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Situação pré-pandemia

No documento Brasil e o mundo diante da Covid-19 e da (páginas 63-68)

sanitários.

4.1 Situação pré-pandemia

Desde o início da pandemia e principalmente do isolamento social, uma das principais pautas governamentais ao redor do mundo, bem como no Brasil, passou a ser como solucionar, ou ao menos frear, a crise econômica causada pela COVID-19. Anteriormente, porém, não era possível afirmar que a economia mundial havia se recuperado por completo depois da crise financeira de 2008, muito menos que o Brasil teria superado incertezas nos campos econômico e político instauradas a partir das Jornadas de Junho, em 2013. Para que seja possível entender o atual cenário brasileiro e propor soluções para os problemas existentes, faz-se necessário uma análise do quadro em que o país se encontrava antes da disseminação desse vírus no mundo.

No seminário online “Economia, trabalho e proteção social em tempos de crise” (2020), organizado pelo Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT), o economista Ricardo Carneiro, professor do Instituto de Economia da Unicamp, inicia sua fala tratando do contexto econômico prévio à pandemia. Segundo ele, no âmbito internacional já havia uma desaceleração desde a crise de 2008 junto ao processo de financeirização da economia. Diferente do que afirma o ministro Paulo Guedes (REUTERS, 2020), o coronavírus não atrapalhou uma economia brasileira que estava “decolando”, conforme evidencia o gráfico do comportamento trimestral do PIB, apresentado na figura 14.

A economia brasileira não apresenta crescimento econômico trimestral maior que 1% em 2019, e o período de outubro a dezembro teve crescimento inferior ao trimestre anterior. A economia brasileira saiu da recessão de 2015-2016 e entrou numa estagnação, apresentando vários indicadores ruins. O consumo e a atividade em construção civil deram algum sinal de vida, mas em compensação os demais setores não tiveram grandes avanços, com destaque para a

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indústria e o investimento em capacidade produtiva.

Como se pode ver, a atividade industrial vinha oscilando e de modo algum apresentava sinais de que se encaminha para uma forte recuperação. Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a pandemia encontrou o setor operando aquém de sua capacidade produtiva, com utilização da capacidade instalada variando entre 77 e 78% desde junho de 2018, e caindo para 76% em março deste ano iniciando uma tendência brusca de queda a ser

Figura 14 - Contas Nacionais Trimestrais. Fonte: IBGE.

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observada nos próximos meses.

A situação do mercado de trabalho já era ruim pelo menos desde 2016, e vinha seguindo a tendência mundial da informalização e precarização, afetando sobremaneira a parcela da população em situação mais vulnerável. Segundo Saboia et al (2020, p.3), o perfil médio de um desalentado — alguém que abandonou a busca por emprego por não acreditar que irá encontrá-lo — no Brasil, em 2019, “era de uma pessoa responsável pelo domicílio, mulher, preta/parda, jovem, com ensino fundamental incompleto e vivendo na região Nordeste.”

Krein e Borsari (2020, p.1) apresentam dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) apontando que “o ano de 2019 terminou com 16,2 milhões de desempregados (aberto e desalento) e 6,7 milhões de subocupados por insuficiência de horas, além do forte peso do trabalho informal, 38,4 milhões de trabalhadores (subocupados inclusos neste contingente), quadro relativamente estável desde 2016”. É importante ressaltar também que, segundo um estudo do economista Marcelo Neri (2019), a desigualdade de renda vem crescendo por 17 trimestres seguidos desde o último trimestre de 2014. O estudo ainda enfatiza que o ritmo de aumento da desigualdade de renda durante o período, é similar ao ritmo da queda observada no período de 2001 até 2014, ou seja, se esse processo continuar por um período maior todo avanço nessa área poderá ser revertido.

Portanto, os dados apontam uma situação ruim há muito tempo e que não melhorou como foi prometido no momento da implantação das reformas trabalhista e previdenciária, que objetivavam o ajuste fiscal. Considerando o cenário prévio, a chegada do coronavírus no Brasil apenas aprofunda as dificuldades que o país já enfrentava, portanto acreditar que o vírus seja o único responsável pelos problemas econômicos e sociais que se apresentam desde já, bem como àqueles que ainda virão, é negar o quadro anterior da economia brasileira indicado pelo dados disponíveis.

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um déficit em transações correntes na ordem de US$50,762 bi, o pior resultado nos últimos quatro anos, registrando alta de 22,2% sobre o resultado de 2018. Esse fenômeno se explica, em grande parte, pelo declínio do superávit comercial do país. Segundo o Banco Central (BACEN), as transações correntes foram justificadas pela desaceleração da economia argentina, pelo declínio da demanda por soja brasileira, e também pela dinâmica no entorno das incertezas do comércio mundial, provenientes da guerra comercial entre EUA e China.

Segundo o BC, a balança comercial apresentou superávit de US$ 39,4 bi (recuo de 25,7% em relação à 2018), com queda de 6,3% nas exportações e retração de 0,8% nas importações. As remessas de lucros e dividendos foram na ordem de US$ 31,1 bi (diminuição de 14,8% em relação à 2018). Por fim, a balança de serviços apresentou um déficit de US$ 35,1 bi, cujo recuo (1,7%) se explica em grande parte, tanto pela redução dos gastos líquidos de brasileiros no exterior (recuo de 5,4%, ao resultado de US$ 11,7 bi), quanto pela redução de despesas líquidas provenientes do aluguel de equipamentos (diminuição de 8,2%, ao nível de US$14,5 bi).

O déficit na balança de pagamentos foi coberto pelo investimento direto no país (IDP), cujo resultado foi de US$ 78,6 bi. Afinal, quando o país apresenta um resultado negativo em sua balança de pagamentos (ou saldo em transações correntes), ele têm de se financiar em moeda

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estrangeira (IDP). Dito isso, podemos prosseguir no trato da questão da oscilação cambiária.

Diante do exposto, observamos que a balança de pagamentos possui um problema estrutural, subsumido na forma de déficits sistemáticos, excetuando-se o período de boom dos preços das

commodities. Portanto, não se trata de mera casualidade o déficit em

transações correntes, bem como a subsequente depreciação cambial. Examinemos-a.

Por conta do déficit em transações correntes, o país tem que financiar-se em moeda estrangeira, ou seja, em investimento direto externo, tal como já versamos. Como a taxa de câmbio expressa relações de oferta e demanda por moeda, depreende-se que a partir do déficit na balança de pagamentos, incrementa-se a demanda por moeda estrangeira, já que o país tem de se financiar por meio de recursos externos. E mediante esse aumento, eleva-se o preço do dólar com base em reais, ou seja, a taxa de câmbio (R$/US$), que em julho/19, era de 3,72 R$/US$, e em janeiro/20, de 4,28 R$/US$.

Com a queda dos preços de exportação a partir de 2012/13, a balança de pagamentos passa a apresentar déficits ainda mais profundos, isso em virtude da diminuição dos saldos positivos da balança comercial. Esse resultado deflagra um problema sistêmico das economias dependentes, que é o da depreciação dos termos de intercâmbio, isso é, a quantidade de produtos finais da indústria que podem ser obtidos com determinada quantidade de produtos primários. Dada a vocação agro-exportadora da economia brasileira, o saldo da balança comercial é fortemente restringido por conta da deterioração desses termos.

Outro fator determinante da depreciação cambial é o patamar da taxa de juros. Após permanecer estável em 6,5% dentre abril de 2018 e julho de 2019, a Taxa Selic experimentou um processo de quedas graduais, chegando ao final de 2019 ao percentual de 4,5%. A taxa de juros constitui um importante indicador de rentabilidade dos ativos, isto é, dos títulos a ela indexados. Desse modo, o declínio da taxa de juros propicia a saída de capital especulativo, atuante no

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sentido de busca de taxas mais atrativas de retorno financeiro. Em agosto de 2019 registrou a maior saída de capital especulativo desde janeiro de 1996 (ano que marca o início da série histórica de dados), avaliada em R$ 10 bi. Tomando 2019 em seu conjunto, obtemos o resultado negativo de aproximadamente R$ 45 bi.

Tal resultado também não constitui mera causalidade, já que uma economia dependente como a brasileira, não pode rebaixar as taxas de juros à um determinado patamar sem que isso implique no aparecimento de crises cambiais, provenientes da fuga desenfreada desses capitais, que buscam taxas mais atrativas de retorno, como aponta Marcelo Carcanholo. Afinal, mediante esse processo, eleva-se a demanda por moeda estrangeira, em detrimento da moeda nacional, o que influi na elevação do preço do dólar em termos de reais, ou seja, na taxa de câmbio (R$/US$). Ademais, a balança de pagamentos apresenta problemas sistemáticos, já que além da depreciação dos termos de intercâmbio e o patamar da taxa de juros, a economia brasileira não possui um departamento produtor de bens de capital robusto como o das economias mais desenvolvidas, o que leva o país a arcar com custos significativos na importação de máquinas e equipamentos. Por fim, as remessas de lucro das multinacionais às suas filiais nos países desenvolvidos também constitui uma fonte importante dos déficits sistemáticos.

Portanto, os dados permitem afirmar que o Brasil vinha apresentando resultados econômicos e sociais preocupantes, preparando um terreno perigosamente vulnerável a crises como esta que vivemos. A seguir será apresentada uma discussão sobre os efeitos da crise econômica resultante da pandemia do novo coronavírus.

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