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2 FRAGMENTOS DE UMA VIDA IMANENTE: QUE FORÇAS AS CRIANÇAS

2.1 SOBRE ALGUNS CONTEXTOS DA PESQUISA

Vale a pena contextualizar os processos de formação continuada vividos nas muitas escolas de Cariacica nas quais realizei muitas conversas com os professores da educação infantil, os quais agenciaram estas escritas, precipitando-me num devir minoritário, refazendo os rumos desta pesquisa. Quero ressaltar a importância de ter participado nos/dos processos de formação continuada e aproveitar para agradecer aos amigos e amigas que fizeram o convite dizendo ao seu modo: “Angela, tem que

ser 0800. Pode ser?”. Falando espinozamente, foram bons encontros, surtiram

efeitos, saí transformada. Preciso esclarecer, no entanto, que a minha participação nesses processos não se limitou ao CMEI “Larissa Pereira”, escola que abriu suas portas para nos receber durante os meses letivos do ano de 2011, período de realização da pesquisa.

Em virtude de um calendário de formação continuada aprovado pela secretaria municipal de educação, que garante, em média, dez encontros anuais para a formação, pude entrar em contato com as múltiplas redes de saberes e fazeres desses professores. Alguns desses fios me fizeram pensar a forma de escrita deste texto: Para quem estou escrevendo? Como a escola entra na academia por meio desta escrita?

Figura 2 – Formação continuada. Fonte: imagem produzida pela escola.

A minha participação e meu envolvimento nos processos de formação continuada nas escolas, potencializados por meio de muitas conversas, debates e embates engendrados com e a partir dos “dados” produzidos em pesquisa no CMEI “Larissa Pereira”, provocaram mudanças na abordagem em virtude de algumas ideias que não se sustentaram diante das argumentações, das redes de sentidos produzidas pelas professoras, enquanto que outras se reforçaram. Como exemplo, a declaração de uma professora: “O que me parece interessante nesta pesquisa é que percebo o

quanto são críticas as crianças, elas observam coisas que a gente nem imagina. Elas me surpreenderam”. Já outra professora, diante das narrativas das crianças,

estranhou-se: “Engraçado, estas não se parecem com as nossas crianças. São elas

Só nos damos conta da complexidade do pensamento das crianças quando nos aproximamos de suas redes de sentidos, colocando-nos a pensar e a conversar com elas. Nesse instante, quando esta abertura acontece, as redes de controle se enfraquecem, ficam balançadas, sem sustentação, porque, a partir desta escuta atenta ao que as crianças nos dizem, vemos emergir os processos de negociação diante das divergências dos pontos de vista sobre as coisas e os acontecimentos. O que nos impede de nos colocarmos em conversação com as crianças? Por que nos surpreendemos ainda com o que elas nos dizem?

Figura 3 – Redes de saberes-fazeres tecidas em meio a brincadeiras e conversas. Fonte: imagem produzida pela escola.

Diante da avaliação das crianças que pediam ao professor que organizasse a sala de aula em forma de rodinha, para que pudessem conversar mais de perto e fazer junto com os colegas as atividades propostas, uma professora se justifica, dizendo que faz rodinha, sim, mas não com muita frequência, pois ela precisa manter a organização, a ordem... "Senão, a sala vira uma bagunça geral; imagina, você ter que controlar mais de 25 crianças?" Talvez, por intuição, as crianças percebam o quanto as rodas de conversas, os agrupamentos, as misturas de crianças “minimizam” as relações de poder, colocando em jogo relações mais solidárias, mais democráticas (com chaves diferentes das modernas), lançando mão de outros saberes, quem sabe menos competitivos, menos individualistas, menos fascistas.

Por outro lado, as professoras alegaram também a necessidade de mostrarem os resultados dos trabalhos desenvolvidos com as crianças até para se garantirem no emprego – quem trabalha com o currículo para sobreviver precisa ser organizada, fazer chamada todos os dias, registrar os avanços das crianças, se estão lendo, em qual fase da leitura e da escrita se encontram e como mediar tais processos. Faz parte.

Ao ver os cadernos das crianças da turma da professora Jolita, pude perceber o quanto é organizada! Todas as atividades são coladas no caderno, inclusive as das crianças que faltaram, com data e outras informações. Toda essa organização, entre outras coisas, segundo a professora, revela sua preocupação com aquelas crianças que não frequentam assiduamente e que, por consequência, não conseguem um bom resultado, além daquelas que são “desinteressadas” e que não gostam de fazer as atividades – ela mostrou uns cadernos em branco. Geralmente, nesses casos, a pedagoga, ao tomar conhecimento, procura saber os motivos junto à família, fazendo os encaminhamentos necessários, inclusive para psicólogos, na tentativa de resolver os problemas.

Nesse debate, dando sequência a mesma perspectiva do acompanhamento sobre a vida escolar das crianças, uma professora questionou o motivo pelo qual a vaga de uma criança de sua sala, faltando há mais de dois meses, ainda não havia sido liberada para outra criança, considerando a enorme lista de espera existente na escola devido a muitas crianças encontrarem-se fora da escola, aguardando uma vaga. Ficou claro, nesse debate, a preocupação da professora com a quantidade de crianças que ficam fora da escola e o que isso significa num contexto de carência material daquela região de Cariacica, bem como do quanto a escola pode fazer diferença na vida daquelas crianças.

De acordo com a pedagoga, a falta da referida criança foi justificada e a escola pode segurar a vaga, sim. No entanto, o problema da criança não se referia à doença – motivo questionado pela professora. Numa outra escola, onde também participei do processo de formação continuada, essa mesma discussão também apareceu e a norma era outra. Faltas sem justificativa implicam a perda da vaga, exceção aberta

somente em casos de doença mediante a apresentação do atestado médico. Como pude perceber, há variadas formas de lidar com os problemas surgidos na escola e isso acontece fundamentado em documentos oficiais que dizem o que deve ser feito, quais os procedimentos e as normas. Essa situação não coloca em questão a validade dos documentos, mas, sim, a variação dos pontos de vista sobre os acontecimentos e a forma que cada escola encontra para lidar com suas questões.

A necessidade do acompanhamento está colocada como uma condição de sobrevivência na/da escola tal como foi criada, no seio da ciência moderna, por meio dos seus mecanismos hegemônicos. Para mim que faço pesquisa com o cotidiano, esses mecanismos de controle me dizem muita coisa a respeito das redes educativas engendradas em meio a múltiplos sentidos tecidos pelos professores e pelas crianças dentrofora (ALVES, 2010) da escola. Digo isso porque me interessa conhecer outras lógicas em funcionamento, existentes no mesmo espaço-tempo, que contam com outros modos de ser, fazer e pensar diferentes. Como afirma Certeau (1994), os fazeres são exercidos por meio de uma arte, ou seja, introduzem novos sentidos para aquilo que está construído. Nesse sentido, cabe-me falar em criações curriculares que trazem à cena do debate educacional questões fundamentais as quais, frequentemente, ficam restritas às escolas, uma vez que surgem das intrincadas e complexas redes do cotidiano. (FERRAÇO, 2005).

2.2 CONTEXTUALIZANDO AS REDES QUE NOS LEVARAM À ESCOLHA DO