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Dinâmica II: Pequena pesquisa sobre o conceito de teologia

2. Situação cultural e teológica

Toda teologia situa-se na esteira das anteriores. Além disso, en­ volve-se grandemente com o mundo de idéias e valores que a cerca. A teologia latino-americana insere-se no horizonte cultural da moder­ nidade em atitude crítica ao contexto cultural medieval.

Caracteriza-se a modernidade teológica fundamentalmente pela interpretação da tradição teológica anterior a partir das experiências do mundo moderno. Estas provocam uma reinterpretação das verdades de fé com a finalidade de encontrar novo sentido que corresponda às experiências das pessoas imersas no novo tempo cultural.

A teologia escolástica anterior estabelecia os princípios da fé e daí deduzia verdades a ser aceitas por todos. A teologia moderna vai ao encontro da experiência do homem e mulher modernos e percebe­ -lhes, de maneira indutiva, as perguntas principais, as dificuldades e o horizonte novo de compreensão, que lhes tomam ininteligíveis as verdades dogmáticas. Estas são submetidas então a um processo de releitura, de reinterpretação.

O horizonte da modernidade parte do sujeito que crê e não da doutrina em que se crê. Diferentemente do método dedutivo, que parte da doutrina já possuída e estabelecida e procura em seguida ampliar- lhe a compreensão, a TdL trabalha o método indutivo. Este inicia seu percurso, levantando as aporias, os impasses do pensamento moderno, da experiência humana, para, com nova compreensão da revelação, poder respondê-las.

Quanto a esta maneira de interpretar a tradição teológica, a TdL comunga com a teologia moderna européia em contraposição à esco­ lástica. A teologia escolástica cultivava uma tradição, garantida pela autoridade. A teologia moderna valoriza as perguntas da liberdade do indivíduo e/ou da comunidade, que se quer decidir por uma fé que lhe seja inteligível. Nesse ponto, a teologia modema não acentua sua es­ trutura lógica prévia, imanente e interna, mas seu universo de expe­ riência.

A TdL diferencia-se da teologia européia quanto à raiz do ques­ tionamento do sem-sentido das formulações de fé. Se a teologia liberal européia procura resgatar o sentido da revelação para o homem mo­ derno ameaçado pelo sem-sentido de sua existência, a TdL intenta também recuperar esse sentido, mas em relação ao sem-sentido provo­ cado por contexto de opressão, pedindo ação libertadora9. Esta teolo­ gia, que nasceu em território latino-americano com o nome de teologia da libertação, hoje é praticada em outros continentes e países do Terceiro Mundo10. Minorias negras dos Estados Unidos produzem uma teologia nessa mesma perspectiva, sob o nome de teologia negra11. E também é trabalhada pelas mulheres na teologia de perspectiva feminista12.

No princípio da TdL, está a práxis como pergunta. A práxis pas­ toral, cultural, política, social libertadora levanta questões diretamente às formulações, interpretações, compreensões até então dadas da reve­ lação cristã. Esta prática libertadora entende-se unicamente pela con­ fluência de três fatores: uma situação de opressão, práticas sociais libertadoras e a presença da Igreja no coração dessa dupla realidade.

O termo “práxis” na TdL ocupa lugar fundamental. Em seu con­ texto, somente merece o nome de práxis aquela ação refletida que

9. J. Sobrino, “El conocimiento teológico en la teologia europea y latinoame- ricana”, in: Encuentro latinoamericano, liberation y cautiverio, México, 1976, pp. 177-207.

10. D. William Ferm, Profiles in liberation. 36 portraits o f Third World

theologians, Mystic/Connecticut, Twenty-third Publications, 1988; A. Pieris, An asian theology o f liberation, Maryknoll, New York, Orbis Books, 1988.

11. J. Cone, A black theology o f liberation, Filadélfia, J. B. Lippincott, 1970. 12. J. G. Biehl, De igual para igual: um diálogo crítico entre a teologia da

libertação e as teologias negra, feminista e pacifista, Petrópolis, Vozes, 1987.

Co n t e x t o h is t ó r ic o d e n a s c im e n t o d a TdL

transforma a realidade numa perspectiva de futuro para o outro, sobre­ tudo o pobre. Situa-se entre a realidade de opressão e dominação existente e a nova situação de libertação a ser criada por ela. Para isso necessita ser teoricamente lúcida e praticamente eficaz. A lucidez teórica lhe esclarece o verdadeiro sentido que a ação concreta tem. A eficácia prática toma realidade a lucidez teórica, não como duas coisas sepa­ radas e separáveis, mas como duas faces de uma única realidade: a práxis.

“A linguagem som ente com unica sentido quando articu la uma expe­ riência p artilh ada p e la com unidade. A an álise m ais recente da lingua­ gem está d e acordo, a este respeito, com a con cepção já an terior de M erleau -P on ty: os sím bolos d a linguagem (ou a linguagem ) possuem sign ificado em virtude d e sua referência às experiências vividas. R espon der à pergun ta se um enunciado tem sentido e é in teligível sig ­ n ifica, p o is, em prim eira linha, responder à pergun ta sobre a que âm bito d e um a experiência p a rtilh a d a p o r todos ou p o r m u itos este enunciado s e refere com sua linguagem . (...). A crise d o uso da linguagem ec le­ siá stica nos sím bolos da fé , na liturgia, na catequ ese e na teologia cham a a aten ção p a ra o f a to d e que, p a ra o s fié is, esta linguagem p erd eu su a referência no m anuseio cotidian o da realidade. (...).

O p re ssu p o sto fun dam en tal d e toda interpretação atu alizadora da fé , o rtodoxa e d e acordo com o evangelho, con siste, p o rta n to , em que esta in terpretação tenha sentido: o qu e significa que reproduza experiências realm ente humanas. A linguagem teológica p o ssu irá sentido unicam en­ te no caso d e que, d e uma ou outra fo rm a , tem atize a experiência, ilum inando-a, esclarecendo-a (m esm o qu ando esta experiência não co ­ in cida com dita tem atização); e, vice-versa, a experiência d e nosso ex istir no mundo d eve con ferir sen tido e realidade a nosso fa la r te o ló ­ g ico . Se este p ressu posto não se cumpre, ou, dito d e outra m aneira, se na n ossa linguagem teoló g ica da f é não se lhe dá expressão à experiên ­ cia, esta linguagem carecerá d e sentido, e a qu estão u lterior d e uma in terpretação nova seja ‘o rto d o x a ’ ou ‘h eré tic a ’ se rá j á a p rio r i uma q u e s tã o s u p é r f lu a ” (E . S c h ille b e e c k x , In terp reta ció n d e la fe .

A portaciones a una teologia hermenêutica y crítica, Salam anca, Sígueme,

1973, [C o l. Verdad e Im agen; 3 5 ]: 16-17.19).

L im a V a z , H. C. d e , “Ética e razão", in: id., E scrilos de Filosofia. II. Ética e Cultura, São Paulo, Loyola, 1988, col. Filosofia, n. 8, pp. 80-134.

T a b o r d a , F., "Fé cristã e práxis histórica. Sobre a estrutura do conceito de práxis e seu emprego em Teologia”, in: id., Cristianism o e ideologia. Ensaios teológicos, São Paulo, Loyola, 1984, col. Fé e Realidade, n. 16, pp. 57-87.

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