• Nenhum resultado encontrado

2 A FORMAÇÃO INTERCULTURAL

2.4 SOBRE INTERCULTURALIDADE

De acordo com Mendes (2010, p. 57) “as discussões de caráter cultural e intercultural emergem como questões importantes na evolução das sociedades, em diferentes domínios, entre eles o da educação”. A autora também faz referência à necessidade de estabelecer uma relação entre língua e cultura que se dirija para o palco do ensino-aprendizagem de línguas. Por tal motivo, através de uma abordagem sensível às culturas envolvidas neste processo de aprendizagem de línguas, pode-se criar esta relação. Para entender abordagem, me valho da definição de Almeida Filho (2007, p.13):

A abordagem de ensinar, por sua vez, se compõe do conjunto de disposições de que o professor dispõe para orientar todas as ações da operação global de ensinar uma língua estrangeira. A operação global de ensino de uma língua estrangeira compreende o planejamento de cursos e suas unidades, a produção ou seleção criteriosa de materiais, a escolha e construção de procedimentos para experienciar a língua-alvo, e as maneiras de avaliar o desempenho dos participantes. A abordagem é uma filosofia de trabalho, um conjunto de pressupostos explicitados, princípios estabilizados ou mesmo crenças intuitivas quanto à natureza da linguagem humana,

de uma língua estrangeira em particular, de aprender e de ensinar línguas, da sala de aula de línguas e de papéis de aluno e de professor de uma outra língua.

Desta forma, uma abordagem intercultural visa criar uma consciência cultural com o objetivo de conseguir a reflexão sobre a própria cultura e com a cultura da língua estudada. Neste sentido García Martínez et alii (2007, p. 90) dizem:

A interculturalidade é definida [...] como o conjunto de processos políticos, sociais, jurídicos e educativos gerados pela interação de culturas em uma relação de intercâmbios recíprocos provocados pela presença, em um mesmo território, de grupos humanos com origens e histórias diferentes. Isso implicará o reconhecimento e entendimento de outras culturas, seu respeito, o aumento da capacidade de comunicação e interação com pessoas culturalmente diferentes e o fomento de atitudes favoráveis à diversidade cultural.31

A interculturalidade, propícia e pertinente à aula de língua estrangeira, visa à comunicação e ao encontro, pois, tal como apontado por García Martínez et alii, o prefixo “inter” denota um desejo de “ir em direção a”, buscando conexão e relação de uma forma recíproca. Nesse contexto, se quebraria o etnocentrismo e as barreiras dos preconceitos e se iniciariam intercâmbios e relações entre culturas, dentro de um âmbito de respeito e aceitação dos valores do outro.

Existem alguns princípios que, a priori, devem estar presentes no ensino-aprendizagem de uma língua-cultura e que, segundo Kramsch (apud MENDES, 2007, p. 124), fundamentam este processo:

a) A criação de uma esfera de interculturalidade que deve ser construída criando

vínculos relacionais entre as culturas de forma recíproca.

b) Ensinar a cultura como um processo interpessoal onde não interessa absorver

fórmulas fixas para o uso da linguagem.

c) Valorização das diferenças e o questionamento das identidades nacionais com

especial atenção a outros fatores como idade, gênero, classe social, etc.

Finalmente, a interdisciplinaridade é apresentada como último princípio e teria o objetivo de ampliar a visão do professor de línguas que deverá incorporar elementos de outras disciplinas como a antropologia, literatura, sociologia etc. Estes intercâmbios não são, por momentos, fáceis de promover, pois se apresentam resistências, porém, de acordo com Holliday apud Mendes (2007), deve-se criar uma metodologia apropriada e culturalmente

31 Tradução minha de “La interculturalidad es definida [...] como el conjunto de procesos políticos,

sociales, jurídicos y educativos generados por la interacción de culturas en una relación de intercambios recíprocos provocados por la presencia, en un mismo territorio, de grupos humanos con orígenes e historias diferentes. Ello implicará el reconocimiento y comprensión de otras culturas, su respeto, el aumento de la capacidad de comunicación e interacción con personas culturalmente diferentes y el fomento de actitudes favorables a la diversidad cultural”.

sensível à sala de aula, considerando esse âmbito como um universo particular e um ambiente informal de pesquisa.

Proponho a definição da Profa. Dra. Maria Nilse Schneider da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL):

Nessa abordagem, aspectos das pesquisas sobre a recepção (por exemplo, compreensão de textos literários a partir da perspectiva estrangeira), e os processos de compreensão sobre a cultura-alvo exercem um papel central, visto que esta, em geral, é apresentada através da mídia (textos, televisão, vídeo, internet, etc.). Aspectos da linguística do texto (estrutura do texto, conectores, contexto, etc.) também ganham um peso especial no ensino de línguas. Uma análise linguística de texto consiste em apresentar e descrever a construção gramatical e semântica, bem como a função comunicativa de textos concretos. Através do uso de textos podemos apelar para a imaginação do aluno, levá-lo a refletir sobre as diferenças e semelhanças interculturais e promover a aprendizagem intercultural. Esta deve despertar o interesse sobre a vida e os diferentes sistemas de valores e interpretações do mundo do outro, e levar-nos a perceber as diferenças culturais na própria cultura. (SCHNEIDER, 2010).

Esta definição permite enxergar uma forma de ensino de idiomas bem diferente de propostas que visam apenas ao aprendizado de estruturas ou léxico de forma descontextualizada. Estas propostas podem encontrar-se em materiais mais antigos que se baseavam na ideia de que conhecendo as lexias equivalentes entre o espanhol e o português se poderia dominar as duas línguas. Este tipo de livro didático abordava, basicamente, textos literários e concebia a aprendizagem desde a leitura de textos eruditos. Não se estabelecia interação com os textos nem se buscava significados, semelhanças ou outros enlaces que permitissem um diálogo com a realidade do estudante.

Tendo em conta a orientação dada pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB, 1996), plasmada também nos PCN de que as línguas estrangeiras “[...] assumem a condição de serem parte indissolúvel do conjunto de conhecimentos essenciais que permitem ao estudante aproximar-se de várias culturas e, consequentemente, propiciam sua integração num mundo globalizado” (PCN, 2000), observa-se que é necessária uma formação do futuro professor de línguas que supere antigos paradigmas e que incorpore um modelo de abordagem intercultural como um fator de integração.

Não são poucos os motivos que justificam este tipo de direcionamentos. Observa-se, por exemplo, que os rumos da LA vêm marcando uma necessidade de ir ao encontro do sujeito e das suas características. Em relação ao sujeito, Moita Lopes (2006, p. 23) afirma que “tradicionalmente o descorporificavam no interesse de apagar sua história, sua classe social, seu gênero, seu desejo sexual, sua raça, sua etnia, etc.”. Hoje precisamos resgatar essa alteridade, essa diferença visando a realizar práticas educativas que promovam diálogos culturais como ponto de partida para discussões sobre o indivíduo e sua problemática nesta

época entendida como pós-moderna. Desta forma a identificação de valores culturais ainda apagados por setores que procuram a perpetração das diferenças ou que perseguem interesses hegemônicos se torna não apenas importante, mas sim necessária. Este trabalho visa a identificar esses traços nas produções artísticas de autores de HQ argentinos com o intuito de discutir esses conteúdos como veiculadores dessa diferença que interessa aos fins de uma educação de índole intercultural.

Documentos relacionados