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2 O SUJEITO APRENDIZ E SUAS DIFICULDADES

2.3 SOBRE O APRENDER E O NÃO APRENDER

Segundo Cordié (1996), para haver aprendizado é necessário que se tenha desejo. Porém, mesmo com o comando dos pais e da escola para que se deseje aprender, o desejo é próprio de cada sujeito, e, portanto, não é possível que se obrigue alguém a desejar. O aprendizado, então, segundo ela, se dá através do desejo, mas para isso é necessário que o aprender se torne o objeto de desejo.

A autora também traz questões importantes que tomam o aluno. Ela fala que um mal começo escolar pode desencadear no aluno problemas que o inibirão posteriormente, e traz a humilhação, a vergonha que o aluno pode vir a passar como coisas importantes que podem o prejudicar muito. Para isso a mesma cita algumas hipóteses que podem acontecer referentes a este assunto (CORDIÉ, 1996).

Na primeira hipótese a criança não ficaria passiva, e diante da situação de fracasso e exclusão, ela reage por meio de distúrbios de comportamento. Esses comportamentos dizem respeito daqueles alunos que se tornam o “palhaço da turma”, e que por não conseguirem responder a um Ideal de aluno que aprende, tentariam chamar a atenção de outra maneira, buscando prestigio entre os colegas. (CORDIÉ, 1996).

Já numa segunda hipótese a autora fala sobre a aceitação por parte da criança sobre o seu fracasso escolar. A criança seria rotulada como débil, e é provável que passaria por reforços escolares, porém se manteria num estado de “indiferença e de imobilismo”. Este estado de passividade que perdura, segundo Cordié (1996, p. 33), “se torna uma segunda natureza, a criança se habitua a ele, depois se satisfaz com

ele e, por fim, lhe será difícil sair dele”. Ou seja, há por parte da criança uma apropriação do que é dito sobre ela.

E por fim, numa terceira hipótese, tudo se acomodaria, existiria mais flexibilidade no sistema escolar. E neste momento a autora diz o seguinte:

A noção de fracasso não está mais ligada ao tempo, pois o tempo não é mais marcado pelas fatídicas barreiras a vencer (leitura, escrita, etc.). os programas não são mais administrados de forma obsessiva. Ao invés do “poder fazer melhor”, chavão obrigatório do boletim escolar, o destaque é dado às realizações do sujeito. Substituiu-se o temor do malogro pelos encorajamentos para os esforços e os progressos alcançados. (...). Mais liberdade na aprendizagem e menos pressão favorecem a integração da criança ao sistema (p. 33-34).

Ou seja, respeitar o tempo da criança, e suas capacidades de aprendizagem neste primeiro momento, são cruciais para que ela não se limite, acreditando assim não ser capaz de aprender. Não desvalorizar o que a criança sabe, mesmo ela não estando neste momento enquadrada nos padrões escolares pode significar a alavanca para que com o tempo ela consiga trabalhar suas capacidades e seguir bem durante os anos escolares.

A autora também traz uma outra questão, que por sinal está muito presente nas escolas, que seriam as doenças. Neste momento a autora faz referência as crianças que passam a ficar doentes com muita frequência, e que esses sintomas, que não seriam doenças apenas de ordem somática e sim, como ela mesma diz, doenças “verdadeiras”, que seriam detectadas através de exames clínicos, como otites, distúrbios intestinais, etc., e tudo isso poderia estar relacionado com a reação dos pais frente ao fracasso escolar dos filhos (CORDIÉ, 1996).

Quanto a reação dos pais a esse primeiro fracasso dos filhos na escola, a desaprovação, decepção demostrada pelos mesmos, podem fazer com que os filhos encarem essa manifestação como uma retirada de amor. E, portanto, quando estão doentes geram angustias em seus pais, assegurando assim que são amados (CORDIÉ, 1996).

Quanto a indiferença em relação ao fracasso dos filhos, Cordié (1996), apresenta duas questões a se considerar. O primeiro ponto sobre a indiferença a autora fala do desinteresse dos pais pelos resultados do filho, e que desta maneira podem representar para a criança de que lhe falta amor. A autora cita um exemplo de pais separados, onde nenhum cumpre com a função de cobrar do filho uma melhora,

e desta maneira, sendo indiferente ao fracasso escolar do filho, os pais podem estar a impulsionar o mesmo a mais fracassos, fazendo com que ele busque ser enxergado, mesmo que de maneira negativa.

E a outra questão a se considerar sobre a indiferença dos pais seria uma questão mais familiar e sociocultural. Ou seja, diretamente ligada a “falta de investimento intelectual e de projetos de sucesso para seu filho”. Desta maneira a criança não é “de forma alguma perturbada nem culpabilizada por sua situação de fracasso escolar” (CORDIÉ, 1996, pag. 35). O fracasso nesta situação especifica representaria uma adequação da criança para o com o meio em que vive, uma marca de inserção nele.

A atitude dos pais, referente ao não aprender dos filhos, esta falada por Fernandez (1991), diz respeito a questão de identificação da criança. A criança mesmo cobrada pelo aprendizado insatisfatório é comparada com as figuras parentais. Neste momento ela traz um exemplo onde o pai fala “Eu era Igual. Também não aprendia nada na escola”. E dessa maneira, sendo a criança o espelho em que o pai se vê, acaba se legitimando enquanto filho e futuro homem.

Fernandez (1991, p. 44), por sua vez, fala que é preciso “revelar o significado que o aprender tem para o grupo familiar e a criança, assim como o significado atribuído de maneira inconsciente à operação particular que constitui o sintoma no aprender”. Dessa maneira, a autora coloca que o não aprender pode representar alguma funcionalidade para a família em que um dos membros não aprende. Sendo assim, a busca pelo diagnóstico deve estar relacionada ao conjunto em que a criança está inserida, e não diretamente procurada no sintoma que ela apresenta, uma vez que este pode estar entrelaçado a questões conscientes e inconscientes.

Ainda há uma outra questão importante sobre o processo de não aprendizagem, que seria a inibição. Quando o aluno não apresenta nenhuma outra questão referente ao aprender, podendo ser orgânica, familiar ou social, estando num estado onde existe a possibilidade de aprender e isto não acontece, podemos pensar num processo inibitório.

Na inibição, de saída, há um Eu enfraquecido, pois a renúncia realizada requer dele a força da ação inibidora. O Eu, então, não se aventura a entrar em conflito com as demais instâncias, a fim de encontrar uma solução, uma formação de compromisso. A renúncia se põe como a defesa possível, por excelência, promovedora da inibição, dispensando o trabalho de um (novo) recalcamento. A partir (...) desta renúncia, o Eu evita entrar em conflito com

o isso ou com o supereu, e a inibição se dá no âmbito do Eu (HENCKEL e BERLINCK, 2003, p.116).

Para Freud, a inibição está relacionada com o sexual, e se o ato de escrever, de aprender “assume um significado simbólico de coito algo da ordem de uma ação sexual fica proibido. O Eu faz uma renúncia, a fim de não precisar empreender um novo recalcamento e a fim de evitar um conflito com o Isso” (HENCKEL e BERLIMCK, 2003, p. 116). Para não entrar em conflito com o Isso o Eu acaba desistindo da atividade, seja ela qual for .

A inibição aparece frente a uma resistência a angústia de castaração. Para não lidar com a angústia que possui em determinados atos, como a dificuldade de aprender, a criança se colocaria a controlar a angústia, entrando num processo inibitório. Para Henckel e Berlinck (2003, p. 121),

A angústia de castração recebe um outro objeto e uma expressão distorcida (ou seja, ocorre uma formação substitutiva denominada sintoma). Ao mesmo tempo, é justamente essa formação substitutiva do perigo de castração que possibilita o controle sobre o perigo, quando permite evitar ou suspender o desenvolvimento da angústia (denominada inibição).

A inibição seria um mecanismo de defesa, atuando para impidir o sujeito a lidar com as questões da sexualidade e da castração. Desta maneira, quando confrontando com algo gerador de angústia, o sujeito inibe a possibilidade de atuar frente a angútia, e simplesmente bloqueia a possibilidade de enfrentamento.

No processo de aprendizagem, muitas vezes os alunos passam por dificuldades, por vários motivos, sendo eles enquadrados na teoria de Piaget, quanto a maturação, ou então no interacionismo de Vygostky, bem como na dificuldade de vínculo com o professor ou com a escola. Porém, é possivel nos depararmos com questões mais psíquicas a respeito do processo de não aprender, sendo por exemplo a questão de constituição psiquica, identificação familiar ou com as figuras parentais, assim como mecanismos de desfesa, como a inibição, o que acaba influenciando diretamente no processo de ensino-aprendizagem destes alunos.

A complexidade no processo de ensino e aprendizagem se estabelece por múltiplas variáveis, o momento atual nos põe várias questões pois os processos de subjetivação estão atrelados como a nova ordem do mundo que produz sintomas

diversos, que perpassam do individual ao social e que lançam as novas posições de sujeitos nas intituições (grifo nosso).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É muito comum dentro das escolas nos depararmos com queixas referentes ao processo de ensino-aprendizagem, onde muitas vezes a escola se exime da responsabilidade, apontando apenas a criança, ou então a família que não é participativa.

Também é frequente encontrarmos diferentes tipos de dificuldades referentes ao aprender, e que necessitam em um primeiro momento uma avaliação mais profunda para a análise de que lugar provém.

Quando se fala em fracasso escolar, é necessário que se pense individualmete em cada criança que não está conseguindo apreender o conhecimento, sabendo que muitas podem ser as razões para que isto venha a acontecer.

A criança está inserida numa cadeia de significantes, que faz parte de sua constituição. O que é falado sobre aquela criança cria marcas simbólicas que tornam- se parte constituinte da mesma. Quando uma criança é comparada com o pai que não aprende, por exemplo, e tendo o pai como modelo de identificação, a criança pode vir a se apropriar desta fala, onde não se fala mais do pai, e sim dela mesma.

Da mesma maneira que a criança pode inibir o processo de aprendizagem para evitar a angústia, angústia essa que sentiu frente a castração e sobre questões da sexualidade.

No processo de ensino-aprendizagem, também é necessário pensarmos em todas as questões que podem estar implicadas neste não aprender. Na constituição da criança como ser de desejos, é necessário que a criança reconheça na mãe, falhas, buracos, entendendo que a mãe, castrada simbolicamente pelo Outro, não sabe de tudo. Desta maneira, a criança buscaria através do desejo próprio alavancar a sua busca por conhecimento, seguindo o que é de sua vontade.

Da mesma maneira na relação estabelecida entre professor e aluno. É necessário que o aluno reconheça a mestria do professor, como aquele que sabe, porém o professor também precisa conseguir transitar em uma posição terceira, e se mostrar esburacado, para que assim o aluno possa através da imagem do professor, constituir a sua imagem de ser de desejos, e que em algum momento queira ultrapassar o saber do professor.

É angustiante para todos os envolvidos que a criança não tenha nada orgânico, nenhuma debilidade ou atraso mental, que a está impedindo de saber, de

aprender. Porém, cada caso, cada criança precisa ser analisada, bem como todos os laços afetivos e socias em que está inserida. A culpa pelo fracasso da criança tem um peso muito grande, mas não deve ser direcionado a alguém, e sim ser pensado como um conjunto de fatores passíveis de averiguação e muitas vezes de solução.

Apesar de muitas vezes a busca por um laudo que justifique o não aprender é o mais procurado, não podemos pensar que todas as crianças podem estar enquadradas em um laudo. Assim como não podemos deixar de averiguar num primeiro momento as questões orgânicas que podem estar impedindo este processo. Desta forma, o olhar na criança como aquela que pode sempre aprender, independente de causas orgânicas ou psíquicas, pode possibilitar um menor número de crianças com fracasso escolar. Segundo as teorias do desenvolvimento trazidas no primeiro capítulo, podemos perceber que independente de qual delas julgarmos ser a correta, as duas trazem o desenvolvimento e a aprendizagem interligadas. Desta maneira, se há desenvimento é por que há coisas que estão sendo aprendidas em alguma ordem.

O olhar individualizado em cada criança que está passando por dificuldades na aprendizagem, pode ser muito significativo e alavancar as potencialidades da criança para o aprender.

Portanto, a pesquisa possibilitou a ampliação de conhecimento de um tema tão importante para a sociedade, e também de um momento tão lindo e expressivo na vida de qualquer criança, um momento de passagem, mas que pode não ser apenas coisas boas. Esse momento pode trazer muitas angústias que não dizem apenas das crianças de hoje, mas das crianças que os pais fora um dia, que os professores foram um dia, e que de certa maneira acaba implicando nesse processo tão importante para os dias atuais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOCK, A. M.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. Psicologias – uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo/SP: Saraiva, 1999.

CORDIÉ, A. Os atrasados não existem. Porto Alegre/RS: Artemed, 1996.

FERNANDÉZ, A. A Inteligência Aprisionada - Abordagem Psicopedagógica Clínica da Criança e Sua Família. 1ª Edição. Porto Alegre/RS: Penso, 1991.

GOULART, J. T. Aprendizagem e Não-Aprendizagem - Duas faces de um mesmo Processo. Ijuí/RS: Unijuí, 1996.

HENCKEL, M.; BERLINCK, M. T. Considerações sobre inibição e sintoma: Distinções e articulações para destacar um conceito do outro. Estilos da Clínica. V. VIII, nº 14, p. 114-115. 2003.

ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Rio de janeiro/RJ: Jorge Zahar, 1998.

TEIXEIRA, H. Teoria do Desenvolvimento Cognitivo de Jean Piaget. Disponível em: http://www.helioteixeira.org/ciencias-da-aprendizagem/teoria-do-desenvolvimento- cognitivo-de-jean-piaget/. 8 de dezembro de 2015. Acesso em: 25/07/2017.

TEIXEIRA, H. Teoria do Desenvolvimento Cognitivo de Lev Vygotsky. Disponível em: http://www.helioteixeira.org/ciencias-da-aprendizagem/teoria-do-desenvolvimento- cognitivo-de-lev-vygotsky/. 7 de dezembro de 2015. Acesso em: 25/07/2017.

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