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Capítulo VI: A Análise

6.1. Descrição do objeto

6.2.4. Sobre as cores

Chegamos a acreditar que pudesse haver uma relação entre as cores e os livros graças às escolhas feitas em A pátria em chuteiras: novas crônicas de futebol, de 1994, em que a capa é amarela tendo uma faixa verde abaixo da foto. O verde e amarelo, as cores da bandeira do Brasil, estariam fazendo alusão tanto à pátria, quanto às chuteiras (e futebol) presentes no título.

No caso de A Vida como ela é... as cores escolhidas foram o amarelo e o azul, sendo que o azul predomina e o amarelo aparece somente como uma faixa que cobre parcialmente o rosto da mulher. A cor preta, predominante na fotografia sobressai-se, criando uma forte oposição ao azul.

Todas as culturas costumam dar às cores uma simbologia e embora as interpretações possam variar de cultura a cultura, existe um caráter universal em todas. O preto comumente simboliza as origens, os começos, as ocultações, a fase anterior à luz, já o azul estaria relacionado com o elemento ar, com o espaço, com o céu. Na axiologia cultural brasileira, a cor azul também está ligada ao sexo masculino.

Sendo assim, o que temos de disfórico na figura da mulher infiel e de eufórico na figura do homem fiel se confirma no uso das cores: o preto, obscuro, disfórico, e o azul, claro, eufórico.

O amarelo pode ter um valor tanto positivo quanto negativo: o amarelo é o poder, a inteligência e a divindade, mas também é o adultério, a falência e o engano. Como a faixa amarela parece esconder parcialmente o rosto da mulher, podemos acreditar que o amarelo, nessa capa, estaria retificando o sentido de adultério que se espalha pelo livro. Ainda podemos lembrar que, na natureza, o amarelo provoca um efeito de sentido de perigo: animais amarelos - e geralmente amarelos e pretos - em sua grande maioria são venenosos.

Pode até ser que haja alguma relação entre os livros da coleção e suas cores, mas como nos outros livros não pudemos estabelecer nenhuma relação aparente e óbvia (excetuando A pátria em chuteiras) preferimos acreditar que foram escolhas aleatórias, visando apenas manter o padrão da editora, sem que acrescentasse algum sentido à coleção.

Para checar essa hipótese, entramos em contato, via e-mail, com o capista, João Batista da Costa Aguiar. Ele respondeu, no dia 20 de fevereiro de 2005, o seguinte:

O projeto gráfico da coleção Nelson Rodrigues é de 1991. A idéia inicial foi a de usar os álbuns de família da época. Usei de fato álbuns de pessoas conhecidas e próximas a mim, que se prestaram a ceder as imagens. Por exemplo: a noiva de O casamento é a mesma ‘modelo’ com a frasqueira em A vida como ela é... e cujo marido é o mesmo sorumbático personagem a beira-mar de O obvio ululante e assim por diante. A escolha das cores foi propositadamente desarmoniosa, dissonante, cores berrantes e estridentes em alguns casos para enfatizar o ‘mau-gosto’ e a contundência rodrigueana, coisa que mais tarde aprendi a ‘suavizar’ ainda mantendo o mau-gosto na versão florida e intimista do baú de Nelson Rodrigues 2001-2003. As tarjas a que você se refere são mais um recurso para enfatizar o ‘ruído’ visual, na passagem entre o campo gráfico e a fotografia, uma vez que o projeto tinha que prever ao menos 13 capas com imagens ainda desconhecidas na época da sua

criação. Se quiser pode dizer que as tarjas são uma espécie de ‘reserva técnica do autor do projeto.20

Como vimos, mesmo podendo extrair algumas relações das cores com o sentido da capa, tal relação não foi explicitamente proposta21.

Escolhemos trabalhar com a capa desse livro por acreditarmos que, atualmente, o sentido de um texto não começa apenas quando lemos sua primeira página. Com tantas formas distintas de mídias, os significados dos objetos acabam se misturando.

Nossa hipótese inicial era a de que encontraríamos na capa a condensação das idéias do texto. Bastava, então, descobrirmos quais eram essas idéias. O conceito de isotopia nos serviu de maneira eficaz para que pudéssemos chegar ao sentido mais próprio do texto: como já dissemos anteriormente, ao identificar a isotopia presente no texto, poderíamos evitar uma plurisignificação arbitrária.

Se as reticências naturalmente nos levassem para uma abertura da significação, mesmo as cores da capa, o claro e o escuro, já contribuiriam para um fechamento: a dualidade entre as cores se repete na dualidade homem e mulher, fiel e infiel.

A partir de nossas análises, pudemos constatar que não apenas a temática do livro está condensada na capa, como também há um diálogo muito bem tecido entre as duas semióticas-objeto: a verbal e a não-verbal

A expressão não-verbal na figura da mulher na fotografia, somada à expressão verbal homem fiel, nos levou ao tema da fidelidade nas relações

20

Ver anexo IX.

21

A semiótica não busca saber as intenções do autor de um texto, mas nesse caso, achamos pertinente citar o e-mail do capista, pois já acreditávamos que as cores poderiam ser descartadas.

amorosas entre homem e mulher. Também constatamos que a foto da capa não é a imagem de um actante em especial, ela representa a maioria das personagens femininas de Nelson Rodrigues - poderia ser, inclusive, Malvina, a esposa de Simão, prestes a traí-lo. Como a tarja amarela “corta” o rosto da mulher da capa provocando uma “perda” de identidade, podemos pensar em todas as mulheres possíveis e não apenas em Malvina.

As mulheres de Nelson são gente comum, “recatadas na aparência” e à beira de um ataque de nervos. Atormentadas pelo desejo de ser feliz e sufocadas por uma sociedade machista, têm seus destinos marcados pela tragédia. A foto é, pois, uma das concretizações da idéia, é a condensação da fidelidade/infidelidade expressa nos gestos contidos, no olhar evasivo que esconde um mistério, um segredo: o adultério.

Dissemos que os títulos dos contos já reuniam em si a carga semântica necessária para que estabelecêssemos uma isotopia da fidelidade e da relação conjugal, e a frase “O homem fiel nasceu morto” que encontramos em outros três contos – O marido fiel, p.144; A humilhada, p.160; A futura sogra, p.155 – só faz comprovar nossas expectativas.

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