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5 METODOLOGIA

5.5 SOBRE A ANÁLISE DOS DADOS

Tendo em vista os propósitos que se pretende atingir com a análise do discurso, realizamos uma análise qualitativa de todas as informações reunidas ao longo da presente pesquisa. Todas as entrevistas foram transcritas de forma literal, preservando o modo de falar de cada participante. Todas as falas e perguntas da entrevistadora também foram transcritas integralmente (POTTER E WETHERELL, 1987). Essa busca por mostrar as distintas vozes presentes nas entrevistas em interação, evidencia o aspecto polifônico do campo e traz a alteridade como seu fundamento, evidenciando possíveis tensões, conflitos e desencaixes. Para Souza e Carvalho (2016), "É através da alteridade que é possível fazer falar25o

interlocutor da pesquisa no texto – o que não corresponde a dar a voz, mas a dar espaço para a voz –, naquilo que ele enuncia a partir do seu lugar" (p.105).

As entrevistas realizadas e todos os documentos coletados receberam o mesmo tratamento analítico, sendo separados por temas distintos, mas não diferenciadas ou analisadas separadamente. Nosso objetivo ao longo das análises não foi questionar a qualidade técnica do trabalho desenvolvido pelos profissionais ou mesmo estabelecer parâmetros de comparação entre os serviços pesquisados. Esperamos com a variedade do material produzido mapear a multiplicidade das discussões sobre risco, no contexto da gestão de emergências e desastres, assim como os efeitos que esses discursos produzem sobre os usuários e os profissionais no contexto do SINPDE.

Para Minayo (2012), ordenar o material encontrado no campo e "impregnar-se" dele na tentativa de compreendê-lo são movimentos fundamentais para uma análise qualitativa. O processo denominado pela autora como tipificação tambémfoi fundamental para o presente estudo, consistindo em organizar os dados em uma dada ordem, recortá-los e agrupá-los conforme critérios de classificação, tais processos são seguidos por novas leituras e, caso se julgue necessário, reestruturação dos critérios de classificação.

Gill (2002) salienta também que na análise do discurso a ordenação dos dados não busca apenas examinar as regularidades do texto, a busca por variabilidade torna a análise bastante rica, tais movimentos são seguidos pela criação de hipóteses que podem ser confirmadas ou refutadas ao longo do processo analítico. Nesse sentido, à medida que os discursos foram sendo lidos,fomos buscando neles caminhos organizativos que nos auxiliassem a compreendê-los e a responder as nossas questões de pesquisa.

Após sucessivas leituras, decidimos organizar os textos em algumas categorias de análise, conforme é possível observar nos quadros 3 e 4, a seguir.

Quadro 3: esquema de categorização para entrevistas com usuários(as)

Temática centrais Categoria de Análise

Risco Definições de Risco

O viver nas comunidades Efeitos dos discursos sobre Risco Posicionamentos Reflexivos Posicionamentos interativos Auxílio-moradia Redes de apoio Futuro

Quadro 4: Esquema de categorização para entrevistas com os(as) profissionais e para os documentos.

Após a categorização ilustrada nos quadros 3 e 4, realizamos novas leituras para categorizar todo o material discursivo, inclusive os documentos. Passado esse processo, construímos um quadro para categoria de análise, esse movimento permitiu a visualização, em um único quadro, de todos os discursos produzidos sobre uma mesma categoria. Devido à grande quantidade de material discursivo compilado, não estarão presentes neste texto todos os quadros analíticos construídos, contudo, apresentaremosa seguir um exemplo para que o leitor possa visualizar os passos do processo analítico.

Quadro 5: exemplo de material categorizado para as análises. Temática centrais Categoria de Análise

Risco Definições de Risco Classificação de Risco Os territórios em risco Efeitos dos discursos sobre Risco Posicionamentos Reflexivos Posicionamentos interativos Auxílio-moradia Intersetorialidade Futuro

Entrevistado(a) T.C.: Risco/C. A.: Definições de Risco P16MS5 -

Bombeiro Militar

Juliana – E assim, se eu fosse perguntar, baseada nas suas experiências gerais de defesa civil, para o senhor o que é risco? Entrevistado–Risco a gente pode ter uma definição teórica e que é ameaça às vezes a... Risco é a ameaça vezes, esquecia fórmula (risos). Então, vamos falar o meu conceito realmente de risco(...)(p.13)

P17MS3 - Bombeiro Militar

Entrevistado –A classificação de risco nós observamos quando uma família está residindo em um determinado setor de risco em que sua residência está na crista da barreira ou na área ribeirinha, de acordo com as proximidades da área ribeirinha, do nível das águas, nós classificamos se essa família encontra-se em risco 1, que é o risco baixo, o risco 2 que é o risco médio, o risco 3 que é o risco alto, e o risco 4 que é o risco muito alto. Nas barreiras nós observamos as inclinações e os taludes, que as pessoas durante o verão constrói suas casas irregulares, daí nós observamos se estas famílias fizeram as casas em locais de alto risco, que é o R4, principalmente as famílias que se encontram em cima das encostas, que chama-se “na crista da encosta”, essas que estão bem acima da encosta nós classificamos como R4, que é o risco alto.(p.8)

Após a construção dos quadros para todas as categorias previamente estabelecidas, passamos a novas leituras do material na busca da organização dos discursos e confecção dos textos analíticos. Minayo (2012) salienta ainda que, após sucessivos contatos com nosso material de análise, é comum surgirem nas pesquisas de vertentes qualitativas a necessidade de voltar aos estudos literários na tentativa de compreensão dos temas propostos. Tais movimentos foram realizados durante todo processo de análise, assim como algumas comparações de nossos dados com resultados de estudos realizados por outros pesquisadores, esses movimentos, sempre que possível, foram evidenciados ao longo da escrita das análises.

Conforme explicitamos no capítulo anterior, nossas análises tiveram como referenciais os estudos sobre discurso de Michel Foucault e da Psicologia Discursiva de origem inglesa. A primeira vertente nos auxiliou nas reflexões sobre os macrodiscursos, na busca pelas articulações entre os discursos coletados e seus possíveis diálogos com aspectos históricos e como esses discursos expressam a dinâmica relacional entre saber, verdade e poder (FOUCAULT, 2013 a, 2013b e 2013c).

Sob as orientações da Psicologia Discursiva fomos em busca dos microdiscursos, da linguagem em processo de ação e interação. Destacamos características das formas como os discursos são produzidos, seu caráter performático e os efeitos que podem produzir (KENNETH GERGEN, 1985 e 1999; POTTER E WETHERELL, 1987; DAVIES E HARRÉ, 2001; MICHAEL BILLIG,1991).

Para Potter e Wetherell (1987), compreender os possíveis efeitos produzidos pelos discursos e procurar por suas evidências linguísticas são partes fundamentais de uma análise de discurso produzida nos padrões do construcionismo em Picologia Social. Potter(1998) propõe uma série de padrões, recursos estratégicos, que ao serem identificados nos discursos nos auxiliam a compreender o modo como estes são construídos e possíveis intencionalidades daqueles que os produzem. Ao longo das análises, buscamos identificar e problematizar o modo como esses recursos foram utilizados pelos(as) participantes.

Observamos ainda como os saberes produzidos localmente se conectam e se relacionam com outras vivências e histórias nacionais e globais. Tal processo nos permitiu aproximações entre os macro e microdiscursos que dialogam entre si e auxiliam na construção dos discursos vigentes sobre risco, na Defesa Civil, assim como nas reflexões sobre os efeitos que esses discursos exercem sobre profissionais e usuários da instituição.