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2 A FORMAÇÃO INTERCULTURAL

2.3 SOBRE A IDEIA DE IDENTIDADE

Junto com as discussões sobre cultura encontram-se também em destaque as relacionadas com identidade. Segundo alguns autores, como Cuche (2002), o termo tem virado moda e grande parte das suas concepções estão fora do âmbito da pesquisa científica. Sua definição, da mesma forma, não se apresenta como uma tarefa fácil de realizar. A intenção no presente trabalho é utilizar alguns conceitos que permitirão dar uma base teórica para efetuar a análise desta pesquisa.

Mota (2004, p. 42) também enfatiza a dificuldade de se chegar a uma definição, observa que:

Quanto ao (...) conceito (...) de identidade, reconheço a dificuldade de conciliar suas múltiplas interpretações, mas ressalto aqui os valores de pertencimento e interação social; nesse sentido, retomo a colocação de Weeks, citado em Cavalcante (2001, p. 107), que define “identidade” como “aquilo que temos em comum com algumas pessoas e o que nos diferencia de outras. É uma mescla de posicionamento individual com relações sociais (...) Cada um de nós vive uma variedade de identidades potencialmente contraditórias”.

Desta forma, fica evidente que se trata de um conceito de difícil apreensão e que tentar entender sua essência significa compreender a existência de uma identidade cultural coletiva, vinculada a diferentes identidades individuais. Neste sentido, Woodward (2000, p. 38) apud Mota (2004, p. 42) afirma que:

Por um lado, a identidade é vista como tendo algum “núcleo essencial” que distinguiria um grupo de outro. Por outro, a identidade é vista como “contingente”; isto é, como o produto de uma intersecção de diferentes componentes, de discursos políticos e culturais.

Devido à sua importância, este tema vem sendo discutido no âmbito da LA, mais especificamente, no âmbito do ensino de idiomas, onde se trabalha com discurso. A discussão sobre identidades deve levar em consideração as particularidades dos agentes envolvidos. Moita Lopes (2003, p. 19) afirma que:

Na área dos estudos lingüísticos (...) a temática das identidades surge em meio a uma concepção de linguagem como discurso, ou seja, uma concepção que coloca como central o fato de que todo uso da linguagem envolve ação humana em um contexto interacional específico (...) é impossível pensar o discurso sem focalizar os sujeitos envolvidos em um contexto de produção: todo discurso provém de alguém que tem suas marcas identitárias específicas que o localizam na vida social e que o posicionam no discurso de um modo singular assim como seus interlocutores.

Com esta afirmação de Moita Lopes, pode-se entender a importância do trabalho com identidade dentro da área da linguagem. Tenha-se em conta que sendo o discurso um processo de construção social, os integrantes da sociedade são os construtores de uma realidade social na que se desenvolvem e ao mesmo tempo os define.

Nesta época, chamada de pós-modernidade, as mudanças em escala global têm afetado as diferentes culturas locais. Nesse sentido, Hall (2011) afirma que as identidades culturais têm mudado, afetadas pela globalização. Este processo transnacional de integração econômica, social e cultural mudou radicalmente as sociedades tradicionais, caracterizadas pelos costumes locais para sociedades novas que estão em interconexão com outros lugares do globo. Desta forma, as identidades se encontram fragmentadas pelo que o sujeito possui várias identidades. Desta forma, o sujeito não pertence a apenas um grupo identitário que o define e o diferencia senão que participa de várias instâncias nas que exerce sua identidade. Alguns dos questionamentos relacionados com identidade e que Hall levanta, dizem respeito ao lugar de enunciação do sujeito e às temáticas do seu discurso.

Para ampliar o conhecimento das mudanças ocorridas no entendimento da identidade, gostaria de trazer à discussão um pequeno histórico que segue o exposto por um dos principais pesquisadores dos estudos culturais. Na sua obra Sin garantias: trayectorias y

problemáticas en estudios culturales (2010), Hall afirma que foram quatro grandes

descentramentos na vida intelectual e no pensamento ocidental que ajudaram a desestabilizar a identidade. Primeiramente, se refere à ideia Marxista de que existem questões nas quais o sujeito não pode atuar desde sua individualidade pois, por ser parte dos discursos e práticas nas quais se vê envolvido, está em constante relação dialética ou dialógica com o que já está constituído e o que está se preparando para o futuro. Como segundo descentralizador da identidade, Hall se refere ao conceito Freudiano de inconsciente. Neste sentido, o fato de reconhecer que dentro do próprio indivíduo existe algo desconhecido ou que não pode ser lido por ele mesmo desestabiliza a própria percepção que tem de si. O sujeito não consegue conhecer sua própria identidade através da suas práticas e discursos, pois ele também está formado por uma relação complexa com a vida inconsciente. Outro descentralizador, para o autor, é o conceito saussuriano de língua, segundo o qual a fala, isto é o discurso, está situado dentro das relações da língua. Ou seja, para dizer algo novo, devemos reafirmar elementos do passado, conceitos e significados, que estão inscritos nas palavras que utilizamos. Finalmente, o quarto descentralizador é a relativização do mundo ocidental. Este fator de descentramento vem, de alguma forma, da compreensão dos outros fatores: o questionamento da verdade, do passado, do interior e da compreensão da modernidade como algo problemático.

Além da multiplicidade das identidades, outra característica que considero importante ressaltar é a diferenciação entre cultura e identidade cultural. A este respeito, Cuche (2002) afirma que estes dois conceitos não devem ser confundidos, apesar de terem ligação. Ainda afirma que:

Em última instância a cultura pode existir sem consciência de identidade, ao passo que as estratégias de identidade podem manipular e até modificar uma cultura que não terá então quase nada em comum com o que ela era anteriormente. A cultura depende em grande parte de processos inconscientes. A identidade remete a uma norma de vinculação, necessariamente consciente, baseada em oposições simbólicas.

Este conceito se apresenta como de grande importância para os fins desta pesquisa. Pensar em cultura, como forma inconsciente de vinculação me faz pensar nas características que moldam práticas sociais e das quais não existe uma escolha por parte do indivíduo e que se encontram presentes nas relações sociais de forma generalizada. Por outro lado, a identidade cultural, como vinculação necessariamente consciente, se relaciona com a escolha, com o contraste, com ser de uma forma e não de outra. Especialmente na atualidade, onde globalização e acúmulo de informação midiática influenciam culturas locais, esta diferenciação permitirá entender ou inferir de forma mais correta o porquê da existência de determinadas características dentro de bens culturais.

Neste panorama, Hall (2011), dá especial importância à identidade nacional. O autor afirma que essa identidade não se encontra inscrita nos nossos genes, porém, ela é interpretada como parte da própria natureza. Este fato particular é pertinente no ensino de idiomas, especialmente se levarmos em consideração que a primeira barreira que se levanta entre a língua de destino e o estudante é o fato dela ser estrangeira. No decorrer dos encontros, o educador tem contato direto com os estudantes e será ele quem, através de diferentes meios, legitimará alguns dos sentidos que os temas abordados na sala de aula apresentem e terá a possibilidade de desconstruir ou reforçar os estereótipos.

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