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5 QUEBRA-CABEÇA DO COLAÍ

5.6 SITUAÇÃO CRISE ENCHENTE

Figura 15 - Peças do Quebra-Cabeça 6

Pois então, a enchente. Aqui acho que é importante refletir sobre uma situação que foi para além do olhar da pesquisa, a enchente que ocorreu em outubro de 2015. No mês de outubro, choveu muito no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre, o que ocasionou a segunda maior cheia do Guaíba desde 1967. As chuvas, ventos e granizo ocasionaram grande dano em várias casas, mas o pior, para a comunidade da Ilha da Pintada, foi o nível da água. Estando às margens do rio Jacuí, o nível da água subiu muito. De acordo com os dados públicos

disponibilizados pelo Centro Integrado de Comando (CEIC)18, o nível normal da água na Ilha da Pintada é de 0.3 e 0.8 metros. No dia 12 de outubro de 2015, registrou um nível máximo de água de 2,45 metros, ficando acima dos 2 metros do dia 10 ao dia 25 de outubro. A água entrou em muitas casas, cobrindo a estrada que chega à Ilha, o que impediu a continuidade do transporte público, já que era possível que entrasse água no motor do ônibus quando ele passasse pela água, praticamente isolando os moradores da Ilha da Pintada. Também, os moradores ficaram sem luz e água, devido aos danos nas centrais de distribuição da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) e, consequentemente, sem o bombeamento de água nas subestações do Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE), que ficaram prejudicadas pela falta de luz.

Colaí – Foi bem difícil a enchente. Já tínhamos tido outra enchente em agosto, que tinha sido ruim, mas nem se compara com essa. Percebemos que na Ilha teve gente vendendo vela muito caro para lucrar com a tragédia dos outros. Não tínhamos como ir trabalhar. Sem luz, não podíamos nem nos comunicar direito, sem telefone e nem internet. Isso foi bem complicado para conseguirmos nos organizar. Seguimos as orientações do CAR-Ilhas, ajudando no que fosse preciso: auxiliando as famílias que foram abrigadas no Salão Paroquial da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, participando junto com o CAR-Ilhas da separação das doações e cestas básicas para a comunidade, distribuindo alimentos para as famílias que ficaram em suas casas mesmo sob água.

Mesmo que a água tenha entrado em suas casas, ainda conseguiram ajudar os demais. Alguns participantes saíram da Ilha e foram para a casa de parentes na Região Metropolitana de Porto Alegre, conforme a situação de suas casas. No entanto, os que ficaram na Ilha assumiram uma postura do Colaí junto com a comunidade.

Colaí – A água não entrou em todas as nossas casas, mas atrapalhou bastante. Sentimos falta de mais botas de plástico e capas de chuva, mas, como não tinha onde comprar aqui na Ilha, nós fomos dando o nosso jeito.

E como foi para o Colaí essa experiência?

Colaí – Pudemos aprender muito em como ajudar, muitas pessoas da comunidade passaram a nos conhecer e, ao tentar ajudar o CAR-Ilhas nas suas ações, eles também passaram a nos perceber de forma diferente. Nesse sentido, foi preciso observar um pouco do que acontecia.

No Facebook, tinha um grupo de moradores da Ilha que só reclamavam e xingavam as pessoas do CAR-Ilhas, sem fazer nada para ajudar. Não queríamos ser assim. Teve outras pessoas que tentavam tirar vantagem e só pensavam nelas mesmas antes dos demais, isso também nos chamou a atenção. O maior problema de tudo isso foi a politicagem e as disputas entre a Ilha e a Picada.

Acho que é preciso explicar um pouco mais aqui. Para chegar à Ilha passa-se pelo bairro Picada, do Município de Eldorado do Sul. Em Eldorado, a enchente foi bem pior do que em Porto Alegre; em diversos bairros, alguns em situação bem mais complicada do que na Picada, e, por ser uma cidade menor e com menos recursos, não havia muito que pudesse ser feito pelas famílias da Picada. Ao mesmo tempo que as doações e a ajuda chegavam para a Ilha, moradores de Porto Alegre, essas mesmas não poderiam ser ofertadas para as pessoas da Picada, que se encontram literalmente do lado da Ilha, mais próximas que as outras ilhas do Bairro Arquipélago. E o pior: muitas pessoas da Ilha têm família e conhecidos na Picada, o que dificultava ainda mais o trabalho, porque elas tentavam conseguir ajudar as suas famílias, não importando e nem compreendendo direito o porquê desses limites burocráticos nem o seu sentido.

Colaí – A gente sabe onde é Porto Alegre e onde é Eldorado, mas ainda assim foi difícil porque estávamos todos no mesmo barco. Sempre sobe água quando chove muito, a cada ano uma ou duas vezes sobe a água, mas não tinha subido tanto assim por muito tempo. Em agosto já tinha tido enchente, quando doamos também alimentos e agasalhos, assim como fizemos novamente em outubro. Quando a água começou a descer, as coisas começaram a se normalizar. Durante a enchente, não conseguíamos nem fazer as nossas reuniões no anexo da prefeitura porque não tinha como chegar direito lá sem se molhar, pela altura que a água estava, então suspendemos as ações e eventos do Colaí até tudo se normalizar. Estava planejado um evento no final de outubro, mas cancelamos porque as pessoas ainda estavam se organizando e não seria muito legal fazer naquela hora, com os ânimos à flor da pele e muitas famílias ainda em situação bem crítica, necessitando de ajuda.

Sim, foi interessante a reunião seguinte à enchente, em que a água ainda não estava em níveis normais, estava alta, mas ainda assim já estava bem melhor que antes. Nessa reunião, chegamos até a comentar que a água ainda estava alta e não era bom, mas, em comparação com a semana anterior, já estava bem melhor. Foi uma situação que tornou a comunidade mais humilde, principalmente a comunidade jovem, que nunca tinha passado por uma enchente tão séria como essa. Um dos participantes chegou até a fazer um breve

documentário sobre a situação, que foi exibido no Fórum Social Mundial em fevereiro de 2016.