se incomodando em pedir ajuda, aceitando uma
dependência relativa e procurando se virar sozinho.
Assim Alexandre se referia ao fato de ter que se conformar com a doença.
“Tive que me adaptar a doença. Quando você não têm outra saída, o jeito é se conformar ”.
“Agora é tarde, o jeito é se conformar porque se revoltar não adianta ”. Esta estratégia também foi encontrada por Vieira da Silva (1990) e
denominada resignando-se com a situação, representando segundo a autora, uma
maneira passiva de enfrentamento, preservando o indivíduo do confronto'
consciente com o estressor.
Como parte do processo de enfrentamento, esta também foi uma estratégia
utilizada por Alexandre até que estivesse emocionalmente pronto para aceitar a
doença como parte da vida. Esse processo de aceitação, iniciou-se no meu
entender, pela lamentação das perdas que provocaram sentimentos de baixa
estima como sentir-se triste, inútil e ter pena de si mesmo pelo que estava lhe
acontecendo (perda da capacidade física, do trabalho, dos relacionamentos, da
auto-estima). Cada uma dessas perdas gera, segundo Stedeford (1986), um
período de revolta e lamentação até que a pessoa consiga se ajustar as novas
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“Deus não podia fazer isso comigo. Me deixar praticamente inválido. Talvez fosse melhor eu ter morrido do que ficar assim, sem falar nem andar ”.
Para o autor acima citado, (Stedeford, 1986), aceitação não é o mesmo que
resignação. Aceitar implica numa avaliação realística da situação e possíveis
mudanças com o propósito de melhor se ajustar ou efetivar essas mudanças. A
aceitação é portanto um processo gradual que aumenta a medida que a pessoa não
tem mais condição de negar ou fantasiar sobre a situação, abandonando atalhos
como as defesas psicológicas e decidindo-se por reconduzir o seu destino, apesar
de tudo.
Esta situação foi relatada por Alexandre, da seguinte maneira:
“Eu falo essas coisas, mas não é culpa não. Eu acho que aceitei mesmo ”. “Não sinto mais revolta nem mágoa, quero só olhar para frente, ver o que eu ainda posso fazer e aproveitar o tempo que me resta ”.
Aceitar a doença implica em que o indivíduo se coloque nas mãos de outros
para que cuidem de suas necessidades pessoais, emocionais e físicas, sem sofrer.
(Beland & Passos, 1979)
Os primeiros passos para a aceitação são dados no momento de crise, quando
o indivíduo luta frente a frente com o estressor. O processo de assimilação inicia
pela conscientização do que é inevitável tanto para o indivíduo quanto para os
certo grau de dependência, como ocorreu com Alexandre, e começa a
desenvolver projetos realistas para o futuro (Brunner & Suddarth, 1985)
Estratégias de comparação foram bastante utilizadas por Alexandre, como
relatado a seguir:
“A própria vida nos impõe limites, pelo menos quando você respeita o direito dos outros
“Eu quero sair, viajar, mas não posso. Tem o colégio do Serginho e nós somos responsáveis por ele. Se queremos dar uma boa educação temos que nos sujeitar as normas do colégio, como todos os pais ”.
“Tem gente que muda com a doença, fica revoltado, não sai de casa, não quer ver ninguém. Não adianta de nada, só piora a situação
Comparando-se com outros foi uma estratégia de enfrentamento utilizada por
pacientes com DPOC grave e descrita por Shekleton (1987), como sendo uma
estratégia cognitiva, podendo o indivíduo comparar-se para melhor ou pior.
Hymovich & Hagopian (1992), descreveram apenas as comparações negativas
que envolvem, muitas vezes, mecanismos de ilusão mental como crer que é capaz
de controlar a doença quando de fato não é. Elas são benéficas apenas por um
tempo, protegendo a pessoa de informações difíceis para aceitar naquele
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Procurando se virar sozinho:
A busca da independência e de atender as exigências necessárias para isso,
representa um importante passo para o enfrentamento de uma limitação, seja ela
física, social ou intelectual. Essa busca passa sem dúvida pela capacidade e
motivação do indivíduo para o auto-cuidado, e se reflete na melhora da auto-
imagem e auto-estima.
Se não é possível recuperar totalmente a capacidade física, é preciso
aprender a conviver com ela de modo que seja viável as tarefas mais elementares
do cotidiano.
Para Beland & Passos (1979), aprender e/ou reaprender, ou mesmo
desenvolver habilidades para enfrentar os problemas do cotidiano, significa muito
mais do que reaprender a andar ou a vestir-se, implica na reformulação realística
do auto-conceito. Implica ainda em conhecer e aceitar suas limitações, como
também de não ficar passivo, lutando para superá-las. Segundo Alexandre:
“Desde o iníco eu me virava, arrastava a perna direita prá caminhar, mas com paciência e com ajuda eu conseguia ”.
“Agora já estou habituado com a bengala, já me viro sozinho, dou as minhas caminhadas aqui por perto
“Já consigo descer até a portaria do prédio sozinho, só com ajuda da bengala
Como se percebe essa estratégia é resultado de uma outra já discutida, que é
fazendo fisioterapia, que foi o que lhe deu a atual condição de poder se virar
relativamente sozinho.
Cuidando-se foi outra maneira que Alexandre encontrou para enfrentar o
problema da dependência:
“Procuro ser a mais independente possível. Aqui dentro de casa eu me viro ”.
“Tomo banho e já consigo escovar os dentes sozinho. Só não consigo ainda enxugar as costas
“Desde o início eu me virava. Fazia o que era possível, do jeito que dava. Também procurava ajudar em tudo ”.
Tendo A juda:
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