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Situações Públicas Ocasionais

No documento DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2008 (páginas 107-111)

CAPÍTULO IV AS PRÁTICAS DISCURSIVAS SOBRE O PRECONCEITO

4.2 O PRECONCEITO SITUADO/CONTEXTUALIZADO NAS PRÁTICAS

4.2.1 Situações Públicas Ocasionais

Consideraremos as situações públicas ocasionais em duas circunstâncias distintas: a primeira se dá no anonimato, ou seja, situações em que não houve verbalização por parte dos integrantes, mas houve a presença sentida do preconceito; a segunda concerne a interações face a face, embora em contextos fugazes de interações sociais.

Situações públicas ocasionais onde o anonimato se fez presente

As narrativas que se seguem trazem como exemplo a questão do preconceito vivenciado a partir de uma situação pública ocasional no contexto do anonimato:

Isabela: Seu João, o senhor já sentiu preconceito em relação ao

senhor, assim, uma pessoa em relação ao senhor?

João: Já, sim, eu é... talvez seja conforme o estabelecimento que a gente vai, né... é... tem lugar que eu não entro... então isso aí é um preconceito que já tá na cara... a pessoa já fica

visando a gente, né, entendeu? Por causa assim da gente

trabalhar em obra o preconceito já tá aí.

Isabela: Simone, na tua vida, em relação a você, já sentiu algum

preconceito? Em que situação?

Simone: Já, já senti sim, principalmente nessa situação, nessa... da

gente ser faxineira é que as pessoas têm preconceito... mas quando você, em todos os lugares quando você... se você tiver bem vestida, você é tratado bem agora se você não tiver... de chinelinha havaiana cê pode sabê, minha filha, nossa!, infelizmente o Brasil é desse jeito, não só o Brasil né...

Simone, 40 anos, fem., serviços gerais, 1.o completo

Isabela: Mônica, na tua vida, em relação a você, já sentiu algum

preconceito? Em que situação?

Mônica: Sim, tipo assim, é tipo assim, se você entra num banco com

a... o uniforme de faxineira, aí o povo começa a olhar... é se você vai mexer no caixa, aí as pessoas já começa a olhar, ficar de olho em você, o que cê tá fazendo, então o preconceito...

Mônica, 45 anos, fem., serviços gerais, 1.o completo

Gal: ...passei por preconceito aqui neste Congresso [ABRAPSO]...

Isabela: Você então já sofreu preconceito, é isso? Como é que foi?... Gal: ...pelo fato de eu ser do sul e aqui ter bastante gente negra,

né, e daí tipo eu tenho a pele meia clara, meia, né, porque eu também tenho negro no sangue, só que o pessoal não, não nota isso, né, porque minha pela é clara, então "hã, ah, essa loira burra do sul", isso pra mim é preconceito... eu ouvi isso...

foi caminhando por aqui...

Gal, 19 anos, fem., estudante de Psicologia

Isabela: Em algum momento de sua vida, você já sentiu preconceito

em relação a sua pessoa?

Ceumar: Então, eu já senti é... uma vez assim claramente, mas não foi no

Brasil, né, foi fora do Brasil... era uma coisa, assim, de... é...

nos Estados Unidos, dos latinos, né, uma coisa assim de

menos... e que senti exatamente isso, uma coisa que me afastava do... do... de alguém, né, do outro, é... claro que tava na cara que eu era estrangeira... era uma coisa assim do tipo físico, da... da cor de pele e que me caracterizava lá no... no grupo dos latinos, é... e aí o grupo dos latinos tem todo lá um significado.

Ceumar, 51 anos, fem., psicóloga e professora

Esses exemplos nos trazem situações em que as pessoas se sentiram alvos de preconceitos de outras pessoas, mesmo sem haver qualquer troca de

comunicação direta entre as partes. Um olhar provavelmente discriminatório já era suficiente para que a pessoa se sentisse incomodada e, de alguma forma, sendo julgada. Além disso, não podemos esquecer que, pela própria condição econômica e social objetivada na vestimenta típica de uma dada ocupação (como pedreiro e faxineira), é inferida uma posição social inferior segundo os padrões da socie- dade ocidental.

Se houve ou não de fato esse olhar julgador não há como aferir, mas, sem dúvida, essas pessoas se sentiram tratadas de modo diferente, o que nos leva a pressupor a existência da exclusão, pois, em todas essas falas, há um sentimento de não se sentir parte do lugar, como os bancos, onde o dinheiro é o símbolo das relações de poder e de dominação.

Esse tipo de preconceito nos remete a Allport (1971), para quem uma das formas de sua atuação é um tipo de poder intimamente relacionado às formas de dominação de uma dada época, em que os valores, costumes e culturas tendem a uma insistente cegueira social para que não haja perigo de mudança no status quo.

Situações públicas ocasionais onde há interação face a face

Como já dissemos, o preconceito pode acontecer em situações públicas ocasionais, nas quais se dá uma segunda face desta moeda: interação face a face, como nos exemplos a seguir.

Isabela: Em relação a você, Roberta, já sentiu preconceito?

Roberta: ...já me senti mal em lojas, fui mal atendida porque eu ando

de uma maneira bem simples, assim, e entrei numa loja assim meio um pouquinho acima das minhas possibilidades finan- ceiras, e essa vendedora deixou assim muito claro, sabe, não com palavras, mas gestos, que eu não estava no ambiente

certo, né...

Isabela: Em relação à sua pessoa, já sentiu preconceito?

Daúde: Acho que... eu não sei se é preconceito isso, mas eu já senti

alguma discriminação em atendimento em relação ao nível social, um lugar muito fino e tal e eu provavelmente não estava bem vestida, e o atendimento não foi como deveria, e me senti mal...

Daúde, 45 anos, fem., professora e maestrina, pós-graduada (mestrado)

Isabela Ivan, já sentiu preconceito em relação a você?

Ivan: Já teve várias... uma marcante foi... a primeira acho... eu era bem pequeno e tava com minha família... numa churrascaria que fica na Barra de Tijuca, que é um bairro nobre lá da cidade do Rio... o meu pai tem uma cor bem mais escura que a minha mãe, é... é o que as pessoas chama de branca, aqui no Brasil, e quando a gente tava comendo... eu percebi... eu tinha 7 anos... mas foi uma coisa nítida, os garçons se posi-

cionando ao redor da nossa mesa tipo assim a uma certa

distância, e na hora de pagar meu pai puxou o American Express, que na época ninguém tinha, né,... e aí o garçom se assustou...

os outros garçons se desarmaram, ah, as costas sabe...

Ivan, 23 anos, masc., psicólogo, 3.o grau completo

Isabela: Ivete, já sentiu preconceito em relação à sua pessoa?

Ivete: ...uma vez assim... excluído, né, é... há uns três anos atrás...

a gente foi comprar um carro e chegando lá a pessoa viu a aparência da gente e eu senti aquele preconceito. Ela pra

mim ela pensou: "esse pessoal não tem dinheiro, não vai

comprar carro, né, não tem condições", e deixou a gente parado ali num canto com aquele preconceito, e foi atender outra pessoa mais, né, que a gente diz assim mais graduado,

mais aparência, mais bonita...

Ivete, 43 anos, fem., serviços gerais, 1.o grau completo

Como podemos perceber, em todas essas narrativas o preconceito extrapola qualquer tipificação ou característica que pudesse justificar esta ou aquela categoria de pessoa ou mesmo de status social. Temos de profissionais pós-graduados a atendentes de serviços gerais que passaram por situações de preconceito explícitas, mesmo quando não verbalizadas pela outra pessoa.

O que apreendemos, quanto às manifestações do preconceito, é que esses casos remetem às reflexões de Joffe (apud ARRUDA, 1999), que discorre sobre a questão da alteridade, em que o outro, ao ser discriminado, acaba se expondo a diferentes situações, como esperar em uma loja até ser atendido, deixando de ser alguém com voz e, desta forma, podendo ser esquecido ou invisibilizado.

No documento DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2008 (páginas 107-111)