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1.2 Os direitos de cidadania no Brasil: entre o formal e o real

1.2.2 Sobre a democracia

Carlos Nelson Coutinho (1984, p. 19) nos aponta que a democracia possui um valor29 universal e, “[...] precisamente por ser universal, o valor da democracia não se limita a áreas geográficas”. Devemos pensar tanto no tema da democracia, como da cidadania e dos direitos humanos como questões que transcendem os limites dos Estados nacionais devido aos seus valores universais. O autor combate a idéia de que as questões dos direitos, da cidadania e da democracia se configuram como temas caros ao pensamento e à ideologia liberal, pois o valor universal desses conceitos ultrapassa a forma política na qual tais questões emergiram.

Para Coutinho (2000, p. 50) democracia é sinônimo de soberania popular, isto é, “[...] a presença efetiva das condições sociais e institucionais que possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na formação do governo e, em conseqüência, no controle da vida social”.

Pensar na democracia segundo Nogueira (2001, p. 124)

significa projetar formas democráticas de viver e conviver: um novo “sistema” de governo e decisão que conserve os valores universais da democracia, suas conquistas e seu núcleo fundamental, mas eleve tudo isso a um nível superior, mais avançado, rico e consistente.

Conforme sugere Fernandes (1999, p. 24) a consolidação definitiva da democracia somente é possível com a incorporação de uma cultura política democrática na vida dos cidadãos. A construção da democracia se traduz, portanto, num difícil processo “[...] pois a pluralidade de objetivos presentes na sociedade faz com que necessariamente as contradições entre as práticas e os discursos venham à tona, colocando muitas vezes em dúvida os próprios valores democráticos”. Neste sentido,

o conceito mínimo de democracia pressupõe que os cidadãos estejam preparados para usar as regras de participação democrática, que haja algum nível de igualdade social entre os indivíduos e que os mecanismos institucionais de representação sejam realmente democráticos. (FERNANDES, 1999, p. 30).

Para Roig e Añón (2004, p. 45) a ampliação da democracia somente se conseguirá com o objetivo de uma cidadania real, que implica mecanismos de equiparação efetiva. “O aprofundamento da democracia exige, entre outros requisitos, a consideração de cidadão, ou seja, a equiparação em direitos, de maneira que todos possamos participar ativamente da vida política”.

Carlos Nelson Coutinho (1984, 2000) aponta que a chegada ao patamar da democracia se dá por um processo e, portanto, entende o termo “democratização” como mais apropriado, uma vez que, a democracia nunca estaria terminada e sim, sempre buscando melhoras qualitativas. Para que o processo de democratização se realize em prol de uma sociedade como um todo, aponta algumas questões relevantes como, por exemplo, a necessidade de integrar as regiões e segmentos sociais no processo de modernização e também a problematização dos padrões de consumo impostos aos países periféricos. Segundo o autor (2000, p. 131)

a democracia só realizará seu valor universal no Brasil se essas grandes massas de excluídos forem incorporadas ao processo social como autênticos protagonistas. Só pode haver democracia para as grandes massas da população se elas forem capazes de se organizar, de expressar seus anseios e de obter efetivamente conquistas sociais, culturais e políticas, no quadro de uma institucionalidade em permanente expansão.

Entendemos que o marco da questão da redemocratização no Brasil é o fim do Regime Militar (1964-1985) com a chamada “abertura” cujos pontos cruciais são o movimento das “Diretas Já” e a formação da Assembléia Nacional Constituinte, responsável por discutir e elaborar a nova Constituição Brasileira. Uma Constituição que abarcasse os anseios e as necessidades de diversos grupos no intuito de garantir a todos os brasileiros os direitos de cidadania que haviam sido usurpados pela Ditadura Militar30. Este momento da nossa história propicia – mesmo que somente neste período – a passagem da “cidadania passiva” para a “cidadania ativa” pois se trata de um momento em que diversos setores e organizações passam a discutir e reivindicar a incorporação positiva de seus direitos.

Durante a elaboração da Constituição, as expectativas positivas em relação à democratização do país fizeram com que as discussões em relação às demandas que deveriam ser atendidas fossem pensadas no intuitode realmente interferir e modificar o quadro político, social e econômico vigente. Neste sentido, devido à “[...] forma de representação na política brasileira, na qual predominavam as relações pessoais e o clientelismo e a vontade dos cidadãos nunca foi respeitada, fez com que a constituição se caracterizasse pela participação popular”. (FERNANDES, 1999, p. 171).

Segundo Dalmo Dallari (2006, p. 82-83), a construção da Constituição Brasileira, promulgada em 1988 levou em consideração a

[...] necessidade de conceder efetiva garantia dos direitos fundamentais para todos e, como complemento necessário, de assegurar a todos a possibilidade de acesso aos direitos proclamados nas Constituições e nas leis, oferecendo às vítimas de injustiças e arbitrariedades praticadas por governos ou grupos poderosos, os meios necessários para a defesa e a efetivação dos direitos.

Para Marco Aurélio Nogueira (2001, p. 96), “os direitos sociais brasileiros [que]estão na Constituição, são aspirações consolidadas, expressões bem-acabadas do quanto avançamos em termos de uma cidadania mais estendida [...]”. Todavia, se pensarmos em termos de proteção e efetivação dos direitos legalmente garantidos, percebemos sua fragilidade, uma vez que na prática não são protegidos nem efetivados como deveriam.

Fazendo um balanço das garantias da Constituição de 1988 e seus resultados na atualidade, Maria Victoria Benevides (2004, p. 49) nos alerta que durante a constituinte, foi importante lutar pela garantia da combinação entre direitos humanos e direitos do cidadão,

30 Embora entendemos que este processo de garantia dos direitos de cidadania a todos os brasileiros não se

pois lutar pela cidadania se confunde com a luta pelos direitos humanos, o que entende representar um grande avanço num país de tradição escravagista. “No entanto, a realidade explode em violenta contradição com aqueles ideais proclamados, pela profunda desigualdade social, fruto de séculos de política oligárquica e da mais escandalosa concentração de renda”.

Nos anos de 1980 houve uma explosão de violência que fez setores das classes média e alta buscarem saídas individuais, às vezes mais violentas e até mesmo medidas ilegais. “Daí o trágico quadro de abusos contra presos ou suspeitos, crianças de rua e menores em instituições fechadas, pobres e desempregados”. (BENEVIDES, 2004, p. 44). Como sugere José de Jesus Filho (2006, p. 56) “[...] a escalada da violência que ocorre aqui deve ser entendida a partir da desigualdade estrutural que existe não só no nosso país como em toda a América Latina”.

Concordamos com Luiz Eduardo Soares (2006), que, a partir desse quadro, podemos pensar que a transição brasileira para a democracia permanece incompleta uma vez que a busca pela plena democratização do país esbarra, por exemplo, em práticas brutais da polícia contra as camadas populares.

Vemos, neste sentido, que a chamada Constituição Cidadã, promulgada em 1988, não foi suficiente para superar o panorama de desigualdade crescente existente no Brasil. Com isso, não queremos dizer que o reconhecimento legal dos direitos de cidadania não foi significativo, uma vez que tanto os direitos civis, como os direitos políticos, sociais e humanos a partir de então passam a ser formalmente assegurados a todos os brasileiros.

Embora entendamos diversos problemas que assolam nosso país como estruturais, não podemos negar que – ao menos no plano formal – estes aspectos também alcançaram certo progresso com a Constituição de 1988. No entanto, tais questões continuam sendo, na prática, problemas gravíssimos a serem colocados em pauta: a qualidade da educação básica pública, as diversas questões referentes ao mundo dos jovens, como por exemplo, o emprego, o lazer, questões relativas ao atendimento público de saúde, entre outros, além das violações aos mais variados direitos constitucionalmente assegurados.

Para tentar garantir que os direitos constitucionais sejam assegurados, ao longo de nossa história, alguns estatutos foram elaborados no intuito de complementar os dispositivos já existentes. Tais estatutos visam proteger públicos específicos da violação de direitos conquistados e garantidos. Trataremos aqui das legislações existentes para as crianças, adolescentes e jovens de nosso país.

momentos em que mais se praticou a democracia em nosso país, mesmo que seus objetivos não tenham sido plenamente alcançados.

1.3 A Abordagem legal, política e social do adolescente autor de ato infracional: do