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4 HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA NO PROCESSO DE ENSINO E

4.2 Sobre o Conceito de Cultura

A palavra “cultura” foi introduzida na antropologia e transformada em um termo técnico por Edward B. Tylor, o pioneiro inglês dessa ciência. Logo no início de Primitive

Culture [cultura primitiva], de 1871, ele descreve cultura como sendo “esse todo complexo

que inclui conhecimentos, crenças, arte, direito, valores morais, costumes e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (WHITE; DILLINGHAM, 2009, p. 44-45).

O homem é um ser constituinte de uma sociedade. E é dotado de uma cultura que o identifica e o coloca como membro ativo, nas questões políticas e sociais onde está inserido, garantindo a sua humanização. A sociedade e a educação têm um papel importante para manter a cultura viva, diferenciada, transformadora e que embora pareça difícil conviver com essa diversidade cultural, se formos explorá-la, compreenderemos que “todas as culturas são essenciais e guardam importantes especificidades” (FREITAS, 2011, p.31). São essas especificidades que colocam o homem como um ser em plena convivência com o seu semelhante, onde pode ensinar e aprender com o outro, outra visão do mundo. A cultura é dinâmica, é alcançada pela globalização que veio quebrar as barreiras fronteiriças, criando espaço para abertura do que é novo a ela. Hoje vemos assimilações de culturas estrangeiras, esse movimento veio dinamizar as relações interpessoais, entre povos de culturas diferentes.

Freitas (2011, p. 19) afirma que “a cultura pode ser entendida como um conjunto de valores, regras e princípios, o jeito de ser, modo de vida de um povo. Quando você se veste para ir à escola, ao supermercado, à igreja, a festas, a casamentos, a enterros ou para outros momentos sociais, em casa ou na rua, você está acionando códigos culturais”, ressaltando desse modo que o homem carrega consigo aspectos culturais na sua vivência, nos diversos estratos sociais.

O termo cultura é utilizado na sua maioria, para definir um grupo, pessoas ou povo, onde nem sempre é utilizado para elogiar ou marcar as diferenças entre as pessoas. “Quando dizemos que determinado povo „não tem cultura‟, na verdade, estamos acionando uma série de preconceitos, baseados na ideia oriunda do senso comum de que há pessoas ou povos cuja cultura é menos importante do que aquela que julgamos ser superior” (FREITAS, 2011, p. 23), mas sabemos hoje, que não existe uma cultura superior à outra, “culturas não podem ser avaliadas; uma cultura não é tão boa quanto a outra” (CUCHE, 1999, p. 98).

Ao fazermos uma análise da cultura mais de perto, encontramos uma série de reações padronizadas, que caracterizam o comportamento de indivíduos que pertencem a um dado

grupo. Nessa análise, não se pode fazer uma separação de seu contexto temporal, no mundo real, porque a cultura é dinâmica e vem sofrendo transformações com o passar do tempo, motivada pelas exigências da sociedade em transformação. A cultura tem aparecido em grande parte, como um conjunto de conquistas artísticas (dança, arte, cântico, etc.), intelectuais e morais, que constituem o patrimônio de uma nação. Essas manifestações têm evoluído com o tempo, na sua representação simbólica, mas guardam em si uma matriz original, que não a deixa dissociar-se da sua origem.

A cultura pode ser algo sentido, que paira no meio das sociedades organizadas, mas também pode ser verificada, percebida, tocada, onde podemos compreender nela vários aspectos úteis, uma vez que “inclui objetos, instrumentos, técnicas e atividades humanas socializadas e padronizadas de produção de bens, da ordem social, de normas, palavras, ideias, valores, símbolos, preceitos, crenças e sentimentos” (BRANDÃO, 1985, p. 20). Muitos objetos culturais trazem consigo um aparato didático educativo e que muitas vezes, são usados como materiais didáticos, que transportam de uma forma implícita a cultura de um povo, que poucas vezes é destacado no seu uso em sala de aula. Muitas produções locais, como as resultantes da atividade de carpintaria, serralharia e outras, carregam uma bagagem cultural e científica, que podem ser exploradas no ato de ensinar e aprender uma disciplina escolar, em particular a Matemática, em prol da atualização do aluno, em relação a sua aprendizagem, relacionada com a sua realidade sociocultural.

A cultura existe porque existe o homem, homem e cultura são inseparáveis, o homem é o fazedor da cultura e a cultura faz o homem, não existindo desse modo, cultura sem homem e nem homem sem cultura, ela “existe viva, em processo e, mesmo sendo politicamente expropriada e simbolicamente alienada, ela está sempre em transformação. Articulados como grupos sociais de agentes criadores. São homens concretos os seus produtores” (BRANDÃO, 1985, p. 32). Nas relações humanas temos que ter em conta o homem cultural, respeitando as suas diferenças e formas de ver o mundo, “a cultura não pode ser divorciada realmente das pessoas; não existe uma cultura apartada das pessoas.” (WHITE; DILLINGHAM, 2009, p. 60). Ela permite ao homem, não somente adaptar-se a seu meio, mas também adaptar esse meio ao próprio homem, às suas necessidades e seus projetos, criando uma relação de reciprocidade na transformação, porque o homem transforma a natureza de acordo com as suas necessidades e essa também transforma o homem, “em suma, a cultura torna possível a transformação da natureza” (CUCHE, 1999, p. 10).

A cultura existe nas ideias, sentimentos, comportamento interpessoal e em objetos, sendo que a natureza do homem é inteiramente interpretada por ela, assim:

Nenhum indivíduo pode sintetizar em si o conjunto de sua cultura de origem. Nenhum indivíduo tem um conhecimento completo de sua cultura. Cada indivíduo conhece de sua cultura apenas o que lhe é necessário para se conformar a seus diversos status (de sexo, idade, de condição social, etc.) para desempenhar os papéis daí decorrentes. (CUCHE, 1999, p. 84).

O homem é um ser em constante processo de aprendizado, ele vai aprimorando a sua dimensão cultural, nas suas relações interpessoais e com a sociedade. Graças ao dinamismo dos processos culturais é possível termos uma sociedade, que se encontra em uma esfera de proximidade entre diferentes povos.

O dinamismo cultural está ligado aos contornos que a palavra cultura teve até adquirir o seu conceito atual. Na obra de Cuche (1999), intitulada “A noção de cultura nas ciências

sociais” podemos ver na história do conceito de cultura, que remonta desde os tempos em que

a palavra cultura significava para definir a terra cultivada, passando para situações de enaltecer o orgulho de um povo (povo com cultura ou civilizado). Nos dias de hoje, ela é vista como não superior em relação a outras diferentes, mas como necessária para compreender a outra e conviver com ela. Entendemos que a “cultura humana não é homogênea. É tremendamente variada, e essas variações têm também uma dimensão temporal, pois uma mesma cultura muda com o tempo” (WHITE; DILLINGHAM, 2009, p. 32). A cultura dos nossos antepassados não é exatamente a mesma que dos nossos dias, as escolhas que os nossos antepassados faziam, baseados em valores culturais, não são as mesmas que fazemos nos dias atuais. As variações da cultura, não só se fazem sentir com o tempo, mas também com o lugar, com os povos: “a cultura dos esquimós não é a mesma dos pigmeus de Luzon ou da Península da Malásia” (WHITE; DILLINGHAM, 2009, p. 33).

Segundo Cuche (1999, p. 125) “toda a mudança cultural produz efeitos secundários não previstos que, mesmo que não sejam simultâneos não podem ser evitados.” A sociedade tem experimentado esses efeitos, de forma desafiadora, onde novas formas de produção levaram o homem a apostar mais na sua formação. A criatividade tem dominado os setores produtivos e de educação, pelo uso de novas tecnologias na produção e na escolarização, onde com “o surgimento de um novo sistema eletrônico de comunicação caracterizado pelo seu alcance global, integração de todos os meios de comunicação e interatividade potencial está mudando para sempre a nossa cultura” (CASTELLS, 1999, p. 354). Assim, o dinamismo cultural faz-se necessário, de maneira que não fiquemos parados no tempo, pois na sociedade em que vivemos, a educação tem que criar condições de estar a par com o nível de

desenvolvimento tecnológico e fazer o uso dessas tecnologias, que fazem parte da nossa cultura atual. Por isso “é importante termos em mente que a cultura é dinâmica e passa por diferentes processos de transformação ao longo dos processos históricos experimentados pelas diferentes sociedades humanas” (FREITAS, 2011, p. 28).

Quando procuramos compreender a cultura, encontramos o homem como principal fazedor dela, com uma identidade formada por ela e que a mesma vai “transformando” essa cultura.

Cuche (1999, p. 182) aborda que “a construção da identidade se faz no interior de contextos sociais que determinam a posição dos agentes e por isso mesmo orientam suas representações e suas escolhas. Além disso, a construção da identidade não é uma ilusão, pois é dotada de eficácia social, produzindo efeitos sociais reais”. A cultura tem um papel importante na formação da identidade do indivíduo, ela é formada nos primeiros momentos da percepção do mundo cultural pelo indivíduo. Em seguida, este age sobre a cultura e de acordo com as suas necessidades de sobrevivência e de convivência social se manifesta a dinâmica cultural, causada pela influência da identidade formada do indivíduo, assim, concordamos com Cuche (1999) quando afirma que:

A cultura pode existir sem consciência de identidade, ao passo que as estratégias de identidade podem manipular e até modificar uma cultura que não terá então quase nada em comum com o que ela era anteriormente. A cultura depende em grande parte de processos inconscientes. A identidade remete a uma norma de vinculação, necessariamente consciente, baseada em oposições simbólicas (p. 176).

A identidade do indivíduo permite que ele se enquadre numa sociedade e que seja identificado como pertencente a ela, sendo membro de um sistema social, mas:

A identidade social não diz respeito unicamente aos indivíduos. Todo o grupo é dotado de uma identidade que corresponde a sua definição social. Definição que permite situá-lo no conjunto social. A identidade social é ao mesmo tempo inclusiva e exclusiva: ela identifica o grupo (são membros do grupo os que são idênticos sob um certo ponto de vista) e os distingue dos outros grupos (cujos membros são diferentes dos primeiros sob o mesmo ponto de vista). (CUCHE, 1999, p. 177) É essa identidade social que mescla os valores morais, atitudes, comportamentos e vivências, que criam as bases para uma convivência pacifica dos indivíduos pertencentes a uma determinada sociedade, a identidade também,

Constrói-se dentro do próprio grupo e se faz a partir de uma relação de alteridade. Ou seja, ela necessita do “outro” para poder se definir, é como se identifica o perfil identitário: pelos opostos. Logo, para existir e ter sua continuidade garantida, ela precisa transitar pelo território das negociações humanas (FREITAS, 2011, p. 50). Os crescentes contatos entre vários povos de culturas diferentes, a abertura em receber outras culturas e garantir a convivência pacifica entre elas, traz consigo o fenômeno de

aculturação, que tem se evidenciado grandemente neste milênio, derrubando literalmente as barreiras fronteiriças, com grande apoio do desenvolvimento tecnológico, onde figuram as redes sociais, como grande impulsionador desse fenômeno. O fenômeno de aculturação está cada vez mais presente nos nossos dias, onde “o encontro das culturas não se produz somente entre sociedades globais, mas também entre grupos sociais pertencentes a uma mesma sociedade complexa” (CUCHE, 1999, p. 14). Essas culturas se encontram por diversas razões, algumas tristes, como é o caso de questões humanitárias, onde refugiados de guerra e vítimas de algumas situações calamitosas nas suas regiões de origem, se deslocam para outros lugares de culturas diferentes, com a intenção de refazer suas vidas. Outras boas, como é o caso de intercâmbios culturais, econômicos, acadêmicos, viagens de lazer para outras regiões de culturas diferentes. Nessas situações há encontros de culturas, onde o indivíduo aprende e absorve hábitos de outra cultura, causando uma modificação na sua cultura. Nesses casos “a aculturação aparece não como um fenômeno ocasional de efeitos devastadores, mas como uma das modalidades habituais da evolução cultural de cada sociedade” (CUCHE, 1999, p. 14), sendo assim, um fenômeno normal das sociedades, grupo ou povo, que se adapta a outra cultura ou dela retira traços significativos.

Quando duas ou várias culturas se encontram em convivência, existe de uma forma implícita ou não, uma defesa da autonomia cultural, que “é muito ligada à preservação da identidade coletiva” (Idem, ibidem). Isso não implica que não haja aprendizado em ambas as partes, pois a aculturação cria ganhos significativos para a cultura que assimila novas vivências e diferentes maneiras de ver o mundo. A educação deve ter em conta os ganhos que podem advir de um processo de ensino e aprendizagem, onde a cultura se destaca no tratamento dos conteúdos, garantindo uma aculturação sem prejuízo da cultura original do indivíduo.

A cultura, seja de que povo for, tem a mesma função, de “tornar a vida segura e duradoura para a espécie humana” (WHITE; DILLINGHAM, 2009, p. 29) e “atender às necessidades do homem para tornar a vida segura e duradoura” (Idem, ibidem). Podemos ver que cada povo ou nação tem as suas formas de cumprir com as funções culturais descritas acima, sendo que um dos princípios básicos para a sua consecução é a convivência pacífica com outros povos e outras culturas, para isso “não é necessário buscar mundos distantes para vivenciar a experiência de conviver com „outro‟: a sala de aula pode ser – e de fato quase sempre é – um espaço privilegiado para o exercício da experiência de aprender com a diversidade” (FREITAS, 2011, p. 28), defendemos que esse é o “lugar de padronizarmos as

diferenças, porquê que, não aprendemos com as diferentes respostas, que as outras pessoas dão as mesmas perguntas formuladas? Podemos aprender muito mais, quando conseguimos ouvir o que o outro tem a dizer.” (FREITAS, 2011, p. 28). Julgamos ser pertinente para a escola fazer com que a cultura dos alunos se evidencie no processo de ensino e aprendizagem, de forma a que tenham uma formação, que os prepare de forma eficaz para enfrentar a sociedade, visto que “a educação, no seu mais amplo sentido, traduz a cultura de um povo” (FREITAS, 2011, p. 30).

4.3 Algumas Pesquisas Acadêmicas Relacionadas Com a Cultura Africana e Afro-

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