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2. APRESENTAÇÃO DA PESQUISA-AÇÃO

2.2 Sobre a elaboração didática

Uma questão importante para o desenvolvimento desta pesquisa foi buscar um denominador comum em relação ao que seja leitura na aula de Língua Portuguesa no Ensino Médio. Retomando alguns pontos a respeito, percebemos que ler, na escola, já foi uma competência ensinada isoladamente da escrita, já foi, também, sinônimo de leitura em voz alta de textos bíblicos, e, na atualidade, essa situação sofreu profundas modificações. Nas aulas de Língua Portuguesa, os textos27 tornaram-se objeto principal de estudo, apesar desses estudos servirem a fins muito diversos. As abordagens que se fazem dos textos envolvem os pólos principais dessas aulas: leitura, conhecimentos gramaticais e produção de textos, de um lado; literatura, de outro, como já comentado no capítulo anterior. Assim, a presença da leitura de textos tem - mesmo que de modo indireto - destacado uma importância à leitura, de modo geral.

27 É importante ressaltar que, quando nos referimos ao conjunto de textos que a escola usa,

enfatizamos tanto a escolha metodológica envolvida nessa opção, quanto a variedade de gêneros que circulam na escola (por exemplo, textos da esfera da publicidade, da esfera do jornalismo, da esfera literária, entre outros).

Essa presença constante da leitura, entretanto, ainda parece difusa, principalmente se observarmos as concepções de leitura adotadas pela escola e pelo lugar que ocupa nas aulas de Língua Portuguesa (como estratégia de aprendizagem, meio de avaliação ou objeto de ensino-aprendizagem).

Ao abordar a diferença entre conhecimentos e conhecimentos gerais em relação ao ensino da língua materna na França, Halté (1998, p. 15), observa que “A aula de leitura […] convoca obrigatoriamente na sala de aula, ao mesmo tempo, conhecimento de todos os tipos”. Esse aspecto heterogêneo da leitura, ou da relação com os textos, de modo geral, pode ser o gerador dessa difusão inerente ao ato de ler que se instituiu na aula de língua materna. Talvez, resulte daí o fato de não haver uma busca por se especificar o que seja uma aula de leitura no Ensino Médio, por exemplo. Afinal, ela está implícita nas – assim denominadas por muitos professores – aulas de interpretação de textos; é auxiliar constante nos conteúdos gramaticais; serve como alimentador temático natural da produção de textos; é fonte primária do reconhecimento das fases literárias. Assim, aparenta ser desnecessária a busca por um reconhecimento dos possíveis elementos em uma aula de ensino- aprendizagem de leitura.

Ora, se não é mais possível negar a presença constante dos textos em sala de aula, nas diferentes abordagens comumente adotadas na escola atual, parece- nos incoerente prescindir de refletir a respeito da maneira como lidamos com eles. Ler, nas aulas de Língua Portuguesa (enfocando, nesta pesquisa, o Ensino Médio), não pode ser uma tarefa tão óbvia que dispense maior detalhamento.

Embora não tenha a pretensão de apresentar respostas definitivas a elas, esta pesquisa procurou trazer à tona algumas possibilidades de reflexão em torno do tema. O intuito foi de tentar articular um encontro entre as dúvidas suscitadas por

nossas práticas de sala de aula com os conhecimentos que a Lingüística Aplicada – ancorada na concepção dialógica bakhtiniana - pode apresentar como proposta de solução, tomando como norte as concepções de pesquisa-ação e de Elaboração Didática (ED).

Para buscar o entendimento do que seja a ED, é preciso situá-la a partir de seu conceito gerador: o de transposição didática (TD). Petitjean (1998, p. 2) aponta que, para Chevallard, a “transposição didática designa a passagem do conhecimento científico para o conhecimento ensinado”. Chevallard também é reconhecido como o “responsável pela substituição da relação professor/ aprendiz, teorizada pelas ciências da educação, pelo esquema triangular (o sistema didático) que possui três pólos: o conhecimento, o aluno e o professor” (PETITJEAN, 1998, p. 1).

Essa definição de um triângulo - no qual há um movimento de deslocamento do conhecimento, através do professor, até o aluno - tem sido de grande importância nos estudos didáticos, em especial na França, conforme Petitjean (1998, p. 18): “O conceito da TD foi rapidamente assimilado por numerosos didatas que fizeram adaptações nas suas especificidades disciplinares”.

Assim, embora a noção de TD tenha sua importância garantida no aspecto didático do que se propôs essa pesquisa, ela parece não contemplar a questão da maneira mais adequada pelo seu caráter redutor, conforme Halté (1998, p. 1, grifo do autor) vai especificar: “Pouco a pouco, o pólo ‘conhecimento’ do famoso triângulo – o professor, o conhecimento, o aluno e suas relações – concentrou toda a atenção sobre si”.

Petitjean (1998, p. 18), ao fazer uma análise das críticas acerca da maneira como tem sido abordada, na prática, a transposição didática, apresenta algumas

reflexões pertinentes aqui. Segundo ele, de modo geral, dois aspectos são questionados: a visão redutora dos conhecimentos escolares e o modo restrito com que se define o ato de transposição.

Ao fazer um levantamento desses questionamentos, Petitjean demonstra como vários pesquisadores, apesar de reconhecerem a importância da TD, “contestam uma concepção e um tratamento parcialmente redutor dos conhecimentos escolares” (PETITJEAN, 1998, p. 18). Não parece caber, nesse momento, um detalhamento pormenorizado do que se criticou, porém, duas observações pontuadas por ele podem contribuir para enfatizar o que pretendemos nesse trabalho.

A primeira delas refere-se à pesquisa-ação:

No trabalho de Chevallard há um predomínio de um tratamento epistemológico dos conhecimentos escolares [...] em detrimento de uma análise social [...] e de uma abordagem praxiológica. Assim, fica claro que Chevallard não tem uma grande estima teórica pela pesquisa-ação [...] e subestima o papel dos professores na sala de aula, na medida em que, para ele, a TD está terminada quando a aula começa. (PETITJEAN, 1998, p. 18)

A segunda reflexão emerge quando, ao questionar a importância que a TD teria no ensino do francês, Petitjean (1998, p. 21) aponta o caminho da ED, por julgar que, nessa disciplina (francês), mais do que fazer a transposição do conhecimento científico para o conhecimento escolar, seria necessário “convocar um pluralidade de conhecimentos de referência que precisa ser selecionada, integrada, operacionalizada e solidarizada”.

Chegamos, então, ao modo através do qual se tentou fazer a aproximação entre os fundamentos teóricos bakhtinianos e a preparação e desenvolvimento de aulas de leitura.

A noção de ED, conforme a proposição feita por Halté, não pretende se constituir como uma alternativa à TD, mas como uma didática que não se concentre, especialmente, no pólo do conhecimento. Tomando como ponto de partida o triângulo que a TD postula, a elaboração didática vai tentar empreender uma articulação global entre seus pólos constituintes, situada em um projeto didático, cujo “espaço privilegiado é o do sistema didático inteiro” (HALTÉ, 1998, p. 23). Dessa forma, tanto o conhecimento, quanto o professor e o aluno assumem papéis atuantes na dinâmica escolar.

Além disso, é fundamental pontuar que, para Halté, um aspecto crítico em relação à maneira como a TD tem sido abordada é o fato de que, “a partir de um processo descendente do conhecimento científico para o conhecimento escolar, ela preconiza o aplicacionismo” (HALTÉ, 1998, p. 22, grifos do autor). A conseqüência negativa, para o autor (e que o faz defender a ED), é que “ela purifica os objetos de ensino ao preço de uma perda de sentido pelos aprendizes [...]” (HALTÉ, 1998, p. 22).

A reunião de todos os participantes de nossa pesquisa, então, pretendeu uma articulação de engajamento e reciprocidade entre os três pólos: o conhecimento, o professor e o aluno. Além disso, buscamos evitar um aplicacionismo que uma transposição dos conceitos bakhtinianos poderia acarretar, numa mera troca de metalinguagens circulantes na escola. E, por conta disso, a opção por um tratamento a partir da concepção de elaboração didática pareceu adequar-se à linha metodológica almejada pela proposta do presente trabalho. Essa posição mostrou- se fundamental na pesquisa, como se descreverá a seguir.