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PENSAMENTO E AÇÃO

2.3 Skovsmose e a Educação Crítica

Examinando as conexões entre Educação Matemática e as teorias educacionais, Skovsmose (2001) apresentou a Educação Crítica (EC), em seu texto original (1985), como um ramo dificilmente mencionado e não conceituado na Educação Matemática (EM). Segundo Skovsmo- se, a Escola de Frankfurt foi uma das fontes de inspiração para o sur- gimento da EC, destacando o discurso feito por Held na inauguração do Institut für Sozialforschung em Frankfurt. Nele, Held (1980, p. 33 apud SKOVSMOSE, 2001, p. 16) destacou uma das características da Escola de Frankfurt: “enfatiza a necessidade de uma teoria social que explique o conjunto de interconexões (mediações) que torna possível a reprodução e transformação da sociedade, da economia, da cultura e da consciência”. Considerando a EC uma dessas teorias sociais, e que então vem sendo reconstituída desde a década de 1920, Skovsmose afirma que

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seria naturalmente impossível resumir suas ideias; contudo, pontua seus principais elementos27 que serão descritos a seguir.

Para a EC, é imprescindível que o comportamento tanto do pro- fessor quanto dos alunos se constitua de aspectos democráticos, visto que “se queremos desenvolver uma atitude democrática por meio da educação, a educação como relação social não deve conter aspectos fun- damentalmente não democráticos” (SKOVSMOSE, 2001, p. 18). Uma forma de inserir aspectos democráticos no processo educacional é ga- rantindo que haja ambiente favorável ao diálogo entre professor e estu- dantes. Assim sendo, esta pesquisa adota a prática do diálogo como seu primeiro elemento-alicerce. A forma como o uso do diálogo foi aplicado, bem como suas particularidades, são apresentadas no capítulo seguinte.

Além desse elemento fundamental, Skovsmose (2001, p.17-20) de- fine sumariamente três pontos-chave da Educação Crítica, a saber:

Competência crítica atribuída aos estudantes: os estudan- tes têm potencial para agir e interferir no controle do pro- cesso educacional, visto que suas experiências (ainda que rudimentares), aliadas ao diálogo com o professor, lhes permitem identificar assuntos relevantes tanto aos interes- ses dos estudantes quanto à perspectiva do processo edu- cacional. Além disso, trata-se de uma forma de democrati- zar o processo educacional.

Distância crítica do conteúdo da educação: em alemão, é utilizado o termo Fachkritik, podendo traduzi-lo como “currículo crítico”. Estudantes e professor precisam esta- belecer suas considerações críticas em relação aos conteú- dos. Para isso, cada assunto (conteúdo) deve ser analisado ao discutir questões como: Onde este assunto é usado? Por quem? Que interesses e pressupostos estão por trás desse assunto? Quais as funções sociais e as limitações que esse assunto poderia ter?

Direcionamento do processo de ensino-aprendizagem a pro- blemas: trata de relacionar o processo educacional aos pro- blemas existentes fora do universo educacional. A seleção

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destes problemas deve obedecer aos critérios subjetivo (o problema deve ser relevante para os estudantes) e objetivo (o problema deve ter uma relação próxima com problemas sociais). Este ponto-chave evidencia os dois anteriores e aponta para o “engajamento crítico” como parte da Educa- ção. (SKOVSMOSE, 2001, p. 17-20)

Sintetizando, na EC os estudantes, em diálogo com o professor, po- dem e devem fazer parte do processo educacional. Os conteúdos devem ser estabelecidos por eles, atendendo à sua importância e relevância. Além disso, devem ser desenvolvidos por meio de problemas que ultra- passem os limites do ambiente educacional. Para coleta de dados des- ta pesquisa, as atividades foram elaboradas de modo que fosse possível aproximar-se desses elementos da EC.

Na presente pesquisa, considerou-se que é possível desenvolver mo- deradamente a competência crítica dos estudantes, visto que os conteúdos preestabelecidos pelo sistema de ensino vigente permitem uma margem de atuação que pode variar de acordo com a abordagem adotada em cada conteúdo. Com referência ao conteúdo Matemática Financeira, o currí- culo crítico pode ser trabalhado, pois possibilita que os alunos tomem decisões e se posicionem diante de situações reais. E por último, visto que o envolvimento com questões sociais relevantes para os alunos é essencial na Educação Crítica, o direcionamento do processo de ensino- aprendiza- gem28 a problemas representa o segundo elemento-alicerce que foi consi-

derado na elaboração das atividades da presente investigação.

Com base nesses pressupostos para a EC, Skovsmose propõe uma in- teração entre a EC e a EM e formula algumas teses a favor dessa interação: A) Tese da tecnologia (SKOVSMOSE, 2001, p. 29): “tecnologia é o

aspecto dominante da civilização, e o homem está completamente imerso nessa tecnologia.” Essa tese relaciona a tecnologia ao poder e às relações

de poder, como mencionado anteriormente. Segundo Ellul (1964, apud 28 A pesquisadora considera que o ensino e a aprendizagem não constituem um processo único. No entanto, a notação “ensino-aprendizagem” foi mantida apenas por fidelidade ao texto original de Skovsmose (2001, p. 19).

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SKOVSMOSE, 2001), a tecnologia tem substituído a natureza como meio ambiente do homem. Nesse sentido, Skovsmose (2001) ressalta que

Uma educação crítica não pode ser um simples prolonga- mento da relação social existente. Não pode ser um aces- sório das desigualdades que prevalecem na sociedade. Para ser crítica, a educação deve reagir às contradições sociais (SKOVSMOSE, 2001, p. 98).

B) Tese do currículo (SKOVSMOSE, 2001, p. 31): “Os princípios fun- damentais de estruturação do currículo são derivados delas ou estão de acordo com as relações de poder dominantes na sociedade.” Essa tese diz que os conteúdos do currículo estão associados diretamente à forças eco- nômicas e políticas associadas a relações de poder na sociedade. Skovsmo- se (2001) relembra fatos históricos por meio da citação de Apple (1982):

A introdução original do material pré-preparado foi esti- mulada por uma rede específica de forças políticas, cul- turais e econômicas, originalmente nos anos 50 e 60 nos Estados Unidos. (...) O clima de Guerra Fria levou a um foco na produção eficiente de cientistas e técnicos, tanto quanto numa força de trabalho estável; isso, a “garantia” dessa produção por meio do currículo escolar, passou a ter importância cada vez maior. (APPLE, 1982, p. 150 apud SKOVSMOSE, 2001, p. 30)

C) Tese sobre a Educação Matemática (SKOVSMOSE, 2001, p. 32): “No sistema educacional, a EM funciona como a mais significante in- trodução à sociedade tecnológica. É uma introdução que tanto dota es- tudantes com habilidades técnicas relevantes, quanto dota estudantes com uma atitude ‘funcional’ em relação à sociedade tecnológica.” Essa tese diz respeito aos estudantes e às relações sociais entre eles e está baseada em aspectos que se preocupam no quanto a EM funciona como um instrumento de interesses tecnológicos e de que modo a EM pode ser utilizada para introduzir um modo particular de pensamento e ação.

Assim, Skovsmose (2001) argumenta a respeito da importância de uma integração entre EM e EC e ressalta que, para se manter como teo- ria educacional, a EC não pode sobreviver sem essa integração. Porém,

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segundo Skovsmose (2001, p. 35), a EC não tem oferecido influências significativas na EM, visto que “a maioria dos defensores da EC que têm desenvolvido seus aspectos especiais não mostra nenhum interesse na EM”. Desse modo, Skovsmose (2001) conclui que

Um dos principais desafios para a EC é desenvolver uma filosofia de tecnologia mais adequada, de modo que possa gerenciar e interpretar a educação técnica, e de modo que a EC e a EM possam vir a ser integradas, tornando a EM uma educação crítica, permitindo que a EC possa vir a ser novamente crítica. (SKOVSMOSE, 2001, p. 36)