• Nenhum resultado encontrado

4 REGISTRO DAS EXPERIÊNCIAS DE ENSINO EM PORTUGUÊS E EM

4.4. Situando criticamente a realidade do ensino de EJA

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA (BRASIL, 2013), orientam que a re- ferida modalidade deve desempenhar três funções principais: a função reparadora, a função equalizadora e a função qualificadora. A função reparadora representa a garantia do direito dos jovens e adultos ao acesso à educação a partir da idade de quinze anos para ingressar no ensino fundamental e na idade de dezoito anos para o ingresso no ensino médio. Além disso, essa função estabelece o reconhecimento desse direito, enfatizando a importância de existir um modelo educacional que atenda as necessidades de aprendizagem específicas desse públi- co. A função equalizadora, por sua vez, está relacionada à igualdade de oportunidades, de forma que os jovens e adultos também tenham acesso e sejam inseridos no mercado de traba- lho e à vida social, usufruindo dos direitos de cidadãos que constituem a sociedade. Por fim, a modalidade EJA deve ter, também, função qualificadora, pois deve oferecer uma educação contínua e permanente ao longo da vida.

Nesse sentido, é evidente que a educação de jovens e adultos precisa de uma proposta curricular própria, com metodologia de ensino e material didático adequados à sua realidade, além de professores que conheçam essa realidade e saibam lidar com ela, de maneira que con- sigam atender às especificidades dos alunos e promover a aprendizagem significativa dos con- teúdos ensinados.

No que diz respeito aos conteúdos de Língua Portuguesa e Matemática trabalhados pe- la professora da turma na qual foi realizado o estágio, verificamos que a professora busca tra- balhar os conteúdos em conformidade com a Proposta Curricular para o primeiro segmento da EJA (BRASIL, 2001) e de acordo com as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA (BRASIL, 2013). Contudo, observamos que a mesma não prioriza o uso do livro didático em suas aulas, pois afirma que nem todas as atividades propostas no livro são ade- quadas à sua turma. Então, a professora prefere elaborar atividades extras que, inclusive, são financiadas por ela mesma (já que a escola não disponibiliza recursos para cópias de materiais extras), mas que são adequadas à realidade de seus alunos. Percebemos, através dessa atitude, a preocupação da professora em promover uma aprendizagem significativa para seus alunos,

pois ao identificar que o material didático não contemplava as particularidades dos mesmos, encontrou outros meios de trabalhar os conteúdos sem, necessariamente, seguir o roteiro do livro didático, mas com o cuidado de cumprir os objetivos didáticos para a Língua Portuguesa no processo de alfabetização, previstos pela Proposta Curricular para a EJA.

Assim, de acordo com os conteúdos e a área de conhecimento que ela escolhe traba- lhar nos dias de aula, geralmente propõe uma atividade diferente para cada assunto. Em rela- ção à forma como são abordados os conteúdos de Língua Portuguesa, no período de observa- ção das aulas, notamos que a professora procura incentivar a participação do aluno durante as aulas, explica o conteúdo planejado para a aula e, em seguida, propõe a atividade relacionada ao conteúdo. Os alunos são participativos, demonstram satisfação em assistir as aulas, pois a professora mostra-se bem-humorada e animada a cada aula. Os alunos afirmam que essa pos- tura faz toda a diferença e alguns até relatam que a professora é um dos motivos para eles irem assistir as aulas. De fato, a professora é bem animada e a forma como conduz a aula, permite a frequente participação da maioria dos alunos. Contudo, vale salientar que, durante a explicação dos conteúdos, observamos que a professora pouco contextualiza os assuntos a serem trabalhados.

Apesar das atividades serem bem elaboradas conforme os objetivos didáticos para o ensino da Língua Portuguesa, a metodologia utilizada para a alfabetização é a tradicional, o que acaba não valorizando os conhecimentos prévios dos alunos. A quantidade de alunos que conseguem ser alfabetizados em um ano é mínima, segundo a professora. A mesma atribui o fato às condições de vida dos alunos que não têm nenhum acompanhamento escolar e que só exercitam os conteúdos aprendidos, na sala de aula, além de, também, haver pouca frequência durante as aulas. No horário das aulas semanais, constatamos que são priorizados os conteú- dos de Língua Portuguesa, pelo fato de o foco nessa fase inicial da EJA ser a alfabetização.

Geralmente, por semana, os alunos têm duas aulas de matemática. Acerca dos conteú- dos matemáticos abordados, notamos que a professora restringe-se a trabalhar as operações de adição e subtração em atividades que exigem dos alunos apenas a ação de armar a conta para

efetuar o cálculo. São os conhecidos exercícios de “Arme e Efetue”. Notamos que em relação

ao ensino de matemática, a professora, de fato, não utiliza situações-problemas adaptadas ao contexto da turma. Dessa maneira, as aulas de matemática que observamos, limitavam-se a alguns exemplos demonstrados pela professora, na lousa, de como se arma uma conta para efetuar o cálculo, conforme a operação matemática que estava sendo trabalhada (adição ou

subtração). Assim, os alunos realizavam a atividade e após um certo tempo estipulado pela professora para eles concluírem a atividade, a mesma realizava a correção coletiva, fazendo todos os cálculos na lousa e, ao mesmo tempo, incentivando a participação dos alunos durante a resolução de cada operação. A professora enfatizava, nesse processo, as ordens ocupadas por cada algarismo, contudo, não percebemos a clareza do conhecimento dos alunos em rela- ção aos conceitos iniciais de número e algarismo e das regras do Sistema de Numeração De- cimal, conteúdo já previsto para os alunos de EJA em processo de alfabetização, conforme a Proposta Curricular para a EJA (BRASIL, 2001).

O ensino de matemática, portanto, não contemplou os conteúdos previstos para essa fase inicial de escolarização, pois percebemos um ensino fragmentado, sem relação com o contexto dos alunos e com pouca relação com a língua portuguesa. Além disso, a abordagem desses conteúdos pela professora, não considerava a metodologia proposta para o ensino de matemática que abrange a Educação Matemática, uma vez que deve-se considerar o contexto sociocultural dos alunos e suas experiências para, a partir delas, promover situações de apren- dizagem que favoreçam a aprendizagem significativa, de fato, dos conteúdos matemáticos ensinados. Os conteúdos de língua portuguesa e matemática devem, portanto, ser abordados considerando o contexto sociocultural dos educandos, valorizando seus conhecimentos pré- vios baseados nas experiências vivenciadas no dia a dia. Assim, o ensino dos conteúdos ma- temáticos precisa ser complementar ao ensino de língua portuguesa, de forma que esses con- teúdos dialoguem um com o outro de forma a favorecer o processo de alfabetização.

4.4.1 Refletindo sobre a precariedade do ensino da EJA

Verificamos com base nas observações e relatos das entrevistas, que a estrutura física da escola não atende à demanda dos alunos e dos funcionários, uma vez que, trata-se de um prédio com uma arquitetura muito antiga, salas de aula com pouca ventilação, alguns ventila- dores quebrados ou com um muito ruído, alguns banheiros dos alunos sem porta e com pouca higienização, precária iluminação dos corredores e de algumas salas de aula, além da cerâmi- ca totalmente arrancada em algumas salas e deterioração da quadra esportiva. É importante ressaltar que a estrutura física da escola interfere no processo de ensino e aprendizagem dos alunos, uma vez que, na sala de aula onde realizamos as regências, por exemplo, presencia- mos os alunos todos aglomerados em um mesmo local da sala, por causa da iluminação que estava concentrada somente naquela área. Em outras situações, quando chegávamos na sala de aula para iniciar a regência, encontrávamos os alunos do lado de fora da sala, pois a mesma

ainda estava fechada, mesmo já sendo o horário de início da aula, conforme o horário escolar. Isso causava muita insatisfação e revolta nos alunos e era uma situação que se repetia diaria- mente. A sala que os alunos utilizavam não possuíam a mobília própria para os alunos da EJA, uma vez que era adequada para crianças. As mesas e cadeiras eram pequenas, dificul- tando a locomoção e a forma como os alunos sentavam, pois a maioria não conseguia sentar na cadeira, devido ao tamanho da mesa e ficavam com uma postura curvada em relação à me- sa, dificultando a escrita e a realização das atividades. Era um ambiente desconfortável e ina- dequado aos alunos, que não possuíam uma sala adequada para eles.

Em relação às dificuldades enfrentadas pela professora regente em sua prática docente, constatamos a inexistência de cota para a professora tirar cópia do material a ser utilizado pelos alunos durante as aulas no turno da noite. Concluímos, de acordo com o relato da pro- fessora e as observações realizadas durante o estágio, que se o professor precisar utilizar ma- terial complementar ao livro didático, o mesmo tem que investir do seu salário para pagar as cópias das atividades escritas escolhidas para a aula. Identificamos que, também, não há dis- ponibilidade de materiais como: cartolina, EVA, pincéis para quadro branco, dentre outros materiais extras necessários para a aula.

É preocupante a falta de incentivo do poder público em relação a Educação de Jovens e Adultos, fato observado durante o período de estágio. Nesse período, também ocorreu o encerramento de atividades da coordenação no turno noturno, demonstrando a falta de interes- se das autoridades locais para com essa modalidade de ensino. No final do semestre, a única responsável pelas turmas do turno da noite da escola perdeu sua função de coordenadora pe- dagógica, ficando a EJA sem nenhum apoio pedagógico nesse turno.

Além desses problemas de cunho estrutural e financeiro, salientamos que a Educação de Jovens e Adultos não está desconexa da realidade econômica e política mundial. Sabemos que em um país subdesenvolvido como o Brasil, os efeitos do capitalismo são imensuráveis, decorrentes da concentração de renda e má administração política. Desta forma, grande parte da população encontra-se em uma situação em que não consegue usufruir das condições mi- nimamente humanas e dignas necessárias à vida característica de um cidadão. Assim sendo, podemos observar que os estudantes da EJA fazem parte da classe trabalhadora que desde muito cedo teve que abrir mão de seus estudos por causa do trabalho, na maioria dos casos, por questões de sobrevivência na sociedade. Sendo assim, Tonet destaca

Ora, a educação é um poderoso instrumento para a formação dos indivíduos. Mas, como já vimos, nas sociedades de classes ela é organizada de modo a servir à repro- dução dos interesses das classes dominantes. Na sociedade capitalista isto é ainda mais forte e insidioso porque as aparências indicam que uma formação de boa quali- dade é acessível a todos, enquanto a essência evidencia que tanto o acesso universal quanto a qualidade não passam de uma falácia. (TONET, 2006, p.16).

Os alunos vão para a escola em busca de uma melhor condição social, porém, é notó- rio que, ao mesmo tempo em que esses alunos buscam uma ascensão social, existe um sistema no qual estamos inseridos (sistema capitalista) que é dualista no que diz respeito à educação, diferenciada para classes diferentes (a dominante e a trabalhadora) e sujeita aos interesses da classe dominante desse sistema, fato que precariza ainda mais a educação destinada a esses jovens e adultos trabalhadores, que no período noturno, tentam por meio da educação melho- res condições de vida.

Documentos relacionados