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SOBRE A OBRA

No documento lucassalesfurtado (páginas 69-71)

Ela foi publicada em duas partes, a primeira intitulada de El gaucho Martin Fierro e a segunda parte chamada La vuelta de Martin Fierro, sendo lançadas no ano de 1872 e 1879138, respectivamente. Posteriormente, em edições futuras, passou a ser ditada como um livro único. É importante ressaltar que, apesar da obra ter sido publicada em duas partes, temos que considerá-las como inseparáveis complementares.

Na primeira edição da obra, Hernández inclui alguns paratextos139 (cerca de três epígrafes) que são indispensáveis para o entendimento e compreensão do poema. Como afirma Martín Prieto, "os paratextos são incidíveis do poema, formando um conjunto que contribui para tomar mais preciso o sentido da obra e a configuração do personagem principal"140

Em aspectos gerais e estruturais, a Ida se trata de um poema escrito em total de dois mil trezentos e dezesseis versos sendo composto por treze cantos. Já a segunda parte, A Volta, é cerca de o dobro do tamanho da Ida, com o total de quatro mil e oitocentos e noventa e quatro versos e cerca de trinta e três cantos. Para o período, José Hernández apresentou uma composição poética que consistia em uma miscelânea do estilo gauchesco, que já vimos anteriormente, com sua própria mestria como poeta.141 E também uma inovação, pelo fato de abandonar o uso da norma culta. Segue também uma linha de raciocínio semelhante a outras obras da literatura gauchesca em que temos uma narrativa na primeira pessoa; certa estilização da vida rural da classe baixa e uma linguagem repleta de ruralismos

Pouco tempo após a sua publicação, em uma carta escrita para o editor do poema, Hernández elucida um esforço de:

138 LisanaBertussi afirma que no início tivemos cinco edições em português, e a primeira bilíngüe,

reunindo as duas obras que foi traduzida por Joao Otávio Nogueira Leiria e editada por Martins Livreiro no ano de 1987, com o título de Martin Fierro. Ver em BERTUSSI, Lisana. Martin Fierro: o anti-herói gauchesco da literatura do Prata. Curitiba: Congresso Internacional da ABRALIC, 2011

139 Pode ser entendido como textos que possuem a Hernández inclui o discurso do senador Nicasio

Oroño; uma notícia publicada no jornal La Nación no mês de novembro.

140PRIETO, Martín. Op. Cit. p. 56 141

Apresentar um tipo que personificasse o caráter de nossos gaúchos, [concentrando] em sua maneira de ser, sentir, pensar e expressar tudo que lhes é peculiar; dotando-o de todos os jogos de sua imaginação cheia de imagens e de colorido, com todos os arroubos de sua altivez, excessivos até o crime, e com todos os impulsos e arrebatamentos, filhos de uma natureza que não poli u nem suavizou sua educação. 142

Com relação a sua escrita, temos um poeta se propondo, através de sua obra, a divulgar e retratar os horrores e os absurdos que os gaúchos estavam sendo submetidos nas regiões das fronteiras. Dessa forma, Hernández buscava com seu poema melhorar as condições sociais dos mesmos. Em uma carta, o autor afirma que:

Não é apenas uma questão de detalhes de boa administração, mas penetra profundamente organização definitiva e nos destinos futuros da sociedade [...] o gaúcho tem que ser cidadão e não paria; deve ter deveres e também direitos, e sua cultura deve melhorar sua condição.143

Neste fragmento retirado de uma carta que o próprio Hernández escreveu para os editores do seu poema, podemos perceber que, diferentemente de outros intelectuais144 o autor considera o gaúcho como parte integrante da sociedade argentina, afinal ele teria "deveres e também direitos" como um autêntico cidadão argentino.

Como já se pode deduzir do título da obra advém do gaúcho que é o protagonista da narrativa apresentada por Hernández, Martín Fierro. Outro fato que imediatamente percebemos é que esta obra se mostra como uma denúncia sendo dividida em três perspectivas: sociopolítica, econômica e ideológica. Porém, antes de entrarmos propriamente em como essa denúncia é apresentada, temos que compreender quem é o leitor de Martín Fierro.

Entrando na análise da narrativa apresentada por Hernández em Martin Fierro percebe-se, principalmente na segunda parte (a volta), um retorno do sentido do "gaucho delinquente". No entanto, o autor não tem a intenção de reforçar este estereótipo negativo, mas sim de realizar uma denúncia de que essa definição pejorativa ainda permanece ligada a figura do gaúcho. Aqui ele não é apresentado como soldado, e sim como um trabalhador, como um homem argentino.

Podemos fazer um paralelo entre a situação histórica da população gauchesca argentina e a poesia escrita por Hernández. Ambos tiveram uma grande virada, tanto no âmbito social quanto na valorização da literatura, respectivamente.

142USSICH, Antonio. Antología de la Poesia Gauchesca. Buenos Aires. pp. 1375-1376 143HERNANDEZ, José. Carta do Sr. Hernández. Buenos Aires: 2001. p. 87-88. 144

É importante ressaltar que, apesar das obras A Ida e A Volta terem sido escritas pelo mesmo autor, elas se diferem muito em si com relação a suas ideologias, apesar de serem interconectadas e complementares. Esse fator pode ser justificado com base em contextos históricos distintos das respectivas publicações.

Em 1872, que é o ano de publicação da Ida, temos o unitarista Domingo Sarmiento no poder (quarto ano de sua presidência). Hernández já possuía uma posição política diferente sendo um federalista assumido. Apesar de ter uma visão oposta à do governo vigente, o autor não escreveu sua obra como um panfleto político, mas como um poema de denúncia social.

O seu posicionamento a respeito dos gaúchos se chocava diretamente com a proposta de Sarmiento. Hernández era favorável da defesa e proteção dos gaúchos. Já Sarmiento, em seu mandato como presidente, sempre procurou usá-los somente como arma de guerra contra os povos indígenas. É importante ressaltar que temos o Sarmiento autor" e o "Sarmiento presidente". Dessa forma, as críticas de Hernández incidem, principalmente, neste último.

Apesar de Hernández valorizar e dar voz ao gaúcho através da figura de Martín Fierro, ele reconhece que essa classe também possui aspectos negativos, porém, sem ridicularizar como outros autores fizeram. As suas imperfeições, a meu ver, acarretadas pela falta de um processo educativo que era quase inexistente nas províncias. Para o autor, essa lacuna seria a justificativa pela ausência de "civilidade” dos povos gaúchos. Sarmiento, por exemplo, argumentava que a civilidade estava presente apenas na capital de Buenos Aires. Segundo o autor, o dever do soldado, que seria a luta pela libertação da sua pátria, aproximaria Facundo e todos os demais gaúchos para mais perto da sociedade "civilizada"

No documento lucassalesfurtado (páginas 69-71)