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Sobre emoção, sentimento e consciência

A última década assistiu um grande avanço de estudos científicos sobre a emoção. Com as novas tecnologias disponíveis, hoje é possível ver o cérebro em funcionamento e obter imagens desse órgão.

O que acontece quando se pensa, se imagina e quando se sonha, sempre foi um grande mistério. Em parte, porque o lugar dos sentimentos na vida mental foi por muitos anos desprezado pela pesquisa, colocando as emoções num nível inferior das preocupações da psicologia dando margem a interpretações, hipóteses e opiniões clínicas com pouca ou quase nenhuma fundamentação científica.

Hoje, porém, a ciência já possui recursos de abordar essa questão com autoridade e mapear com alguma precisão a arquitetura emocional do cérebro humano, visando uma maior compreensão de algumas das mais intrigantes situações da vida do ser humano e do

mundo que o rodeia, ou seja, entender o significado da emoção e quem sabe, ainda, aliar inteligência à emoção. Contudo, como observa Goleman (1995, p. 13),

Essa compreensão, por si só, pode ajudar em certa medida; levar a cognição para o campo do sentimento tem um efeito meio parecido com o impacto sofrido pelo observador no nível do quantum na física, que altera o que observa.

.

Compreender a interação existente entre as estruturas do cérebro que comandam as emoções como, por exemplo, raiva e medo ou paixão e alegria, entre outras, revela que certos hábitos emocionais foram adquiridos no processo da evolução, sendo o medo um dos exemplos mais frisantes que mobiliza não só os humanos como outros animais para se protegerem contra o perigo. E o que há de mais importante nessas reações, é que foram elas que desempenharam a principal tarefa da evolução, ou seja, deixar uma prole que levasse adiante essas mesmas tendências genéticas. Sobre esse ponto, Darwin deixou um grande legado quando catalogou inúmeras e complexas emoções e expressões nos animais e no homem. Mas quando se refere ao homem, ele vai mais além ao mostrar que muitas de suas expressões são indícios que foram herdadas de antepassados primitivos. Um exemplo é o lacrimejar, “[...] que deve ter sido adquirido desde o tempo em que o homem se separou, a partir do ancestral comum do gênero Homo, dos macacos antropomórficos que não lacrimejam”. (DARWIN, 2000, p. 146).

As emoções emergem em cada indivíduo servindo de guia ao longo do processo evolucionário. No entanto, quando se defronta com novas realidades, tais como os avanços tecnológicos, por exemplo, que surgem com tamanha rapidez, impossibilitam que elas sejam acompanhadas pelo lento curso da evolução.

De acordo com Damásio, todo ser humano é possuidor de emoções, independente de idade, sexo, cultura ou nível sócio-econômico e vai mais além. Em entrevista concedida a André Barata (2003), assim define emoção:

É uma reação automática que é colocada como dispositivo nos seres vivos, humanos ou não humanos, e que permite responder a certos objectos e a certas situações de uma forma não deliberada, de uma forma que vai levar ou à defesa perante uma ameaça ou à utilização de uma oportunidade. Esta é a definição mais estreita que posso dar de emoção. (DAMÁSIO, 2003).

A sua definição deixa claro que a emoção não é caracteristicamente humana. A propósito, Darwin em seu trabalho, “A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais” (2000), demonstra muito bem que também os animais têm emoções: raiva, medo, ciúme e são manifestadas por intermédio das expressões no processo de adaptação ao meio. Todavia, as emoções estão vinculadas às idéias, valores, princípios, juízos complexos que só é possível para os seres humanos; eis porque “[...] a emoção humana é especial” (DAMÁSIO, 2000, p. 55).

De fato, a emoção humana, de um modo geral, é mais refinada. Seu desencadeamento independe do impacto que um determinado evento possa causar. Desde uma bela obra de arte até uma canção rotineira, o seu poder não pode ser desprezado. As emoções dependem dos sentimentos que são gerados por elas. Como coloca Damásio (2000), os sentimentos, por sua vez, são internos, voltados para dentro, enquanto que as emoções, são públicas, voltadas para fora e é através desses sentimentos que as emoções causam um impacto sobre a mente.

Para que os sentimentos possam ser conhecidos pelo indivíduo que os tem, estes necessitam da consciência com a chegada de um sentido do self. Portanto, as emoções e os sentimentos do ser humano giram em torno da consciência e do self. Contudo, há uma distinção entre sentir e saber que se tem um sentimento. Sentir, não implica necessariamente que o organismo que sente tem plena consciência da emoção e do sentimento que estão acontecendo naquele momento. Por exemplo, é muito comum alguém se sentir inquieto, angustiado, satisfeito, etc., sem que se dê conta disso e quando se dá conta de determinado sentimento específico, não significa que ele se manifestou no exato momento em que foi conhecido e sim, momentos antes. Se não foi conhecido antes é porque não havia se manifestado na consciência.

Para Damásio, ainda que diferentes, os fenômenos emoção e consciência podem estar ligados numa mesma base. E por ser assim, é importante comentar as várias características da emoção. Elas podem ser:

a) Primárias ou universais: alegria, tristeza, medo, raiva, surpresa ou repugnância;

c) emoções de fundo: bem-estar, mal-estar ou tensão.

Através de estudos minuciosos, o cientista em questão, afirma que não existe um centro cerebral único de processamento de emoções. O que existe são sistemas separados para diferentes padrões de emoção. No entanto, como saber que se está sentindo uma emoção? Sob esse aspecto, ele é enfático ao afirmar que: “Para um organismo saber que tem um sentimento, é necessário acrescentar o processo da consciência aos processos de emoção e sentimento”. (DAMÁSIO, 2000, p. 111).

Uma das abordagens possíveis para o estudo desta questão crucial passa pela análise dos processos cerebrais que interferem nas emoções. O autor pesquisou a importância das emoções e dos sentimentos no processo da tomada de decisão e como a emoção é essencial na produção da razão, pondo fim ao até então paradigma dominante da razão em oposição à emoção.

Normalmente as pessoas costumam achar que decidem e pensam melhor quando estão de cabeça “fria”, livre de preocupações, enfim, de emoções. Para Damásio, isso não procede. Na entrevista concedida à Denise Ramiro, ele esclarece este ponto: “É uma impressão totalmente errada. As emoções são extraordinariamente importantes no processo de decisão. A emoção faz parte do mecanismo neurológico da decisão”. (DAMÁSIO, 2001b, p. 99).

Em suas investigações, este cientista tem mostrado que as reações do cérebro são conforme os sentimentos que as pessoas vivenciam em determinadas situações. Dependendo do sentimento que se experimenta, as reações são diferentes: alegria, tristeza, medo, ansiedade, ódio, e por aí afora. Graças a técnicas sofisticadas de imagiologia utilizadas, foi possível a obtenção de imagens do cérebro de pessoas que se submeteram a esses estudos, permitindo fotografar as reações cerebrais idênticas ao estado de espírito de determinada pessoa naquele momento, assim como observar as zonas cerebrais ativadas e desativadas conforme o sentimento dominante naquela circunstância. Com isso, Damásio mostrou que o cérebro humano opera de forma distinta para cada estado de espírito.

Os mecanismos da consciência são imprescindíveis para que as pessoas tomem conhecimento do que está ocorrendo com elas e com o mundo externo. O cérebro elabora uma construção de imagens não só pessoal, mas do que acontece no mundo. É através dessas imagens que relaciona corpo e objeto, que se constrói o sentido da consciência que envolve o sentido próprio/individual e a capacidade que se têm não só de conhecer aquilo que acontece no próprio organismo, mas também, do que acontece além dele. É a consciência que permite o conhecimento de quaisquer estados pessoais e, especificamente, quando se defronta com a questão do self.