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O aprender e o não aprender: uma análise dos processos implicados no sujeito não aprendiz

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

DHE- Departamento de Humanidades e Educação Curso de Psicologia

O APRENDER E O NÃO APRENDER: UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS IMPLICADOS NO SUJEITO NÃO APRENDIZ

JÉSSICA DAIANE DA SILVA

Santa Rosa/RS 2017

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JÉSSICA DAIANE DA SILVA

O APRENDER E O NÃO APRENDER: UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS IMPLICADOS NO SUJEITO NÃO APRENDIZ

Trabalho de conclusão do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, como requisito parcial à obtenção do título de Psicóloga.

Orientador: Nilson Heidemann

Santa Rosa/RS 2017

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha família, e a todos que incentivaram e respeitaram este momento, auxiliando para que ele se tornasse realidade.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente quero agradecer a Deus, por estar presente em minha vida e proporcionar experiências e conquistas, que sem Sua presença, não teriam sentido.

Aos meus pais, Valdenir e Ivete, pelo amparo e por dividirem comigo responsabilidades que me proporcionaram suportar o caminho até aqui.

Ao Felipe, pelo amor, compreensão e companheirismo.

À minha filha Maria Luiza, pela ternura, beijos e abraços carregados de força para seguir adiante.

Às minhas irmãs Gisele e Geisa, e ao sobrinho Davi, por existirem. Aos meus sogros, pelo apoio e ajuda sempre que precisei.

Aos demais familiares que auxiliaram e apoiaram.

Ao meu Orientador, Professor Nilson Heidemann, que aceitou o desafio de trabalhar o tema aprendizagem e pelos inúmeros construtos que me ajudaram a elucidar e desenvolver este trabalho.

À Professora Betina Beltrame, pela indicação de material bibliográfico para a construção e elaboração do mesmo.

À Professora Sílvia Cristina Segatti Colombo, por aceitar o convite para avaliar esta monografia.

A todos os professores, em especial aos meus supervisores de estágio, Flávia, Elisiane e Simoni, pela transmissão de conhecimento e ajuda na construção de uma postura ética.

A todos os amigos e colegas que de alguma maneira marcaram esta trajetória e a tornaram mais leve.

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“A menos que modifiquemos à nossa maneira de pensar, não seremos capazes de resolver os problemas causados pela forma como nos acostumamos a ver o mundo”

(Albert Einstein).

“O sonho da igualdade só cresce no terreno do respeito pelas diferenças” (Augusto Cury).

“Aprender é a única coisa de que a mente nunca se cansa, nunca tem medo e nunca se arrepende” (Leonardo Da Vinci).

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica, busca compreender a questão da não aprendizagem em nível escolar, devido a inúmeras crianças não apresentarem nenhuma causa orgânica, neurofisiológica para o não aprender, e mesmo assim não conseguirem. Desta maneira, o primeiro capítulo, explica sobre o desenvolvimento como necessário para a apreensão de novos conhecimentos, e como que Jean Piaget e Lev Vygotsky entendem o desenvolvimento, não fazendo um contraponto entre as teorias, mas sim, trazendo os pontos importantes e necessários de cada uma delas para o entendimento de questões entrelaçadas, como a maturação, a importância do meio social, e da escola. No segundo capítulo, levando em consideração crianças que estão em plenas capacidades de aprender, é dado ênfase para outros temas que podem influenciar, positivamente ou negativamente, nas questões de ensino-aprendizagem. Portanto, acreditando ser o desejo o responsável por movimentar e fazer com que a criança aprenda, é explanado a respeito da constituição do sujeito como ser de desejos, bem como a relação transferencial professor-aluno, e o lugar que o professor ocupa frente a aprendizagem do aluno. Ainda, outras questões referentes ao aprender e ao não aprender, como a identificação com o outro, com a família, e com o que é falado a respeito desta criança, como modelo de legitimação de uma identidade, também faz parte deste capítulo, juntamente com a inibição e a angústia.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...7

1 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ...9

1.1 O DESENVOLVIMENTO DENTRO DA PSICOLOGIA ...9

1.2 A TEORIA DE JEAN PIAGET ...11

1.3 A TEORIA DE LEV VYGOTSKY ...16

2 O SUJEITO APRENDIZ E SUAS DIFICULDADES ESCOLARES...22

2.1 O SUJEITO DE DESEJOS – CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA DO SUJEITO ...22

2.2 RELAÇÃO TRANSFERENCIAL PROFESSOR-ALUNO E O LUGAR DO PROFESSOR ...25

2.3 SOBRE O APRENDER E O NÃO APRENDER ...29

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...34

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INTRODUÇÃO

A escolha de pesquisar e escrever sobre determinado tema, diz de uma questão enigmática que precisa ser decifrada. A questão da aprendizagem faz parte da essência do ser humano, entrelaçada com o desenvolvimento e com a possibilidade que todos temos de aprender algo.

A questão da aprendizagem, surgiu para mim durante o estágio de ênfase Educacional, onde através do mesmo pude trabalhar com crianças que não possuíam problemas cognitivos ou orgânicos, porém, encontravam-se num estado de não aprendizagem severo, gerando grandes angústias para as famílias e à escola.

Não compreendendo de que lugar e qual a ordem que provinham as dificuldades e a não aprendizagem destes alunos, foi pensado como projeto de estágio uma maneira de não apenas a compreensão destas dificuldades, mas também uma maneira de estabelecer quais os alunos que se fossem buscados pela escola, poderiam se reencontrar naquele espaço como alunos capazes de aprender.

Eliminando as causas de debilidade, de problemas neurológicos, entre outros provenientes do corpo biológico, se deu a pesquisa para entender como se constrói a aprendizagem. Para isso, alguns teóricos estudaram e desenvolveram ensinamentos utilizados até os dias atuais para explicar as questões do desenvolvimento. Jean Piaget, em sua teoria não exclui o social das questões de desenvolvimento e aprendizagem, porém dá destaque a maturação do organismo como sendo o responsável para isso. Já Lev Vygotsky, acredita ser o social, através de um mediador que propicia o desenvolvimento da criança.

Para tanto, o primeiro capítulo aborda as questões de desenvolvimento, levando em consideração que os autores não escrevem propriamente de aprendizagem, e sim de desenvolvimento, mas que é através do desenvolvimento e da maneira como ele se dá, pela maturação ou pelo social que se alcança novos conhecimentos, ou seja, que se aprende.

Após a compreensão de desenvolvimento, e acreditando que as crianças em ensino regular estão aptas a aprendizagem em nível escolar, surge a questão do porquê de algumas não conseguirem obter êxito neste processo.

Para isto, no segundo capítulo, outras colaborações surgem para ajudar na elucidação e na compreensão deste processo de aprendizagem, que são o desejo da

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criança, e também a transferência estabelecida entre o professor e o aluno, vistas como aspectos essenciais na constituição de um sujeito que aprende.

Entretanto, também aborda-se neste segundo capítulo o porquê destas crianças não estarem aprendendo, podendo ser diferentes questões, entre elas um mal começo no meio escolar, uma questão de identificação com o meio em que vive, ou uma questão de apropriação deste não saber, podendo ser ainda um processo inibitório frente a angústia.

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1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO HUMANO

Para falar em aprendizagem é necessário trabalhar com um outro conceito, sendo este o de desenvolvimento. Para tanto, este capítulo aborda algumas questões referentes ao desenvolvimento da criança, e o que é necessário no ponto de vista orgânico e cognitivo para que ela aprenda e se desenvolva.

Para isto, recorre-se ao trabalho de dois autores para falar sobre o desenvolvimento e sobre a aprendizagem. O primeiro é Jean-Piaget e o segundo é Vygotsky. Apesar de trazerem a nosso conhecimento teorias diferentes, criadas a anos atrás, estas ainda representam as teorias atuais sobre este tema.

1.1 O DESENVOLVIMENTO DENTRO DA PSICOLOGIA

Sobre o estudo do desenvolvimento humano dentro da psicologia, Bock, Furtado e Teixeira (1999), ressaltam a importância desta área, bem como apresentam o que é trabalhado dentro deste estudo. Sobre o desenvolvimento humano, portanto, muitos aspectos são levados em conta, como “fisicomotor, intelectual, afetivo-emocional e social — desde o nascimento até a idade adulta”, onde o grau de “maturação e estabilidade” estaria em sua totalidade (BOCK, FURTADO E TEIXEIRA, 1999, p.127)

Para os autores,

O desenvolvimento humano refere-se ao desenvolvimento mental e ao crescimento orgânico. O desenvolvimento mental é uma construção contínua, que se caracteriza pelo aparecimento gradativo de estruturas mentais. Estas são formas de organização da atividade mental que se vão aperfeiçoando e solidificando até o momento em que todas elas, estando plenamente desenvolvidas, caracterizarão um estado de equilíbrio superior quanto aos aspectos da inteligência, vida afetiva e relações sociais (p. 128).

Desta forma, os autores afirmam que por desenvolvimento humano, entende-se o conjunto do deentende-senvolvimento orgânico e mental, e que conforme esentende-se desenvolvimento mental vai se estabelecendo, as estruturas vão se organizando até o momento em que resultarão num “estado de equilíbrio superior”, relativos aos aspectos citados.

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Sobre as estruturas mentais, algumas podem se estabelecer e permanecer por toda vida, e outras podem ser substituídas, segundo a nova fase em que o indivíduo se encontra. Como exemplo, “a noção de que o objeto existe só quando a criança o vê (...) é substituída, posteriormente, pela capacidade de atribuir ao objeto sua conservação, mesmo quando ele não está presente no seu campo visual” (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 128).

Existem alguns fatores que podem influenciar o desenvolvimento humano, e esses fatores estão entrelaçados. São eles: hereditariedade, crescimento orgânico, maturação neurofisiológica e meio (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999).

Segundo os autores, a hereditariedade, que seria o quanto que o indivíduo é capaz de se desenvolver segundo sua carga genética, está ligado a inteligência, porém dependendo das condições do meio em que se encontra o seu potencial pode ser mais ou menos desenvolvido (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999).

Já o crescimento orgânico diria respeito aos aspectos físicos, ou seja, ao crescimento da criança e ao desenvolvimento de suas capacidades, como primeiramente a incapacidade de sustentar o corpo, após, de sustentar, engatinhar, andar, etc. Isto é, conforme desenvolve-se biologicamente vai sendo capaz de descobrir novas possibilidades (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999).

A maturação neurofisiológica, seria o que possibilitaria a criança a um determinado “padrão de comportamento”, como a capacidade de segurar objetos, como o lápis por exemplo, e a execução de atividades, como comer, pintar, escrever. (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p.130).

Por último, o meio, que seria o “conjunto de influências e estimulações ambientais” que conseguiria modificar os “padrões de comportamento do indivíduo”. Ou seja, o que mais faz parte do ambiente em que a criança está inserida poderá ajudá-la a desenvolver-se melhor em determinada área, por exemplo, pode ser mais desenvolvida que as crianças da sua idade na parte da linguagem, mas menos desenvolvida em sua mobilidade (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 130).

Existem também, segundo Bock, Furtado e Teixeira (1999), quatro aspectos básicos que precisam ser compreendidos quando se fala em desenvolvimento humano, apesar de que o desenvolvimento não deve se restringir a eles.

O primeiro aspecto é o físico-motor que “refere-se ao crescimento orgânico, à maturação neurofisiológica, à capacidade de manipulação de objetos e de exercício do próprio corpo”. O segundo é o aspecto intelectual, dizendo respeito “a capacidade

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de pensamento, raciocínio”. O terceiro, afetivo-emocional, diz do “modo particular de o indivíduo integrar as suas experiências. É o sentir”. Finalizando então com o aspecto social que é “a maneira como o indivíduo reage diante das situações que envolvem outras pessoas” (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 130-131).

Portanto, podemos dizer que estes quatro aspectos são necessários para o desenvolvimento, e de certa maneira acontecem gradualmente, fazendo um enlace com os fatores necessários para o desenvolvimento. Apesar de haver a possibilidade de vislumbrar o desenvolvimento a partir de apenas um, é necessário entender também que eles formam uma rede, estando necessariamente conectados entre si.

Após essas considerações a respeito do desenvolvimento, o próximo subtítulo traz um pouco sobre a teoria Piagetiana, como Piaget pensa o desenvolvimento humano e também a relação com a aprendizagem.

1.2 A TEORIA DE JEAN PIAGET

Jean Piaget (1896 – 1980), foi um dos mais importantes pesquisadores sobre o desenvolvimento e também auxiliou a modificar inúmeros pensamentos a respeito do desenvolvimento humano e de como o mesmo aprende.

Para isso Piaget, através de observação de crianças e também de suas próprias filhas desenvolveu uma teoria, conhecida hoje como teoria piagetiana, onde explica “que sistemas lógicos coerentes fundamentam o pensamento das crianças. Tais sistemas, (...) diferem em espécie dos sistemas lógicos que os adultos usam”. Ou seja, o desenvolvimento da criança depende de uma maturação biológica adquirida por ela em diferentes faixas etárias, e que dentro destas faixas a criança vai desenvolvendo seu pensamento. Quando passa para o próximo estágio, a mesma pensaria de acordo com os aspectos que baseiam este novo estágio (TEIXEIRA, 2015).

Segundo Bock, Furtado e Teixeira (1999), Piaget utilizou um modelo biológico para a construção de suas ideias, onde dizia que “o homem é guiado pela busca do equilíbrio entre as necessidades biológicas fundamentais de sobrevivência”, e a organização desta busca por equilíbrio, seria um “mecanismo que permite ao homem ter condutas eficientes para atender às suas necessidades, isto é, à sua demanda de adaptação” (p.166).

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Teixeira (2015), fala sobre o desenvolvimento relacionado com o equilibrio, sobre a acomodação destas ideias, onde Piaget acreditava que,

(...) o desenvolvimento ocorre em estágios que evoluem pela equilibração, na qual as crianças procuram um balanço (equilíbrio) entre o que encontram em seus ambientes e as estruturas e os processos cognitivos que levam a esse encontro, bem como entre as próprias capacidades cognitivas. A equilibração envolve três processos. Em algumas situações, o modo de pensamento e os esquemas (estruturas mentais) existentes na criança são adequados para enfrentar e adaptar-se aos desafios do ambiente; ela está, assim, em um estado de equilíbrio (TEIXEIRA, 2015).

Ou seja, o momento de equilibração é quando a criança já adquiriu um conhecimento e estaria capacitada a usá-lo sempre que fosse necessário. Esse conhecimento estaria adaptado e organizado para uso dela. Porém no momento em que fosse apresentada a um objeto que ainda não possui registros ou que seus esquemas existentes não são capazes de compreender, surge o desequilíbrio.

Neste momento, seguindo a busca pela restauração deste equilíbrio, seria pela via da assimilação que a criança buscaria adaptar esta nova informação aos esquemas existentes para transforma-los em novos esquemas. Quando não possui esquemas para assimilar a nova informação é criado um novo esquema que acomodaria a mesma (TEIXEIRA, 2015).

Isto é,

O homem, dotado de estruturas biológicas, herda uma forma de funcionamento intelectual, ou seja, uma maneira de interagir com o ambiente que o leva à construção de um conjunto de significados. A interação deste sujeito com o ambiente permitirá a organização desses significados em estruturas cognitivas. Durante a vida, serão vários os modos de organização dos significados, marcando, assim, diferentes estágios de desenvolvimento (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 165-166).

Desta maneira Piaget fez uma divisão dos períodos de desenvolvimento, de acordo com as capacidades e qualidades de pensamento das faixas etárias.

O primeiro período foi chamado por ele de sensório-motor, e a criança permaneceria nele do nascimento até 2 anos. Neste período a vida mental do bebê estaria reduzida aos reflexos, que conforme treino vão se aperfeiçoando. Para ele o desenvolvimento biológico é muito importante e é o que possibilita que a criança descubra novas possibilidades, explore o ambiente (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p.133).

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Outra noção muito importante é desenvolvida em relação a constituição psíquica nesta fase, que é a separação do eu e do exterior.

Se no início o mundo era uma continuação do próprio corpo, os progressos da inteligência levam-na a situar-se como um elemento entre outros no mundo. Isso permite que a criança, por volta de 1 ano, admita que um objeto continue a existir mesmo quando ela não o percebe, isto é, o objeto não está presente no seu campo visual, mas ela continua a procurar ou a pedir o brinquedo que perdeu, porque sabe que ele continua a existir (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 133).

E esta então é uma questão muito importante, porque é a partir do momento em que a ausência de objeto é entendida como ausente e não que deixou de existir é que a criança começa a se reconhecer como um sujeito, não mais colado a mãe.

A partir desta diferenciação, que ocorre também no aspecto afetivo o bebê passa a apresentar preferências por objetos, pessoas, brinquedos por que já passou das emoções primárias. E também seria dentro deste período que a criança passaria de uma atitude passiva para uma atitude ativa. Porém, segundo a teoria de Piaget sua fala seria apenas imitativa e sua compreensão limitada (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999).

No segundo período, chamado por Piaget de Pré-Operatório (2 á 7 anos), o aparecimento da linguagem é que de mais importante aconteceria. Através da linguagem seriam modificados os aspectos intelectuais, sociais e afetivos da criança (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999).

Através da linguagem a criança exterioriza questões internas, juntamente com a possibilidade de repensar ações e antecipar suas ações, uma vez que a linguagem possibilita a criança uma maior comunicação e interação com o mundo externo (p. 134).

O aparecimento da linguagem também faz com que o desenvolvimento do pensamento se acelere, e através deste desenvolvimento a criança que antes transformava “o real em função de seus desejos”, agora já consegue utilizá-lo como uma referência para “explicar o mundo real, a sua própria atividade, seu eu e suas leis morais”, até que no final do período “passa a procurar razão causal e finalista de tudo” (p. 134).

Apesar de estar se diferenciando do outro, e se desenvolvendo de acordo com o período em que se encontra a criança ainda está centrada em si mesma, o que torna

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dificultoso o trabalho em grupo. Esta dificuldade é característica do período pois, segundo a teoria, a criança ainda não conseguiria colocar-se no lugar do outro (p. 134).

Já no aspecto afetivo, é neste período segundo Piaget que,

(...) surgem os sentimentos interindividuais, sendo que um dos mais relevantes é o respeito que a criança nutre pelos indivíduos que julga superiores a ela. Por exemplo, em relação aos pais, aos professores. E um misto de amor e temor. Seus sentimentos morais refletem esta relação com os adultos significativos — a moral da obediência —, em que o critério de bem e mal é a vontade dos adultos (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 134).

Seguindo a linha de pensamento do autor, que diz que o desenvolvimento se dá através da maturação neurofisiológica, é que a criança no final deste período desenvolveu novas habilidades, sendo uma delas a coordenação motora fina, essencial para o desenvolvimento da escrita (BOCK, FURATDO e TEIXEIRA, 1999).

O terceiro período foi denominado por Piaget de período das Operações Concretas, e este transcorreria entre as idades de 7 até 11 ou 12 anos. A partir deste período entraria em questão a construção lógica da criança, e isto quer dizer que a criança já é capaz de estabelecer relações com pontos de vistas distintos, integrando-os de modo lógico e coerente. A partir desta fase ela seria capaz de se relacionar com os outros cooperando e desenvolvendo autonomia (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999).

Dentre muitas características deste período, uma delas é que,

(...)a criança consegue exercer suas habilidades e capacidades a partir de objetos reais, concretos. Portanto, mesmo a capacidade de reflexão que se inicia, isto é, pensar antes de agir, considerar os vários pontos de vista simultaneamente, recuperar o passado e antecipar o futuro, se exerce a partir de situações presentes ou passadas, vivenciadas pela criança (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 136).

Em relação a organização de pensamento neste período a criança já consegue “sequenciar ideias e eventos, formar o conceito de número”, entre outros. Quanto a questão da conservação, primeiramente surgiria a compreensão de comprimento e quantidade, seguido da conservação de peso, tendo por fim a compreenção da conservação de volume (p. 136).

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Quanto ao aspecto afetivo, ocorre o “aparecimento da vontade como qualidade superior e que atua quando há conflitos de tendências ou intenções” (entre o dever e o prazer). Conforme a criança vai tendo autonomia, também vai desenvolvendo seus valores morais, se antes eles diziam respeito a pessoas como pais e professores, a partir desta etapa se torna em respeito mútuo, considerando a intenção das ações, assim como justiça, companheirismo, honestidade, etc. (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 136).

É neste período também que a questão da identificação com os colegas se mostra bastante presente. Sendo que no início do período as ideias dos adultos tinham um peso maior, e no final do mesmo, o que possui maior valor são as ideias e opiniões do grupo (p.137).

O último período foi chamado de período das operações formais, acontecendo dos 11 ou 12 anos em diante. Neste período,

ocorre a passagem do pensamento concreto para o pensamento formal, abstrato, isto é, o adolescente realiza as operações no plano das idéias, sem necessitar de manipulação ou referências concretas, como no período anterior. É capaz de lidar com conceitos como liberdade, justiça, etc. (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 137).

Neste momento o adolescente é capaz de criar teorias sobre o mundo e sobre o que gostaria de mudar, e isto se deve a “à capacidade de reflexão espontânea que, cada vez mais descolada do real, é capaz de tirar conclusões de puras hipóteses.” Ou seja, através de suposições consegue responder com certeza a questões (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 137).

Neste momento também o adolescente se afasta da família, e apenas posteriormente consegue equilibrar pensamento e realidade, “quando compreende a importância da reflexão para a sua ação sobre o mundo real” (p. 137).

Já no aspecto afetivo o adolescente está passando por conflitos. Então, o mesmo procura ser aceito tanto pelos adultos como pelos amigos, sendo que, “o grupo de amigos é um importante referencial para o jovem, determinando o vocabulário, as vestimentas e outros aspectos de seu comportamento. Começa a estabelecer sua moral individual, que é referenciada à moral do grupo” (p 138).

Neste período as preferências dos adolescentes são inúmeras e oscilantes, sendo que apenas na chegada da vida adulta é que encontraria uma estabilidade.

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Deste modo, podemos dizer que, segundo a teoria Piagetiana, o indivíduo aprende de acordo com a maturação neurofisiológica, e que as fases de desenvolvimento podem ser pensadas como marcos maturacionais para o desenvolvimento da criança.

Sendo assim, a criança em idade escolar, no momento que entra na escola está no nivel pré operatório, segundo Piaget, e este nível é de extrema importância para as questões de aprendizagem, uma vez que o aluno através do desenvolvimento neurofisiológico já tem desenvolvido capacidades, cordenação motora, por exemplo, que é muito importante para o aperfeiçoamento da escrita, juntamente com o desenvolvimento cognitivo para as primeiras compreensões da alfabetização.

Piaget não desconsidera o envolvimento do social na questão maturacional, porém não acredita ser o meio o responsável pelas aquisições de desenvolvimento da criança, pois segundo ele, o social contribui para o desenvolvimento maturacional, só que não depende apenas disso, e sim do orgânico como um todo.

Desta maneira, para evidenciar sobre a importância do meio para o desenvolvivento e aprendizagem, o segundo subtítulo traz a visão de outro teórico que desenvolveu um estudo muito rico a respeito da importância do meio para o desenvolvimento e para as questões de aprendizagem, que é Vygotsky.

1.3 A TEORIA DE LEV VYGOTSKY

Vygotsky, apesar de ter falecido muito jovem e não ter concluído sua teoria, é um dos teóricos atuais quando falamos de Psicologia e Educação. Ele criticou noções importantes para a época, como a de testes com animais como meio de testar as funções psicológicas humanas, e também conceitos como o desenvolvimento baseado na maturação fisiológica como maneira de aprender (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999).

Vygotsky, juntamente com outros autores, foi o responsável pela criação de propostas teóricas sobre temas muito importantes em relação ao desenvolvimento e a aprendizagem como a relação entre pensamento e linguagem e também sobre o papel da instrução no desenvolvimento (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999).

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as origens das formas superiores de comportamento consciente — pensamento, memória, atenção voluntária etc. —, formas essas que diferenciam o homem dos outros animais, devem ser achadas nas relações sociais que o homem mantém. Mas Vigotski não via o homem como um ser passivo, conseqüência dessas relações. Entendia o homem como ser ativo, que age sobre o mundo, sempre em relações sociais, e transforma essas ações para que constituam o funcionamento de um plano interno (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 140).

Ou seja, o homem é um ser social que se constitui através das relações sociais que estabelece. E quando escreve sobre ser ativo e passivo, quer dizer que o sujeito não é constituido apenas sobre o que lhe é passado através da cultura, do social, e sim que ele desde sempre interage com o meio, e que esta interação que é constituinte do plano interno.

Para Bock, Furtado e Teixeira (1999), na teoria de Vigotsky, as crianças estão em interação com os adultos desde o nascimento. Quanto as respostas nos primeiros momentos, Vygotsky acreditava serem causadas por processos naturais, e com a mediação dos adultos os processos psicológicos mais complexos se estabelecem.

Inicialmente, esses processos são interpsíquicos (partilhados entre pessoas), isto é, só podem funcionar durante a interação das crianças com os adultos. À medida que a criança cresce, os processos acabam por ser executados dentro das próprias crianças — intrapsíquicos (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 141).

Após a interiorização destes processos culturais e históricos, a natureza social das pessoas torna-se também a sua natureza individual, psíquica. A internalização do externo é transformada para constituição do plano interno. Porém, o que é interno não é a reprodução do que foi internalizado, e sim a modificação do plano interpísquico para o intrapsíquico (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999).

Para Vigotski, o desenvolvimento está firmado no plano das interções. Ele explica que,

O sujeito faz sua uma ação que tem, inicialmente, um significado partilhado. Assim, a criança que deseja um objeto inacessível apresenta movimentos de alcançá-lo, e esses movimentos são interpretados pelo adulto como “desejo de obtê-lo”, e então lhe dá o objeto. Os movimentos da criança afetam o adulto e não o objeto diretamente; e a interpretação do movimento pelo adulto permite que a criança transforme o movimento de agarrar em gesto de apontar. O gesto é criado na interação, e a criança passa a ter controle de uma forma de sinal, a partir das relações sociais (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p.142).

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Ou seja, através de um movimento que a criança fez e interpretado pelo adulto, possibilitou, por meio da interação que aquilo tivesse um significado e que a partir de então a criança teria registrado esse momento, teria seu desejo interpretado e respondido, e que a partir de então, com um gesto poderia ser entendida.

Isto é, a criança através de seu convivivo com a familía, escola, amigos, está sempre aprendendo. Porque segundo o processo de desenvolvimento de Vygotsky, a criança, a partir da convivência com o meio ela vai internalizando coisas novas que experimentou, e é esse processo de internalização que possibilita a ela recriar dentro de si a sua própria maneira de linguagem com o meio, e de aprender coisas novas (TEIXEIRA, 2015).

Segundo Bock, Furtado e Teixeira (1999), para Vygotsky, a aprendizagem, bem como o desenvolvimento, necessitam de um mediador. Para ele, é necessário que tenhamos um outro que possa nos apresentar e nos permite pensar o mundo em que vivemos, e que sem isso não tem como aprender e adquirir novos conhecimentos. E para isso explica que,

O desenvolvimento não é pensado como algo natural nem mesmo como produto exclusivo da maturação do organismo, mas como um processo em que estão presentes a maturação do organismo, o contato com a cultura produzida pela humanidade e as relações sociais que permitem a aprendizagem. E aí aparece o “outro” como alguém fundamental, pois este outro é quem nos orienta no processo de apropriação da cultura (p. 162).

Para Vygotsky, o desenvolvimento acontece do meio para o interno, sendo assim, é no processo de ensino aprendizagem que acontece a apropriação da cultura e é isto que possibilita o desenvolvimento do indivíduo. Ainda ressalta a imporatância deste outro como mediador, e que é necessario este outro para que a criança consiga adquirir novos conhecimentos, se desenvolver e aprender (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999).

Desta maneira, tendo o outro como mediador, a escola é um local previlegiado para o processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança, uma vez que lá a criança tem o professor que a todo momento está servindo para o aluno como mediador e possibilitador de conhecimento, juntamente com os colegas que também desempenham esta função (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999).

Para entendermos um pouco mais a respeito das contribuições de Vygotsky, é importante também falarmos sobre uma outra contribuição dele sobre o

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desenvolvimento e aprendizagem, que é o conceito de zona de desenvolvimento proximal.

Segundo Vygotsky, a Zona de desenvolvimento Proximal,

define a distância entre o nível de desenvolvimento atual, determinado pela capacidade de resolver um problema sem ajuda, e a gama de possibilidades, determinado através de resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou em colaboração com outro companheiro. Quer dizer, é a série de informações que a pessoa tem a potencialidade de aprender mas ainda não completou o processo, conhecimentos fora de seu alcance atual, mas potencialmente atingíveis (TEIXEIRA, 2015, s.p.).

Ou seja, a zona de desenvolvimento proximal diz das capacidades que o aluno pode vir atingir com a mediação do adulto. Vygosty dize que o importante não é apenas as respostas corretas e sim as respostas incorretas que os alunos produzem, pois apenas desta maneira que é possivel avaliar as capacidades deles, bem como até onde podem produzir. Como reflexo deste pensamento, o planejamento do professor para o desenvolvimento dos materias de aula estariam baseados nesta perpectiva, isto é, no que é possível o aluno alcançar com a mediação do outro (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999).

Desta maneira, concluindo a ideia de aprendizagem de Vygotsky, ele diz então que a aprendizagem é um produto do social, e que dentro da escola a aprendizagem é mediada pelos adultos ali presentes e colegas. Ainda coloca que a escola contribui muito para o construto da humanidade e que a matéria prima do desenvolvimento encontra-se na humanidade (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999). Sobre o papel da escola Bock, Furtado e Teixeira (1999) trazem que a instituição social representada pela escola é uma das mais importantes no papel de mediação entre indivíduo e sociedade. É na escola que a criança depara-se com essa humanização falada por VygotsKy.

A escola, após a Revolução industrial, sofreu mudanças significativas, uma vez que as crianças não poderiam mais aprender sozinhas as necessidades da nova vida social. Desta maneira a escola serviu como suporte para educar não para a vida privada, “mas para o trabalho que se encontrava no âmbito da vida pública, cujas regras, leis e rotinas iam além dos conhecimentos adquiridos pela família” (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 347). A partir disto a escola tornava-se especializada para que conseguisse suprir as necessidades do meio, e incluiu em suas funções

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conhecimentos de linguagens e cálculo, bem como o ensino de manuseio e técnicas para o trabalho industrial.

A escola de hoje possui características adquiridas através de muitos anos e cumpre hoje um papel muito importante, que é o de preparar as crianças para a vida de adulto. É na escola que as crianças

aprendem a trabalhar, a assimilar as regras sociais, os conhecimentos básicos, os valores morais coletivos, os modelos de comportamento considerados adequados pela sociedade. A escola estabelece, assim, uma mediação entre a criança (ou jovem) e a sociedade que é técnica (enquanto aprendizado das técnicas de base, como a leitura, a escrita, o cálculo, as técnicas corporais e musicais etc.) e social (enquanto aprendizado de valores, de ideais e modelos de comportamento). Apreender esses elementos sempre foi necessário. A escola é a forma moderna de operar essa transmissão (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 348).

É na escola que respondemos muitas das questões necessárias para nossa compreensão de mundo e que podemos saber da história e trasformação da humanidade. É na escola que aprendemos diferentes coisas, e dentre elas a linguagem escrita nas primeiras séries do ensino fundamental. Saber ler e escrever é primordial para a continuidade de apreender os novos saberes.

Quando nos deparamos com um criança que por algum motivo não está conseguindo aprender, é preciso entender que não há culpados pelo fracasso presente, e que além de esforço são necessárias mais coisas para o aprender.

As teorias de Piaget e Vygotsky foram colocadas não para debater se o aprendizado vem através da maturação, como diz Piaget, ou através do meio, como diz Vygotsky, e sim para situar os aspectos importantes das duas teorias, como a questão da maturação orgânica e também a questão do social no desenvolvimento e aprendizagem. Pois segundo Bock, Furtado, & Teixeira (1999, p. 164) “não há aprendizagem que não gere desenvolvimento; não há desenvolvimento que prescinda da aprendizagem”, assim como não há maturação sem o auxílio do social e não há aprendizagem sem capacidades maturacionais desenvolvidas, independente de quem vem primeiro.

Desta maneira, quando ainda nos deparamos com crianças que por algum motivo não apresentam uma aprendizagem satisfatória, ou na alfabetização ou na apreensão de novos conhecimentos, e que também não apresentam nenhuma deficiência intelectual, retardo mental, ou seja, que estão neurofisiológicamente aptas

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a aprender e mesmo assim não conseguem, precisamos nos engajar em uma investigação de que ordem provém esse fracasso escolar.

Para continuidade destes aspectos explicitados no primeiro capítulo, o segundo capítulo traz sobre a constituição do sujeito como ser de desejos, e qual a importância do desejo para o processo de aprendizagem, bem como outros fatores importantes que podem acrescentar nesta busca pela compreensão de por que alguns alunos não aprendem, se não demonstram nenhum impedimento físico e cognitivo para tal.

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2. O SUJEITO APRENDIZ E SUAS DIFICULDADES ESCOLARES

Este capítulo aborda questões ligadas ao aprender, mas principlamente a respeito do não aprender. O que leva a criança em seu desenvolvimento dentro dos parâmetros a não aprender, o que siginifica para a mesma saber ler, escrever, responder ao processo ensino-aprendizagem de forma satisfatória, o que está implicado neste processo de construção para que a criança aprenda.

Para início, o primeiro subtítulo traz a constituição do sujeito como um ser de desejos, visto que o desejo é de extrema importância para que se aprenda. Também, após, será elucidado o vínculo trasferencial estabelecido entre professor aluno, que assim como o desejo, representa outro fator que pode levar o aluno a aprender ou não. Por fim, outras questões que se mostram relevantes ao não aprender, e por que elas ocorrem.

2.1 O SUJEITO DE DESEJOS – CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA DO SUJEITO

Quando falamos de aprendizagem, uma palavra aparece frequentemente nos textos de autores que falam sobre o assunto. Essa palavra é desejo. A partir de então, em que momento de nossa constituição nos tornamos um ser desejante? E o que o desejo do Outro implica sobre o nosso próprio desejo? E principalmente, o que é o tema deste trabalho, qual a importância do desejo para a aprendizagem e não aprendizagem.

Sobre a constituição do sujeito, Goulart (1996) coloca que uma criança nasce como um organismo que possui em seu corpo muitas partes que trabalham juntas para mantê-lo vivo. Porém, por si próprio não é capaz de ir além se alguém não o tomar e banhá-lo na linguagem, não inscreve-lo numa cadeia de significantes. Esse corpo por si só não alcançará grandes possibilidades se não for atravessado pela linguagem. Só a partir do momento que alguém significar suas necessidades e demandas é que o corpo biológico poderá iniciar seu reconhecimento e construção subjetiva.

Todos estamos envoltos numa cadeia de significantes, constituída pela história não apenas de nossos pais, mas do meio em que estamos inseridos. Sobre a cadeia de significantes Goulart (1996, p. 15) afirma que,

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Independente da situação real vivida, seja apenas mãe, seja a mãe e a avó, ambos os pais, ou outra qualquer, passam-se a buscar em suas respectivas famílias, naqueles baús de recordações, elementos que poderiam constituir aquele filho, retomam-se lembranças de vivências familiares, investiga-se a posição dos pais, até porque, não apenas está se constituindo um lugar para aquela criança, mas também um lugar possível de exercício das funções materna e paterna.

A criança que nasce vem preencher um lugar já preparado. Esse lugar já estaria preparado, porém em uma dimensão imaginária, e após o confronto com o real, é necessário que se construa no simbólico um novo espaço uma vez que muitos acontecimentos já deram lugar a “uma constelação de significados profundos e a um código” (FERNANDEZ, 1991, p. 41). Ou seja, quando se desvincula da dimensão imaginária, confronta-se com o real, e ressignifica no simbólico, os significantes profundos e os códigos, ainda que construídos em uma dimensão imaginária, deixarão suas marcas nesta construção subjetiva e terão suas influências no simbólico, fazendo mesmo assim parte da cadeia de significantes ali operante.

Seguindo nesta linha de pensamento sobre a constituição do bebê e seu atravessamento no mundo da linguagem Goulart (1996, p. 17) acrescenta que “o que coloca em marcha o processo de desenvolvimento no ser humano é o olhar, e o desejo do Outro. Sem a intervenção do outro esse corpo nada significa, nada diz, nada simboliza”.

Quando a mãe interpreta o choro do bebê dando a ele um significado, automaticamente o bebê registra essa marca simbólica como que um código psíquico, que possibilitará a ele sua constituição.

Mas a partir de que momento passamos a seres desejantes? Goulart (1996, p. 18-19) explica que:

a criança, num primeiro momento pós-diferenciação, desejaria ser o objeto suposto que preencheria o que falta à mãe e se identificaria com o suposto objeto (a criança é o falo materno) e, num segundo momento deseja possuir, ter o objeto que faltaria a mãe (ter o falo). Aí entra a questão da identificação, por se reconhecer em “não ser” a criança buscaria a identificação com aquele que supõe “ter” o objeto que faltaria a mãe (Outro Primordial). Ao reconhecer que este também é desprovido de tal objeto, ela se defronta com a castração simbólica que é o que lhe possibilitará o acesso ao lugar de Sujeito Desejante, à condição de desejar e não apenas ser desejada.

O ato de brincar, segundo a autora, possibilita a suposição de que teve a intervenção de um terceiro. Em certo momento na constituição do sujeito, o brincar

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possibilita que a criança se depare com “buracos”, como o ouvido, nariz, boca, do corpo do Outro e após começa a explorar o meio, como tomadas, por exemplo. É nesse momento em que a criança busca “extrair do Outro elementos para sua própria constituição” (GOULART, 1996). E esse mesmo processo de esburacamento também possibilita que ela passe pelo Corpo do Outro, mas que não fique colada ao desejo do Outro. Não estar entrelaçada ao desejo do outro significa que a criança possui desejos e vontades próprias, ou seja, é um sujeito de desejos.

É através da experiência do brincar que a criança narra sua história, apropria-se do apropria-seu corpo e simboliza o momento vivido. Goulart (1996, p. 28) diz que, “brincando, portanto, a criança se constitui nos três registros (real, imaginário e simbólico) e é brincando que estabelecerá suas possibilidades de transformar esse mesmo brincar em trabalho”. Portanto, a qualidade do brincar refletirá na qualidade do trabalho futuramente.

Esses momentos do brincar demonstram a maneira que a criança se apropria de objetos, de seu corpo, reconhece seus limites, e também fazem menção ao momento posterior, momento de escolarização, inserção com o meio e de que maneira se apropria de conhecimentos e técnicas (GOULART, 1996).

Sobre a constituição da criança enquanto sujeito no momento escolar, acrescenta que,

A criança ao entrar na escola já está, desde o nascimento, sendo constituída e constituindo-se enquanto Sujeito. Isto requer, que seja tomada, em muitos momentos como objeto de desejo do Outro, o que diz de uma certa alternância entre a possibilidade do desejo e do desejo do desejo. Há, portanto que desejar o desejo do Outro para sustentar o próprio desejo, porém, o que sustenta o desejo do desejo é a frustação desse mesmo desejo” (GOULART, 1996, p. 41).

Ou seja, a falta, o buraco que desde as primeiras descobertas sobre o corpo, e que constituem a criança em seus primeiros anos de vida, que continuarão em sua constituição apresentando-se na escola sustentada pelo desejo do outro. Para tanto, a autora ainda coloca que “a criança deseja no momento em que acredita que isto que é seu objeto de desejo possa, de algum modo, dar-lhe aquilo que supostamente completará o Outro” (GOULART, 1996, p. 41). Neste primeiro momento então, o desejo da criança parte da necessidade de completar o que supõe que falta a este outro.

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Porém, também faz uma ressalva que, “nem sempre o sujeito em suas relações com os outros sujeitos ocupam efetivamente o lugar de desejo constituído.” Existe a possibilidade de que ainda não tenha ocupado a posição de sujeito desejante, que nem sempre o sujeito é um sujeito de desejos e sim que este pode estar ocupando uma posição de objeto de desejo (GOULART, 1996 p. 41).

Nesta posição de objeto de desejo, o sujeito não pensaria que o seu desejo pudesse ser o mesmo do que o do outro, ou seja, o seu desejo não seria suposto no que o outro gostaria que fosse, e sim apenas ele, o sujeito acredita que ele é o desejo deste outro.

Desta maneira, a criança em espaço escolar necessita de alguém que ocupe esta posição de antecipação ao desejo dela, ou seja, alguém que deseje por ela antes que ela tenha seu desejo próprio. Na escola quem exerce essa função é o professor, e o professor precisa sustentar uma posição de saber e transitar em uma posição terceira para que o aluno aprenda através dele.

Visto isto, cabe trazer a importância do vínculo professor-aluno, através da transferência, e sua implicação no processo do aprender.

2.2 RELAÇÃO TRANSFERENCIAL PROFESSOR-ALUNO E O LUGAR DO PROFESSOR

Podemos pensar em vários métodos para que se construa a aprendizagem, porém cabe ao professor escolher qual deles que pode alcançar seus alunos ou o que seus alunos podem alcançar, e mesmo assim, com tantos métodos diferentes podemos encontrar crianças que não estão conseguindo se alfabetizar.

Porém, não necessariamente a responsabilidade desse fracasso escolar é do professor. Existem vários eixos que precisam estar estabelecidos para que se constitua esse saber na criança, sendo um deles o eixo da relação entre professor e aluno.

Sabemos também que o professor é de grande importância para que se crie no aluno o desejo de aprender. A função do professor para a psicanálise está baseada no fenômeno da transferência, sendo este um fenômeno psíquico que se encontra presente em todas as relações com nossos semelhantes.

Na relação professor-aluno, está implicada uma relação de afeto e amor. E mais do que professor, o educador aparece no espaço escolar representando as

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figuras parentais, ocupando então o lugar do que sabe, de idealização, de poder, de lei. Portanto, um professor pode ser um suporte dos investimentos de seu aluno, porque é objeto de uma transferência.

Goulart (1996) fala que a transferência está fundada numa marca de afetos. E que é através dela que o sujeito encontrará a possibilidade de estabelecer ligações de amor. Tanto professor quanto aluno estão inseridos em cadeias significantes, e segundo a autora, isto diz da possibilidade de instituir os laços transferências ou não.

Ela ainda acrescenta que,

É na medida em que a criança consegue estabelecer um laço transferencial com o professor, por exemplo, que ela poderá, semelhante à sua relação com o Outro primordial e com o Grande Outro, amá-lo e odiá-lo. Amá-lo o suficiente para querer ser amada e reconhecida, aceitando o Ideal do Eu proposto pelo professor. Odiá-lo o suficiente para poder não aceitar ser apenas objeto e pelo próprio exercício da agressividade querer ultrapassá-lo, passar por ele, descobrir que ele não sabe de tudo e que também não poderá lhe restituir o objeto perdido” (GOULART, 1996, p. 56-57).

Ou seja, a partir da transferência estabelecida entre professor e aluno, é que o mesmo será olhado e, com esse sentimento de afeto, esse laço transferencial, terá o seu desejo sustentado pelo desejo que o professor tem de que o aluno aprenda. O aluno assim, tentará responder ao Ideal criado, porém em algum momento há o reconhecimento de que ele pode saber mais, e como a autora fala em odiá-lo na medida, penso que este seria o momento em que o aluno reconhece a castração do outro, que este não pode saber de tudo, preencher a falta instaurada e que busca ser tamponada, criando no aluno a vontade de evidenciar essa falta no professor para ultrapassá-lo, querer saber além (GOULART, 1996).

É na medida em que o professor se constitui e autoriza-se a operar nesta função que ele poderá suportar esse lugar de mestria, e quando existir a impossibilidade de atender ao que o aluno demanda, ele precisa se autorizar a transitar até uma posição terceira (Grifo Nosso).

O professor, por sua vez, é muito cobrado em relação ao que os seus alunos aprendem ou deixam de aprender. Porém, é necessário que este mesmo professor se permita transitar entre a posição de mestria, de saber, e ao mesmo tempo que ele também possa se permitir e se mostrar um sujeito castrado.

Cordié (1996) fala que o professor sofre, por sua vez, pois também é cobrado e muitas vezes responsabilizado pelo fracasso de seus alunos. Para ela,

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um professor não deveria ser tão profundamente ferido pela agressividade dos alunos ou por seus fracassos. Já é sabido que muitas vezes a criança ou o adolescente ajusta suas contas “edipianas” na figura do mestre: é o fenômeno da transferência que nós, analistas, conhecemos bem. Se o ensinante se identifica totalmente com a função de mestre, ele terá inconvenientes; se acredita que as virtudes pedagógicas são suficientes para fazer entrar o saber na cabeça dos alunos, ele também corre o risco de ficar decepcionado; as consequências podem ser desagradáveis, o fracasso será taxado de má vontade, e, nesse caso a retorsão não está longe (CORDIÉ, 1996, p. 40).

A autora ainda traz uma questão extremamente relevante, que seria “de que natureza é a transferência na situação ensinante-aprendente?” e para responde-la ela coloca que, “diferente do analista, o ensinante não interpreta a transferência, ele a utiliza para a transmissão do saber.” A interpretação da transferência é de responsabilidade do analista, e quanto a transferência entre o professor e o aluno, esta estaria presente no auxílio da possibilidade do aprender (CORDIÉ, 1996, p. 42). Portanto podemos dizer que a transferência estabelecida entre professor e aluno tem imenso valor quanto ao resultado que o aluno poderá apresentar. Entendemos que não apenas o professor pode estar relacionado com a dificuldade e fracasso do aluno, mas que a partir da transferência estabelecida entre ambos, também pode ou não ser alcançada essa aprendizagem.

Lacan fala sobre resistência, e esta está ao lado do professor assim como, está do lado do aluno em aprender, haja visto que o professor necessita transitar num lugar terceiro. Desta maneira a resistência se intensifica no lado da mestria, quando este não se permite transcender (Grifo nosso).

Dessa maneira Goulart (1996, p. 56) acrescenta que,

As atitudes e reações dos alunos podem, muitas vezes suscitar pensamentos e emoções que têm a ver com o professor enquanto sujeito e não enquanto profissional. Poder lidar com esses pensamentos e emoções de modo que estes possam interferir o mínimo possível no exercício dessa função talvez seja uma possibilidade.

Cordié (1996, p.41-42), completa esse pensamento, dizendo que é possível encontrar “ensinantes sensíveis ao sofrimento de uma criança que vem se confiar a eles”. Porém, quando o professor desconhece a dimensão da transferência entre ele e seu aluno, os dois correm o risco de que o aluno desloque para a figura do professor demandas que deveriam ser dirigidas a outros, como pais, sociedade, etc., sendo assim, ainda acrescenta que o professor não deve desconhecer, ou ignorar, um

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sofrimento psíquico, e sim que ele possa ser capaz de reconhecer este sofrimento por trás de uma situação de fracasso. E é neste momento em que ele poderia, “sem se desvincular de uma certa neutralidade de pedagogo”, aconselhar a intervenção de outro.

Desta maneira, pode-se dizer que, em contratransferência1, o professor não

precisa se isentar desta questão do aluno que também fala de si, e sim que ele possa reconhecer que a implicação dele nas questões do aluno, levando em conta questões que dizem de sua natureza enquanto sujeito, podem atrapalhar o desenvolvimento do mesmo. E quando reconhecido, que o professor possa reconhecer e fazer os devidos encaminhamentos e ponderações.

Seguindo o pensamento de Goulart (1996) sobre a constituição do sujeito, e que neste momento usamos para falar do lugar ocupado pelo professor, no estádio do espelho, segundo Lacan (apud Goulart, 1996), que seria o momento em que o professor serviria de suporte para a imagem do aluno, para que o aluno pudesse através da imagem de completude do professor “(re)tomar o processo de (re)construção” (p. 55), e sendo assim, o professor deve se deixar perfurar, para que através do que lhe falta, o aluno possa retirar aquilo que necessita para sua própria constituição. E da mesma maneira que o bebê reconhece a falta na mãe, castrada simbolicamente, o aluno reconhece a falta no professor, e isto lhe permitiria atingir uma escolarização satisfatória e o tornaria um sujeito desejante.

Goulart (1996, p. 63) explica que,

Mesmo que haja, a nível familiar, uma possibilidade satisfatória de constituição de uma criança, o lugar de aluno também é constituído. Ser aluno pode trazer, e certamente traz elementos do filho, mas ficar preso no lugar de filho vendo no professor o pai ou a mãe imaginários é antes um problema que certamente conduzirá a respostas não satisfatórias à nível de desempenho escolar (Goulart, 1996, p. 63).

Desta maneira, podemos dizer do lugar do professor, enquanto aquele que por vezes ocupa lugar de terceiro, e também do vínculo transferencial e afetivo criado entre professor e aluno, que, são determinantes para a constituição do aprendizado. É necessário que se pense do lugar de professor, como aquele que através de sua própria imagem possibilita ao aluno a criação do desejo de aprender em nível escolar.

1 Conjunto das manifestações do inconsciente do analista relacionadas com as da transferência de seu paciente (Roudinesco e Plon, 1998, p. 133).

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Sabemos que a imagem que o professor precisa sustentar, diz não apenas da de professor, mas sim de uma imagem que faz menção a das figuras parentais, porém, diferencia-se de tais, possibilitando ao antes filho, a passagem para outra ordem, sendo agora a de aluno.

Para tanto, sabemos da importância do desejo na aprendizagem, bem como as figuras parentais são importantes na constituição do sujeito com um sujeito de desejos, assim como compreendemos a importância do papel do professor na relação que o aluno virá a estabelecer com o conhecimento.

Em vista disto, no próximo item será explicitado algumas questões sobre a aprendizagem, porém principalmente sobre a não aprendizagem.

2.3 SOBRE O APRENDER E O NÃO APRENDER

Segundo Cordié (1996), para haver aprendizado é necessário que se tenha desejo. Porém, mesmo com o comando dos pais e da escola para que se deseje aprender, o desejo é próprio de cada sujeito, e, portanto, não é possível que se obrigue alguém a desejar. O aprendizado, então, segundo ela, se dá através do desejo, mas para isso é necessário que o aprender se torne o objeto de desejo.

A autora também traz questões importantes que tomam o aluno. Ela fala que um mal começo escolar pode desencadear no aluno problemas que o inibirão posteriormente, e traz a humilhação, a vergonha que o aluno pode vir a passar como coisas importantes que podem o prejudicar muito. Para isso a mesma cita algumas hipóteses que podem acontecer referentes a este assunto (CORDIÉ, 1996).

Na primeira hipótese a criança não ficaria passiva, e diante da situação de fracasso e exclusão, ela reage por meio de distúrbios de comportamento. Esses comportamentos dizem respeito daqueles alunos que se tornam o “palhaço da turma”, e que por não conseguirem responder a um Ideal de aluno que aprende, tentariam chamar a atenção de outra maneira, buscando prestigio entre os colegas. (CORDIÉ, 1996).

Já numa segunda hipótese a autora fala sobre a aceitação por parte da criança sobre o seu fracasso escolar. A criança seria rotulada como débil, e é provável que passaria por reforços escolares, porém se manteria num estado de “indiferença e de imobilismo”. Este estado de passividade que perdura, segundo Cordié (1996, p. 33), “se torna uma segunda natureza, a criança se habitua a ele, depois se satisfaz com

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ele e, por fim, lhe será difícil sair dele”. Ou seja, há por parte da criança uma apropriação do que é dito sobre ela.

E por fim, numa terceira hipótese, tudo se acomodaria, existiria mais flexibilidade no sistema escolar. E neste momento a autora diz o seguinte:

A noção de fracasso não está mais ligada ao tempo, pois o tempo não é mais marcado pelas fatídicas barreiras a vencer (leitura, escrita, etc.). os programas não são mais administrados de forma obsessiva. Ao invés do “poder fazer melhor”, chavão obrigatório do boletim escolar, o destaque é dado às realizações do sujeito. Substituiu-se o temor do malogro pelos encorajamentos para os esforços e os progressos alcançados. (...). Mais liberdade na aprendizagem e menos pressão favorecem a integração da criança ao sistema (p. 33-34).

Ou seja, respeitar o tempo da criança, e suas capacidades de aprendizagem neste primeiro momento, são cruciais para que ela não se limite, acreditando assim não ser capaz de aprender. Não desvalorizar o que a criança sabe, mesmo ela não estando neste momento enquadrada nos padrões escolares pode significar a alavanca para que com o tempo ela consiga trabalhar suas capacidades e seguir bem durante os anos escolares.

A autora também traz uma outra questão, que por sinal está muito presente nas escolas, que seriam as doenças. Neste momento a autora faz referência as crianças que passam a ficar doentes com muita frequência, e que esses sintomas, que não seriam doenças apenas de ordem somática e sim, como ela mesma diz, doenças “verdadeiras”, que seriam detectadas através de exames clínicos, como otites, distúrbios intestinais, etc., e tudo isso poderia estar relacionado com a reação dos pais frente ao fracasso escolar dos filhos (CORDIÉ, 1996).

Quanto a reação dos pais a esse primeiro fracasso dos filhos na escola, a desaprovação, decepção demostrada pelos mesmos, podem fazer com que os filhos encarem essa manifestação como uma retirada de amor. E, portanto, quando estão doentes geram angustias em seus pais, assegurando assim que são amados (CORDIÉ, 1996).

Quanto a indiferença em relação ao fracasso dos filhos, Cordié (1996), apresenta duas questões a se considerar. O primeiro ponto sobre a indiferença a autora fala do desinteresse dos pais pelos resultados do filho, e que desta maneira podem representar para a criança de que lhe falta amor. A autora cita um exemplo de pais separados, onde nenhum cumpre com a função de cobrar do filho uma melhora,

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e desta maneira, sendo indiferente ao fracasso escolar do filho, os pais podem estar a impulsionar o mesmo a mais fracassos, fazendo com que ele busque ser enxergado, mesmo que de maneira negativa.

E a outra questão a se considerar sobre a indiferença dos pais seria uma questão mais familiar e sociocultural. Ou seja, diretamente ligada a “falta de investimento intelectual e de projetos de sucesso para seu filho”. Desta maneira a criança não é “de forma alguma perturbada nem culpabilizada por sua situação de fracasso escolar” (CORDIÉ, 1996, pag. 35). O fracasso nesta situação especifica representaria uma adequação da criança para o com o meio em que vive, uma marca de inserção nele.

A atitude dos pais, referente ao não aprender dos filhos, esta falada por Fernandez (1991), diz respeito a questão de identificação da criança. A criança mesmo cobrada pelo aprendizado insatisfatório é comparada com as figuras parentais. Neste momento ela traz um exemplo onde o pai fala “Eu era Igual. Também não aprendia nada na escola”. E dessa maneira, sendo a criança o espelho em que o pai se vê, acaba se legitimando enquanto filho e futuro homem.

Fernandez (1991, p. 44), por sua vez, fala que é preciso “revelar o significado que o aprender tem para o grupo familiar e a criança, assim como o significado atribuído de maneira inconsciente à operação particular que constitui o sintoma no aprender”. Dessa maneira, a autora coloca que o não aprender pode representar alguma funcionalidade para a família em que um dos membros não aprende. Sendo assim, a busca pelo diagnóstico deve estar relacionada ao conjunto em que a criança está inserida, e não diretamente procurada no sintoma que ela apresenta, uma vez que este pode estar entrelaçado a questões conscientes e inconscientes.

Ainda há uma outra questão importante sobre o processo de não aprendizagem, que seria a inibição. Quando o aluno não apresenta nenhuma outra questão referente ao aprender, podendo ser orgânica, familiar ou social, estando num estado onde existe a possibilidade de aprender e isto não acontece, podemos pensar num processo inibitório.

Na inibição, de saída, há um Eu enfraquecido, pois a renúncia realizada requer dele a força da ação inibidora. O Eu, então, não se aventura a entrar em conflito com as demais instâncias, a fim de encontrar uma solução, uma formação de compromisso. A renúncia se põe como a defesa possível, por excelência, promovedora da inibição, dispensando o trabalho de um (novo) recalcamento. A partir (...) desta renúncia, o Eu evita entrar em conflito com

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o isso ou com o supereu, e a inibição se dá no âmbito do Eu (HENCKEL e BERLINCK, 2003, p.116).

Para Freud, a inibição está relacionada com o sexual, e se o ato de escrever, de aprender “assume um significado simbólico de coito algo da ordem de uma ação sexual fica proibido. O Eu faz uma renúncia, a fim de não precisar empreender um novo recalcamento e a fim de evitar um conflito com o Isso” (HENCKEL e BERLIMCK, 2003, p. 116). Para não entrar em conflito com o Isso o Eu acaba desistindo da atividade, seja ela qual for .

A inibição aparece frente a uma resistência a angústia de castaração. Para não lidar com a angústia que possui em determinados atos, como a dificuldade de aprender, a criança se colocaria a controlar a angústia, entrando num processo inibitório. Para Henckel e Berlinck (2003, p. 121),

A angústia de castração recebe um outro objeto e uma expressão distorcida (ou seja, ocorre uma formação substitutiva denominada sintoma). Ao mesmo tempo, é justamente essa formação substitutiva do perigo de castração que possibilita o controle sobre o perigo, quando permite evitar ou suspender o desenvolvimento da angústia (denominada inibição).

A inibição seria um mecanismo de defesa, atuando para impidir o sujeito a lidar com as questões da sexualidade e da castração. Desta maneira, quando confrontando com algo gerador de angústia, o sujeito inibe a possibilidade de atuar frente a angútia, e simplesmente bloqueia a possibilidade de enfrentamento.

No processo de aprendizagem, muitas vezes os alunos passam por dificuldades, por vários motivos, sendo eles enquadrados na teoria de Piaget, quanto a maturação, ou então no interacionismo de Vygostky, bem como na dificuldade de vínculo com o professor ou com a escola. Porém, é possivel nos depararmos com questões mais psíquicas a respeito do processo de não aprender, sendo por exemplo a questão de constituição psiquica, identificação familiar ou com as figuras parentais, assim como mecanismos de desfesa, como a inibição, o que acaba influenciando diretamente no processo de ensino-aprendizagem destes alunos.

A complexidade no processo de ensino e aprendizagem se estabelece por múltiplas variáveis, o momento atual nos põe várias questões pois os processos de subjetivação estão atrelados como a nova ordem do mundo que produz sintomas

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diversos, que perpassam do individual ao social e que lançam as novas posições de sujeitos nas intituições (grifo nosso).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É muito comum dentro das escolas nos depararmos com queixas referentes ao processo de ensino-aprendizagem, onde muitas vezes a escola se exime da responsabilidade, apontando apenas a criança, ou então a família que não é participativa.

Também é frequente encontrarmos diferentes tipos de dificuldades referentes ao aprender, e que necessitam em um primeiro momento uma avaliação mais profunda para a análise de que lugar provém.

Quando se fala em fracasso escolar, é necessário que se pense individualmete em cada criança que não está conseguindo apreender o conhecimento, sabendo que muitas podem ser as razões para que isto venha a acontecer.

A criança está inserida numa cadeia de significantes, que faz parte de sua constituição. O que é falado sobre aquela criança cria marcas simbólicas que tornam-se parte constituinte da mesma. Quando uma criança é comparada com o pai que não aprende, por exemplo, e tendo o pai como modelo de identificação, a criança pode vir a se apropriar desta fala, onde não se fala mais do pai, e sim dela mesma.

Da mesma maneira que a criança pode inibir o processo de aprendizagem para evitar a angústia, angústia essa que sentiu frente a castração e sobre questões da sexualidade.

No processo de ensino-aprendizagem, também é necessário pensarmos em todas as questões que podem estar implicadas neste não aprender. Na constituição da criança como ser de desejos, é necessário que a criança reconheça na mãe, falhas, buracos, entendendo que a mãe, castrada simbolicamente pelo Outro, não sabe de tudo. Desta maneira, a criança buscaria através do desejo próprio alavancar a sua busca por conhecimento, seguindo o que é de sua vontade.

Da mesma maneira na relação estabelecida entre professor e aluno. É necessário que o aluno reconheça a mestria do professor, como aquele que sabe, porém o professor também precisa conseguir transitar em uma posição terceira, e se mostrar esburacado, para que assim o aluno possa através da imagem do professor, constituir a sua imagem de ser de desejos, e que em algum momento queira ultrapassar o saber do professor.

É angustiante para todos os envolvidos que a criança não tenha nada orgânico, nenhuma debilidade ou atraso mental, que a está impedindo de saber, de

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aprender. Porém, cada caso, cada criança precisa ser analisada, bem como todos os laços afetivos e socias em que está inserida. A culpa pelo fracasso da criança tem um peso muito grande, mas não deve ser direcionado a alguém, e sim ser pensado como um conjunto de fatores passíveis de averiguação e muitas vezes de solução.

Apesar de muitas vezes a busca por um laudo que justifique o não aprender é o mais procurado, não podemos pensar que todas as crianças podem estar enquadradas em um laudo. Assim como não podemos deixar de averiguar num primeiro momento as questões orgânicas que podem estar impedindo este processo. Desta forma, o olhar na criança como aquela que pode sempre aprender, independente de causas orgânicas ou psíquicas, pode possibilitar um menor número de crianças com fracasso escolar. Segundo as teorias do desenvolvimento trazidas no primeiro capítulo, podemos perceber que independente de qual delas julgarmos ser a correta, as duas trazem o desenvolvimento e a aprendizagem interligadas. Desta maneira, se há desenvimento é por que há coisas que estão sendo aprendidas em alguma ordem.

O olhar individualizado em cada criança que está passando por dificuldades na aprendizagem, pode ser muito significativo e alavancar as potencialidades da criança para o aprender.

Portanto, a pesquisa possibilitou a ampliação de conhecimento de um tema tão importante para a sociedade, e também de um momento tão lindo e expressivo na vida de qualquer criança, um momento de passagem, mas que pode não ser apenas coisas boas. Esse momento pode trazer muitas angústias que não dizem apenas das crianças de hoje, mas das crianças que os pais fora um dia, que os professores foram um dia, e que de certa maneira acaba implicando nesse processo tão importante para os dias atuais.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOCK, A. M.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. Psicologias – uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo/SP: Saraiva, 1999.

CORDIÉ, A. Os atrasados não existem. Porto Alegre/RS: Artemed, 1996.

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Referências

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