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3. PLANO METODOLÓGICO

3.1. Sobre estudos de casos e generalização

Consideramos importante fazer uma breve reflexão sobre o método de pesquisa de estudo de casos, para que o entendimento que fazemos dessa estratégia investigativa seja explicitado e para que seu uso seja justificado em nossa pesquisa. Para isso falaremos sobre a natureza deste método, sua aplicabilidade e possibilidade de generalização (Alves-Mazzotti, 2006).

Antes de tudo, destacamos que estudos de caso não se caracterizam como tais somente por incluírem um reduzido número de sujeitos ou por estudarem uma unidade específica do que quer que seja (uma sala de aula, uma turma, uma pessoa, um sítio na internet, etc.). Para discutirmos seu uso como metodologia de pesquisa específica e dentre as outras tantas metodologias das ciências humanas, devemos considerar o conhecimento científico, de um modo geral, se desenvolvendo num processo de construção coletiva. Em sendo assim, os estudos de caso não podem se furtar ao debate acadêmico, nem podem ser tratados de maneira desconectada de outras discussões que venham ocorrendo na área. Mesmo porque, esse tipo de investigação precisa se balizar tanto em justificativas teórico-metodológicos, como em interpretações coerentes com essas escolhas.

Mas, a despeito das divergências entre autores acerca dos critérios mais adequados para se avaliar os estudos de caso (Alves-Mazzotti, 2006), há uma indicação consensual de que esses estudos dizem respeito a investigações relevantes de unidades específicas, definidas a partir de critérios preestabelecidos e que se valem de diversas fontes de dados, no intuito de criar uma visão ampla do fenômeno em questão.

Nossa escolha por usar ou não o método dos estudos de casos em nossos trabalhos, depende, em grande parte, de nossas perguntas de pesquisa (Yin, 2009). A opção pelos estudos de caso seria relevante, fundamentalmente, quando usássemos o “como” ou o “por que” em nossas questões; quando o “como” e o “por que” perguntam acerca de “um conjunto de eventos contemporâneos sobre o qual o pesquisador tem pouco ou nenhum controle” (Yin, 2009, p.14).

Sendo assim, havemos de concordar que um estudo como o nosso, que quer realizar uma análise interpretativa de relatos da vida cotidiana de crianças, é favorecido pela estratégia dos estudos de caso. Isso porque, as análises das conversas entre pesquisadores e crianças, a

partir de fotografias, exigem a construção de uma teia interpretativa que leva à caracterização dos processos particulares de produção de sentidos. Nossos objetivos e questões, portanto, apontam para a relevância dos estudos de caso como sendo a estratégia que melhor se adéqua às nossas inquietações.

Essa escolha reflete nossa opção teórica, sustentada na possibilidade de investigarmos o caráter dinâmico e relacional constitutivo dos processos de produção de sentidos da vida diária. Se optamos por fazer uma análise das descrições feitas por crianças, consideramos que tanto mais verticais elas serão, quanto maior o detalhamento das análises dos dados de cada sujeito investigado. Além disso, o uso de sondas culturais (como veremos mais adiante) tem como prerrogativa um processo de produção de dados individual, autônomo e centrado no sujeito (Mattelmäki, 2006) – o que nos encaminha, mais uma vez, para a estratégia dos estudos de casos.

Outro argumento a favor de nesse estudo trabalharmos com os estudos de casos está em nossa proposta analítica que, ao querer verificar como o sentido é produzido no cotidiano, pretende fazê-lo inspirando-se no conceito de “situação comunicativa mínima” (Fig.2) proposto por Cornejo (2008) e definido como sendo o “espaço intersubjetivo contingencialmente formado entre um sujeito (S), um outro (O) e um objeto comum (R), sobre o qual se fala” (Cornejo, 2008, p.171).

Fig. 2. Triângulo da situação comunicativa mínima.

No caso desse estudo, sujeitos (S) são cada uma das quatro crianças que participam do estudo; o outro (O) somos nós, pesquisadores que dialogamos com elas e o objeto comum sobre o qual fazemos referência (R) são as fotografias, os desenhos e os relatos do cotidiano infantil. Entendemo-nos, portanto, como coparticipantes na proposta de produzir sentidos

(R)

Referente a um objeto sobre o qual se fala

ESPAÇO INTERSUBJETIVO (O) Outro (S) Sujeito

acerca da vida cotidiana de crianças. Assim, nesta proposta, a tarefa de compreender como crianças produzem sentido em suas vidas diárias envolve “a interpretação e a empatia, ao invés de previsão ou controle” (Harré & Gillett, 1999, p.25), o que eleva a importância de destacarmos os autorrelatos das pessoas que estudamos.

Mas, vale salientar, no entanto, que apesar de nos colocarmos nesse lugar de interlocutores privilegiados dialogando com as crianças, entendemo-nos como mediadores. Isso porque as crianças, ao se dirigirem a nós, falam para o mundo adulto, através de nós – falam para seus pais, seus tios, seus professores.

E, no que diz respeito ao quesito “generalização”, sabemos que a partir de estudos de caso não é possível, por exemplo, fazer generalizações estatísticas. E não pretendemos fazê- las neste nosso estudo.

Sendo assim, quando falamos em estudos de casos falamos em formas alternativas de generalização, que se caracterizam pela busca dos pesquisadores por irem para além do caso, partindo de um grupo particular de resultados para chegar a propostas teóricas aplicáveis em outras situações, tratando os dados como um sistema cujas partes são integradas e procurando ampliar as possibilidades de análises e relações a partir dos dados que dispõem (Alves- Mazzotti, 2006).

Desse modo, o poder de generalização desta pesquisa está em sua possibilidade de vir a gerar hipóteses produtivas e de fazer emergir elementos importantes que apontem para os processos de produção de sentidos da vida cotidiana de crianças – a partir da confrontação entre os dados produzidos e as teorias que subsidiam sua análise. E esses elementos, emersos do nosso estudo, poderão vir a ser estudados, depois, com o uso de outros métodos com maior poder de generalização.

Dizemos isso, traçando um paralelo a partir das considerações de Valsiner (2007), quando discute as diferenças entre os métodos de construção de conhecimentos da psicologia transcultural e da psicologia cultural. Diz ele que os estudos da psicologia cultural (como ciência básica que se propõe a sistematização de princípios básicos) começam com amostras de um indivíduo, portanto, com estudos de casos – a partir dos quais se elabora um “modelo generalizável do funcionamento cultural da pessoa (...) baseado na análise sistêmica do indivíduo-no-contexto-social” (Valsiner, 2007, p.28-29). Esse modelo sistêmico criado a partir do caso específico deve ser então “testado empiricamente com base em outra pessoa selecionada” (Valsiner, 2007, p.29), com características distintas da primeira – o que pode levar ou não a uma modificação do modelo inicial. Esse modelo modificado (ou não), por sua

vez, deve novamente ser testado em outro estudo de caso, com sujeitos distintos das amostras anteriores (e assim sucessivamente).

Em função desses vários estudos de casos, elabora-se uma “construção hermenêutica do conhecimento sobre pessoas como sistemas de funcionamento cultural” (Valsiner, 2007, p.29). E assim, as informações sobre essas pessoas – analisadas como parte de sistemas integrados a teias sociais – geram um modelo que pode ser considerado generalizado. Tais generalizações são consideradas como aplicáveis a “toda humanidade” uma vez que foram criadas em função das diferenças entre pessoas.

É nessa perspectiva, portanto, que situamos a possibilidade de generalização de nosso modelo de estudo. Cada caso aqui deverá colaborar para uma reflexão que nasce dos processos de produção de sentido na vida cotidiana de crianças e pode vir a se ampliar, buscando abranger uma reflexão sobre as crianças no momento atual. A importância de fazermos isso, está no fato de, até o momento, não termos encontrado relatos de estudos de psicologia da infância que proponham modelos generalizáveis de investigação, onde seja dada a oportunidade de crianças tecerem seu ponto de vista sobre suas próprias vidas cotidianas ou de construírem e apresentarem um entendimento sobre sua própria condição de seres-no- mundo-com-outros.

Evidentemente que um estudo pontual e limitado como o nosso não pretende ser confundido com um modelo generalizável de investigação sobre a psicologia da infância. Mas se propõe, isto sim, a ser um entre outros estudos, capaz de sugerir um modelo de investigação onde é dada a palavra a crianças, para que falem de suas vidas cotidianas.

3.2. Sobre os participantes da pesquisa: