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Dinâmica II: Pequena pesquisa sobre o conceito de teologia

1. Situação sociopolítica e econômica

a. Situação de dominação e opressão

Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o capitalis­ mo avançou a toda velocidade. Na Europa, sob a form a de neocapitalismo e, em alguns países, sob a orientação de líderes cristãos, assumiu cara mais humana. De fato, as lutas operárias, as intervenções do Estado na regulação e promoção do desenvolvi­ mento social conseguiram m itigar as escandalosas situações, cria­ das pelo capitalismo clássico. Os povos da Europa adquiriram condições de segurança social, de higiene, de salário decente para todos. Criou-se o Estado do bem -estar social. Conseguiu-se redu­ zir bastante as desigualdades sociais, generalizou-se bom nível de consumo, criou-se sistema de pleno emprego, ampla classe média deu à sociedade maior coesão.

Esta face mais humana do neocapitalismo, sobretudo onde a economia social de mercado se impôs, fez que não se percebesse tão claramente o que se passava nos países periféricos, que viviam verda­ deira forma selvagem de capitalismo, tardio e dependente. Por isso, o desempenho surpreendente dos países desenvolvidos e centrais — Eu­ ropa e América do Norte — fê-los cada vez distanciar-se mais dos

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países da periferia. Estes, por sua vez, inseriram-se no sistema global, mas na qualidade de dependentes, secundários, periféricos, tardios2.

O capitalismo de nossos países não se entende, portanto, como etapa prévia ao desenvolvimento, mas como situação criada de sempre maior dependência. Vendo, pois, essas crescentes massas de margina­ lizados voejando em tomo de pequena camada de ricos, de um lado, e, de outro, essa série de países pobres também eles circulando na órbita dos países desenvolvidos e ricos, dois sociólogos latino-ameri­ canos, Fernando H. Cardoso e E. Faletto, elaboraram a teoria da de­ pendência e da libertação, em oposição à então vigente teoria do de­ senvolvimento3. Surgiu, portanto, no cenário o termo “libertação” no sentido restrito político-econômico.

A TdL pretende responder teologicamente à pergunta da liberta­ ção dos povos dependentes em relação aos países centrais, das cama­ das dependentes diante das estreitas faixas das sociedades ricas e desenvolvidas.

O termo “libertação” nasceu dentro da teoria da dependência e libertação, elaborada na década de 60 por esses sociólogos acima ci­ tados. Portanto, constituiu-se esta teoria a primeira componente da TdL. Embalou-a no primeiro berço.

“L ib e rta ç ã o exprim e, em prim eiro lugar, a s a sp ira çõ es d a s cla sses so c ia is e d o s p o v o s oprim idos, e sublinha o a sp e cto conflituoso do p ro c e sso econôm ico, so c ia l e p o lític o que os o põe à s cla sses op resso ra s e a o s p o v o s opulentos. Em fa c e disso, o term o desen volvim en to e so b re­ tudo a p o lític a cham ada desen volvim entista parecem a lg o inócuos e p o rta n to fa lse a d o r e s d e uma realidade trágica e conflituosa. A questão d o desen volvim en to encontra, com efeito, seu verdadeiro lu gar na p e r s ­ p e c tiv a m ais g lo b a l, profunda e radical, d a libertação; só nesse m arco, o desen volvim en to adqu ire seu verdadeiro sentido e ach a p o ssib ilid a d e s d e p la sm a çã o .

2. G. Arroyo, “Pensamento latino-americano sobre desenvolvimento e depen­ dência externa”, in: Instituto Fe y Secularidad, Fé cristã e transformação social na

América Latina. Encontro de El Escoriai, Petrópolis, Vozes, 1970, pp. 270-283.

3. F. H. Cardoso-E. Faletto, Dependência e desenvolvimento na América Latina.

Ensaio de interpretação sociológica, Rio de Janeiro, Zahar, 1970.

M a is profun dam ente, c o n ce b er a h istória com o um p ro c e sso d e lib e r­ tação d o hom em , em qu e e ste va i assu m in do con scien tem en te seu p r ó ­ p r io destin o, é c o lo c a r em con texto din âm ico e a la rg a r o h orizon te d as

m u danças so c ia is d eseja d a s. N esta p ersp ec tiv a a lib e rta ç ã o ap a rece com o exigên cia d o desd o b ra m en to d e to d a s as dim en sões d o homem. D e um hom em que se va i fa ze n d o a o longo d e sua existência e da h istória. A con qu ista p a u la tin a d e uma liberdade real e cria d o ra leva a uma perm an en te revolu ção cultu ral, à con strução d e um hom em n o vo , a uma s o c ie d a d e q u a lita tiv a m e n te d iferen te. E sta v isã o p e r ­ m ite, p o is , m e lh o r c o m p re e n sã o d o qu e d e f a to e s tá em jo g o em n o ssa ép o c a .

F inalm ente, o term o desen vo lvim en to lim ita e ofusca um p o u co a p ro ­ blem ática te o ló g ic a qu e está p re sen te no p ro c e sso assim designado. P e lo con trário, f a la r d e lib e rta ç ã o p erm ite outro tipo d e aproxim ação qu e nos leva à s fo n te s b íb lica s qu e in spiram a p resen ça e a atu ação d o hom em na h istória. N a B íblia, C risto nos é a presen tado com o p o r ta d o r d a lib e r ta ç ã o . C r is to s a lv a d o r lib e r ta o h om em d o p e c a ­ d o , r a iz ú ltim a d e to d a ru p tu ra d e a m iza d e , d e to d a in ju stiç a e o p re ssã o , to rn a n d o -o a u te n tic a m e n te livre, isto é, liv re p a r a v iv e r em com u n h ão com E le , fu n d a m e n to d e to d a fr a te r n id a d e h u m a n a ” (G . G u tié rre z, T e o lo g ia da lib ertação, P ersp ectivas. P e tr ó p o lis , Vo­ ze s, 1 9 7 5 , p . 4 4 ).

G a r c í a R u b io , A ., Teologia da libertação: política e profetismo, c o l. e R e a lid a d e , n.

3, Loyola, São Paulo, 1977, pp. 15-33.

G u t i é r r e z , G ., Teologia da libertação. Perspectivas,Petrópolis, Vozes, 1975; Teologia de la liberación,CEP, Lima, 1971, pp. 28-45.

b. Movimentos de libertação

Se houvesse só dependência e opressão, nunca surgiria a TdL. Poderia nascer, sim, uma teologia da resignação, da cruz, do sofrimen­ to. O termo sociológico “libertação” nasceu, vingou, porque perpassa­ va o continente latino-americano uma onda de libertação.

Duas correntes alimentavam-na: uma popular, outra vanguardista. Crescia a organização popular no campo — ligas camponesas, sin-

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jicatos rurais, movimento de educação de base, escolas radiofônicas, etc. — e nas cidades — sindicatos, centros de cultura popular, asso­ ciações diversas — . Assim, as classes populares pressionavam no in­ terior da sociedade4.

Ao mesmo tempo, surgiram movimentos revolucionários de ca­ ráter vanguardista em muitos países da América Latina. Aí a pressão ainda se tomou mais forte. Apesar de numericamente não serem sig­ nificativos, faziam falar muito de si.

Instaurou-se amplo debate no Continente sobre o processo de transformação numa perspectiva socialista, que então se julgava possibilidade histórica. Crescia também a politização no meio do povo graças ao uso do método pedagógico de conscientização elaborado e experimentado por Paulo Freire5.

“Nenhum outro term o alcançou uma difusão tão gran de na linguagem d o s m eios reform istas e revolu cionários do B rasil, nos últim os anos, com o o term o 'con scien tização’. Chegou m esm o a tornar-se in ternacio­ nalm ente conhecido, com o cara cterístico d e uma linguagem e d e uma p roblem ática que definiam a situação b ra sileira com o situ ação p ré - revolucionária. (...).

E in con testável que o p roblem a d a ‘con scien tização’ se colocou, ini­ cialm ente, num terreno p ed a g ó g ico , e apareceu intim am ente ligado com o con ceito d e ‘edu cação d e b a se ’. N o m om ento em que se p ro p õ e le v a r a uma com unidade d e hom ens certa som a d e conhecim entos e su scita r em seus m em bros certa s fo rm a s d e com portam ento que lhes perm itam rom per o círculo d e uma situ ação con siderada com o infra-humana ou m arginalizada, é claro qu e se irá in trodu zir uma m odificação m ais ou

4. L. E. Wanderley, “Movimentos sociais populares, aspectos econômicos, so­ ciais e políticos”, in: Encontros com a civilização brasileira 25 (1980), pp. 107-130. 5. P. Freire, A educação como prática da liberdade, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1 ^ 1982; P. Freire, Pedagogia do oprimido, Rio de Janeiro, Paz e Terra,21975; P. Freire,

Educação e atualidade brasileira. Tese de concurso para a cadeira de História e

Filosofia da Educação na Escola de Belas Artes de Pernambuco, Recife, 1959; J. Barreiro, Educación popular y proceso de concientización, Siglo XXI, Buenos Aires, 1974.

m enos profunda na consciência qu e esta com unidade tem d e s i m esm a . E la torn ar-se-á uma consciência din âm ica, seu n ível de a sp ira çõ es se elevará, ela assum irá uma a titu de crítica com relação a situ ações que, a té então, lhe pareciam fru to d e uma fa ta lid a d e da natureza. N esse sentido se d iz — e eis aqui a a c e p çã o o rigin al do term o — que a com unidade se ‘co n scien tiza’. (...).

Em resum o, p o d em o s d ize r qu e a ‘co n scien tiza çã o ’ está ligada, o ri­ gin ariam ente, a uma nova visão da edu cação, enquanto esta é con ce­ bida com o f a s e ou m om ento d e um p ro c e sso g lo b a l d e transform ação revolu cionária da sociedade. E is a ra zã o p e la qu al o problem a da ‘co n scien tização’ surge espontaneam ente quando a situação latino-am e­ ricana com eça a definir-se com o uma situ ação pré-revolu cion ária, e a exigência d a ‘edu cação d e b a se ’ a p a re ce com o um d o s elem entos dessa situ a ç ã o ” (H. Cl. d e Lim a Vaz, “A Igreja e o problem a da ‘con scien ­ tiz a ç ã o ’”, in: Vozes 62 (196816), p p . 483-5).

Buarque de Holanda, H .-Gonçalves, M . A ., Cultura e p articipação nos anos 60, São Paulo, Brasiliense, 1981, col. Tudo E História, 41.

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Ventura, Z., 1968: o ano que não terminou, Rio de Janeiro, N ova Fronteira, 1988.

c. Presença da Igreja

A história humana conheceu momentos de dominação e liberta­ ção, momentos de opressão e surtos revolucionários. E não surgiu nenhuma TdL. Faltava no seio de tais movimentos a presença de sujeitos que levantassem a problemática da fé. E isso aconteceu na América Latina por causa da presença da Igreja no seio dos movimen­ tos de libertação. De dentro desses movimentos, nasceram as pergun­ tas básicas a que a TdL quis responder.

Várias razões possibilitaram essa presença da Igreja. Havia uma abertura social criada sobretudo pelas encíclicas de João XXIII —

Mater et Magistra e Pacem in terris. O Concílio Vaticano II instaurara 166

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no interior da Igreja clima de abertura, de possibilidade de novas experiências, de preocupação pelas realidades terrestres, humanas e históricas, sobretudo por meio da constituição pastoral Gaudium et spes6.

Fração do episcopado brasileiro, pequena mas significativa, de­ monstrou sensibilidade social e captou o momento brasileiro em suas tensões fundamentais, permitindo assim o surgimento de uma teologia.

No meio jovem, a presença de uma Ação Católica — JEC, JUC e JOC especialmente — comprometida com a transformação do meio, com a política estudantil e finalmente com a política nacional suscitou perguntas importantes para a fé7. Como ser cristão num mundo de transformação social profunda, revolucionária?

Nos meios rurais e nas periferias das grandes cidades, começa­ ram a brotar as comunidades eclesiais de base8. Elas se constituíram, sem dúvida, fonte inexaurível de novas perguntas a que a TdL buscou responder.

Portanto, a confluência desses três vetores — situação de domi­ nação, movimentos de libertação e presença da Igreja — permitiu que surgissem novas perguntas. E a novas perguntas correspondeu nova teologia. Recebeu o nome de teologia da libertação, porque abordava a temática da libertação. Mereceu o nome de teologia porque versava sobre a fé cristã. Surgiu na América Latina, porque aí se encontrou uma Igreja inserida e em reflexão dentro da situação opressora traba­ lhada por surtos libertários.

“A teo lo g ia d a libertação representa a reflexão d a q u eles setores das Igrejas que assum iram a s lutas pop u la res visando tran sform ações s o ­ cia is que p o ssib ilitem a satisfação d a s n ecessid a d es b á sic a s e, com isso, a realiza çã o d o s direitos hum anos fun dam en tais. E la nasceu e

6. V. Codina, “El Vaticano II: <,qué fué? ^qué significó? Claves de inteipretación”, in: Sal terrae 71 (1983/4), pp. 247.

7. L. A. Gómez de Souza, A JUC: Os estudantes católicos e a política, CID/ História, n. 11, Petrópolis, Vozes, 1984.

8. F. Teixeira, A gênese das CEBs no Brasil. Elementos explicativos, São Paulo, Paulinas, 1988.

continuam ente n asce d o confronto entre m iséria e E vangelho, entre situ ação coletiva d e p o b re za e se d e d e ju stiç a , a p a r tir d e uma p rá tica d e libertação real, tendo com o su jeito d a s tran sform ações os p ró p rio s p o b re s. (...).

A teologia d a libertação vive d e sua intuição original, a d e ter d e sc o ­ b erto a íntim a conexão que existe entre o D eu s da vida, o p o b re e a libertação. D isso f e z uma espiritu alidade, uma p rá tic a p a sto r a l e uma teologia. E é bom p a r a os p o b re s e p a ra todas a s igrejas. (...). A te o lo g ia d a lib e r ta ç ã o n asceu d e um a d u p la e x p e riê n c ia , uma p o lític a e o u tra te o ló g ic a . P o litic a m e n te , p e r c e b e u q u e o s p o b r e s fu n d a m um lu g a r s o c ia l e e p is te m o ló g ic o , q u e r dizer, sua ca u sa , se u s in te r e sse s o b je tiv o s , sua lu ta d e re sistê n c ia e d e lib e rta ç ã o , e s e u s so n h o s p e r m ite m um a le itu ra s in g u la r e p r ó p r ia d a h istó ria e d a s o c ie d a d e . E sta le itu ra é in ic ia lm e n te d en u n c ia tó ria . E la den u n ­ c ia q u e a h istó ria a tu a l é e s c r ita p e la m ã o b ra n ca e co n ta a s g ló ­ r ia s d o s v e n c ed o res. E la re c a lc a a m em ó ria g r ita n te d o s v e n c id o s. E la n ão tem co n sc iê n c ia d a s v ítim a s e p o r isso é c r u e l e sem m i­ se r ic ó r d ia .

M as ela é tam bém visionária. Sonha com tran sform ações p o ssív e is e com relações humanas nas qu ais o se r humano é am igo d e outro se r humano, e não o seu carrasco. A p rá tica so c ia l p o d e transform ar o sonho em re alidade histórica. (...).

A se g u n d a e x p e riê n c ia , a te o ló g ic a , n a sce u a p ro fu n d a n d o e s ta p r i ­ m e ira . A s co m u n id a d e s c r is tã s d e b a se a p re n d e ra m qu e a m e lh o r m a n eira d e in te r p re ta r a p á g in a d a E s c ritu ra é co n fro n tá -la co m a p á g in a d a vid a . N e ste co n fro n to a p a r e c e um a v e rd a d e q u e a tr a v e s ­ sa a s E s c r itu r a s c r is tã s d e p o n ta a p o n ta : a ín tim a co n ex ã o qu e e x iste en tre D e u s-o s p o b r e s - e a lib e r ta ç ã o . D e u s é te ste m u n h a d o co m o o D e u s vivo e d o a d o r d e to d a a vid a . E le n ão é co m o o s íd o lo s , q u e sã o m o rto s e exigem s a c r ifíc io s . E s s e D eu s, p o r sua p r ó p r ia n a tu re za v ita l, s e n te -s e a tr a íd o p o r a q u e le s q u e g rita m p o r q u e se lh es e s tá tira n d o a v id a p e la o p re ssã o . E le f a z su a a lu ta d e r e sistê n c ia e d e lib e r ta ç ã o d o s o p rim id o s" (L. B ojf, Ecologia, mundialização, espiritualidade. A emergência de um novo paradig­ ma, S ão P a u lo , Á tic a , 1 9 9 3 , [s é r ie : R e lig iã o e C id a d a n ia ] , p p . 124, 1 2 0 , 9 8 , 9 9 ).

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