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Situação Militar

No documento Despojos de Guerra (páginas 105-107)

A criação do Corpo de Voluntários teve apenas resultados positivos no estado aní- mico da população da colónia. Na prática, todos sabiam que Macau era indefensável no plano militar. Era assim muito antes da Grande Guerra e assim continuaria por muitos anos.

O interessante e muito completo relatório elaborado em 1922 pelos serviços milita- res de Macau para o General Gomes da Costa, encarregado de inspecionar as forças militares em Macau e índia Portuguesa, primava por um realismo desconcertante:

“[…] Com tais efectivos e dada a situação geográfica da Península de Macau, absoluta- mente dominada pelas alturas da ilha da Lapa, a Oeste, e pelas montanhas de Kat-Tai, ao Norte, ninguém certamente terá a veleidade de supor mantida a defesa de Macau, e asse- gurada a sua resistência além de meia dúzia de dias, contra um forte ataque externo, havendo demais a contar, em tal caso, com a sublevação dos chineses […].14

De facto, geograficamente o território era completamente permeável a uma agressão externa. Internamente dispunha de um reduzido efetivo militar – repartido entre exército e marinha coloniais. As baterias (artilharia), instaladas na colina da Guia e na fortaleza de Mong Há, de pouco serviriam a uma ofensiva externa bem coordenada. O mesmo se aplicava à reduzida marinha colonial do território, composta por duas Canhoneiras (Pátria e Macau) e algumas lanchas. As exigências do vasto império português e a guerra que então se travava contra a Alemanha nas colónias africanas, não permitiam a alocação em permanência de um cruzador da marinha em Macau.

Também o material de guerra disponível não seria suficiente para suster uma ofen- siva chinesa. A colónia só adquiriria considerável quantidade de material de guerra

13 BIACM, A Colónia, Macau, 29 de março de 1919, p. 1.

14 AHM, Relatório dos Serviços Militares da Província de Macau para o General Inspector Gomes da Costa, F. 62, S.I., Caixa n.º 923, n.º 5, 22 de outubro de 1922, p. 8.

moderno, disponível nos arsenais excedentes dos exércitos envolvidos na Grande Guerra, a partir de 1919. Em 1922 Macau dispunha “ […] de um dos mais importantes depósitos

das nossas Colónias, senão o mais importante de todos”.15

A estratégia de contenção de uma ofensiva externa teria igualmente que passar pela garantia do fornecimento de víveres e água potável. Nesse campo as vulnerabilidades de Macau ainda eram mais gritantes. A água potável provinha da problemática ilha da Lapa e na península de Macau não existiam depósitos de víveres ou sequer uma padaria euro- peia. Os chineses dominavam por completo a rede de abastecimentos à colónia.

Os despachos do Governador para Lisboa não deixavam dúvidas quanto à precarie- dade da colónia em matéria de defesa. Ao Ministério das Colónias chegavam sucessivos apelos para uma resolução definitiva da disputada soberania na ilha da Lapa. Carlos da Maia não podia ser mais claro: “A vertente oriental da ilha da Lapa na posse efetiva da

China significa a impossibilidade da segurança e da defesa de Macau”.16 Essa vulnerabili-

dade, testada a breve trecho, era também do conhecimento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, claramente taxativo quanto à impossibilidade de Macau sustentar uma

guerra com a China.17

Ao contrário do caso britânico, faltavam ao império português os meios, sobretudo navais, para defender a soberania portuguesa num extenso e longínquo espaço colonial ultramarino. A projeção de força era uma miríade. Se a situação política degenerasse em perigo para a sua integridade territorial, Macau dependia da Grã-Bretanha, a velha aliada de Portugal, e da sua poderosa Royal Navy. A colónia britânica de Hong Kong, a experi- mentar problemas similares aos de Macau no relacionamento com a China, seria a tábua de salvação mais próxima. Mas ocupada que estava com a sua participação na Grande Guerra, era duvidoso que a Grã-Bretanha estivesse em condições de prestar auxílio de emergência a Macau, como já acontecera no passado.

As tropas em Macau obedeciam à nova organização militar do ultramar, aprovada em novembro de 1901 e que vigoraria até 1921. As forças militares eram constituídas pelo Quartel-General, uma Companhia europeia de artilharia de guarnição – cerca de 100 efeti- vos –, e o Corpo de Polícia, constituído por três Companhias – uma europeia, uma mista com efetivos europeus e macaenses e uma terceira com indianos e chineses, totalizando cerca de 600 efetivos. A companhia europeia de infantaria tinha sido incorporada no Corpo de Polícia em 1911. A banda militar da guarnição, então no Corpo de Polícia, fora extinta em 1912, transitando para o Leal Senado. A comissão dos militares em serviço colonial em Macau era de dois anos, sendo que muitos renovavam por igual período de tempo.

Em maio de 1915 o Governador Carlos da Maia prepara a organização de um Con- selho de Defesa, composto por oficiais superiores, comandantes e os chefes da Reparti-

15 AHM, Relatório dos Serviços Militares da Província de Macau para o General Inspector Gomes da Costa, F. 62, S.I., Caixa n.º 923, n.º 5, 22 de outubro de 1922, p. 23.

16 AHD, Caixa n.º 1236/Limites de Macau, Governo da Província de Macau, Expediente geral n.º 39, confidencial, 23 de julho de 1914, p. 2.

17 AHD, Caixa n.º 1236/Limites de Macau, ofício confidencial do Ministério dos Negócios Estrangeiros para o ministro em Pequim, 19 de setembro de 1914, p. 3.

ção Militar e Repartição da Marinha, com o objetivo de estudar os assuntos militares e de defesa. O Conselho de Defesa Militar, órgão consultivo do Governo de Macau, só viria a ser formalmente criado em outubro de 1920, muito depois do final da Grande Guerra.

De acordo com as normas em vigor para as colónias, o Governador de Macau era a suprema autoridade militar, equiparado a general ou vice-almirante, exercendo nessa qua- lidade o comando das forças militares terrestres e navais.

No documento Despojos de Guerra (páginas 105-107)