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Neste momento, vamos realizar um passeio por trabalhos que trazem uma análise discursiva de slogans, tanto os que servem para fins de propaganda política quanto aqueles que são utilizados para outros fins (campanhas publicitárias, de esclarecimento etc.).

No artigo intitulado Configurações da memória discursiva em slogans políticos, Baronas analisa discursivamente slogans de campanhas políticas de candidatos ao governo do estado do Mato Grosso nas eleições de 1998. Esse estudo é feito com base nas teorias advindas da Análise do Discurso Francesa, especialmente no que diz respeito ao interdiscurso e à memória discursiva.

Com base nessa perspectiva, Baronas (2000) entende a linguagem numa relação estreita com a exterioridade, a qual é concebida como sendo as condições de produção do discurso. Este, por sua vez, constitui-se sobre o primado do interdiscurso, o que significa dizer que o discurso produz sentidos a partir de outros sentidos já cristalizados, ou seja, todo discurso é determinado pelo interdiscurso. A memória discursiva pode ser entendida, então, como “esses sentidos cristalizados, legitimados na sociedade [...] é, assim, uma reatualização, uma revigoração dos sentidos institucionalizados” (BARONAS, 2000, p.71-72).

Para Baronas (2000), os slogans reatualizam esses sentidos cristalizados, por meio do efeito do pré-construído, fazendo emergir algo que foi dito “antes, em outro lugar, independentemente” (PÊCHEUX, 1995 apud BARONAS, 2000, p. 73). Por exemplo, os slogans políticos “Casa Arrumada, Hora da Virada” e “Você em primeiro lugar”, ambos utilizados na campanha política para governador de Mato Grosso, fazem ressurgir, pela memória discursiva do povo mato-grossense, discursos que apontam para sentidos distintos.

No primeiro, percebe-se que o enunciador, governador do estado e candidato à reeleição, pretende dar ênfase ao que fez durante o primeiro mandato, ou seja, pôs a administração em ordem; e, num segundo mandato, diante do que ele fez, é o candidato que pode proporcionar as mudanças de que a população de Mato Grosso precisa. Já o segundo slogan, de acordo com Baronas, está numa relação polêmica com o primeiro, pois enfatiza o aspecto social, ou seja, o cidadão deve estar em primeiro lugar:

Esse slogan, diferentemente do anterior, que revigora um discurso do senso comum, reatualiza um discurso filosófico humanista de que o homem deverá vir sempre em primeiro lugar, e o bem-estar do cidadão deverá estar acima de tudo o que não lhe traga benefício direto. (BARONAS, 2000, p. 74).

Uma outra característica discursiva dos slogans é a naturalização dos sentidos, na medida em que eles impõem uma interpretação da realidade como se fosse a única e uma verdade irrefutável. Baronas (2000) acrescenta que os slogans não só revigoram sentidos, mas também, e principalmente, institucionalizam novos sentidos:

O slogan, quer seja ele didático, religioso, publicitário ou político, nutre-se da atualização e da reconfiguração da memória discursiva. Além disso, ele é uma fonte geradora de novos sentidos que, posteriormente, farão parte de uma nova memória coletiva. Além de serem discursos-agentes (discursos que reconfiguram outros discursos), são também discursos-pacientes (discursos primeiros que dão origem a outros discursos). (BARONAS, 2000, p.72).

Como vimos, Baronas amplia a compreensão do slogan, a partir do estudo clássico feito por Reboul, acrescentando-lhe uma dimensão discursiva, que considera o interdiscurso e a memória discursiva essenciais para a revigoração de sentidos e, sobretudo, para a institucionalização de novos sentidos, os quais passam a gerar outros sentidos.

Um outro trabalho que trata dos slogans sob o ponto de vista discursivo é o artigo As discursividades que perpassam os slogans da campanha do carnaval de 2003, de Cavallari. A autora faz uma análise de slogans utilizados em campanhas preventivas do carnaval de 2003, com vistas à conscientização da população sobre o contágio das doenças sexualmente transmissíveis (DST).

Para tal análise, a autora considera “as determinações histórico-sociais e ideológicos que estão no fundamento de qualquer dizer” (CAVALLARI, 2004, p.195), baseando-se nas teorias da AD Francesa, para a qual

[...] os sentidos em um acontecimento discursivo são pensados como efeito da presença do interdiscurso, tendo em vista que toda palavra se refere ao discurso no qual significa ou significou, graças à memória discursiva que direciona o dizer. (PÊCHEUX apud CAVALLARI, 2004, p.195).

Assim, a autora procura buscar em sua análise as manifestações ideológicas presentes nos processos de construção dos sentidos, considerando, para tanto, as condições de produção (o contexto sócio-histórico-ideológico), que determinam a produção dos slogans, bem como a sua interpretação.

Analisando slogans como Mostre que você cresceu e sabe o que quer; Neste carnaval, use camisinha; Aprenda a transar com a existência da AIDS; Sem camisinha nem pensar, a autora observa que o discurso sobre DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis) remete a outras discursividades, sobretudo, evocando as noções de verdade, direitos e deveres. Para ela, são essas noções que perpassam os sentidos produzidos pelos slogans pesquisados.

No primeiro slogan, as noções de individualidade e autonomia predominam como norteadoras do sentido, que aponta para o fato de que os que vivem numa sociedade devem saber o que querem e o que podem fazer. Tem-se aí a idéia de capacidade de escolha individual e de responsabilidade do sujeito como reguladores de sentido.

Com relação ao segundo slogan, Neste carnaval, use camisinha, a autora observa que o discurso presente aponta para o imaginário do carnaval como época de libertação sexual, prevendo comportamentos permissivos associados às práticas sexuais.

O terceiro enunciado, Aprenda a transar com a existência da AIDS, aponta para o discurso pedagógico, mobilizado pelo verbo aprender, o que parece incentivar a prática da liberação sexual, desde que o indivíduo seja responsável. Ou seja, “devido à existência de um ‘mal’ que atinge a todos, depende de cada indivíduo aprender a seguir determinados comportamentos que possam evitá-los. Há, portanto, um apelo a uma conscientização guiada por uma razão moral comum”. (CAVALLARI, 2004, p. 202).

Quanto ao quarto slogan – Sem camisinha, nem pensar –, a autora mostra que esse enunciado aponta mais uma vez para a interdiscursividade da liberação sexual no período de carnaval. Embora não mencione diretamente o ato sexual e suas conseqüências, os sentidos que sinalizam para esse já-dito não deixam de ser evocados por intermédio do interdiscurso. De acordo com Cavallari, o verbo pensar também evoca as noções de conscientização e responsabilidade do indivíduo: “Em função de uma razão moral comum, reforçada pelo discurso de direitos e deveres, o desejo sexual passa a ser condicionado a uma escolha ‘consciente’ do indivíduo, se igualando a qualquer outro ato social”. (CAVALLARI, 2004, p.203).

Como vimos, esse artigo discute a interdiscursividade para a qual apontam os slogans de campanha preventiva das DST veiculados no período carnavalesco, interdiscursividade que é inerente a toda prática discursiva.

O slogan tal como é compreendido por Reboul em seu estudo clássico diferencia-se da compreensão que têm Baronas (2000) e Cavallari (2004) sobre esse tipo de enunciado. Embora esses autores tenham partido do estudo realizado por Reboul, eles entendem que o slogan não só aponta para um sentido pré-construído, já cristalizado pelo interdiscurso, como também instaura outros (novos) sentidos. Para tal compreensão, é necessário que se considere o contexto sócio- histórico no qual o slogan está inserido, pois a significação do dizer está estreitamente relacionada à exterioridade a qual leva aos diversos discursos que circundam esse dizer e que são fundamentais para a compreensão do sentido que deles emergem.

4 IDEOLOGIA E LINGUAGEM

Neste capítulo, discutiremos os conceitos de ideologia e linguagem que estamos adotando para esta pesquisa, ambos de fundamental importância para a análise discursiva dos slogans políticos a que nos propomos fazer.

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